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segunda-feira, 28 de abril de 2014

Berço das águas que abastecem 61% dos municípios gaúchos está ameaçado em Passo Fundo




Bacia do Rio Passo Fundo, localizada na região norte do Rio Grande do Sul (Foto: Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Rio Passo Fundo)
Marco Weissheimer

Um projeto para a ampliação do aeroporto de Passo Fundo reacendeu um debate sobre o processo de urbanização na região que ameaça uma área que é berço das águas de cinco das 25 bacias hidrográficas do Rio Grande do Sul. Nesta região nascem águas que abastecem e são responsáveis diretas pelo desenvolvimento de 61% dos municípios gaúchos. Em uma área situada na localidade de Povinho Velho, entre Passo Fundo e Mato Castelhano, existe uma vereda de pequenas nascentes que são as formadoras das bacias do Passo Fundo, Alto Jacuí, Apuaê-Inhandava e Taquarí-Antas. Pequenos banhados se desmembram em quatro braços distintos, que seguem diferentes caminhos. Um deles, depois de percorrer mais de 100 quilômetros e se juntar a dezenas de rios e riachos, vai formar a grande bacia do rio Jacuí, que contribui com 85% das águas formadoras do Guaíba.

Além do projeto de ampliação do aeroporto e da urbanização crescente do território, um parque foi instalado na região e há projetos em estudo para a instalação de empresas e indústrias. Representantes do movimento ambientalista de Passo Fundo vem travando uma batalha junto às autoridades do município, para deter esse processo de avanço sobre o Berço das Águas que pode trazer graves consequências para o equilíbrio e o abastecimento de várias bacias hidrográficas do Estado e também para o abastecimento de água da população.

Aeroporto de Passo Fundo está encravado na região das nascentes. Projeto de ampliação do aeroporto e atração de outras empresas para a área podem aumentar degradação das nascentes e dos fragmentos de Mata Atlântica ainda presentes neste território.

Lucinda Gonçalves Pinheiro milita há mais de 15 anos no movimento ecológico, atualmente é coordenadora adjunta da 7ª Coordenadoria Regional de Educação, e fez sua dissertação de mestrado sobre os fragmentos de Mata Atlântica no território de Passo Fundo, analisando as áreas prioritárias para a sua conservação. Uma dessas áreas foi justamente o Berço das Águas, e ela está muito preocupada com o que vem acontecendo e com o que pode acontecer em um futuro muito próximo:

“Os gestores do município de Passo Fundo têm grande responsabilidade com as águas que nascem nesta região. Como elas saem do território de Passo Fundo, para compor bacias de outras regiões, essa responsabilidade é maior ainda. No caso, há um compromisso com todo o Estado do Rio Grande do Sul. É um patrimônio natural que não pode ser perdido”.

Lucinda Pinheiro observa que o Plano Diretor de Passo Fundo estabelece que o Berço das Águas é uma zona de proteção de manancial hídrico e que o município deve fazer pesquisas para tornar essa região uma Área de Proteção Ambiental (APA), uma unidade de conservação que permite outras unidades de conservação menores, como Reservas Particulares de Patrimônio Natural (RPPN). Nesta região, explica ela, há um grande fragmento de Mata Atlântica, na área da família Gomes, há a fazenda da Brigada que possui várias nascentes que abastecem o rio Passo Fundo. Essa região vem sofrendo inúmeras intervenções nos últimos anos que estariam desrespeitando o que prevê o próprio Plano Diretor da cidade prevê. A ambientalistas detalha algumas dessas intervenções:

“Além da instalação do Parque de Exposições Wolmar Salton (Efrica), pertencente à prefeitura, há uma área pública que foi cedida para um empresário de Passo Fundo. Nesta área já foi impedida a construção de um autódromo internacional e muitos outros empreendimentos. Ali estão as nascentes da barragem do arroio Miranda, responsável pela maior parte do abastecimento de água da população de Passo Fundo. Perto dali, há um lago que se formou na área de uma antiga pedreira. Em 2012, uma estiagem fez essa barragem praticamente secar. Era possível caminhar no leito da barragem. Neste período, a água da pedreira, que não era considerada adequada para o consumo humano, abasteceu a população de Passo Fundo”.

“Essa área da pedreira pertencia à fazenda da Brigada que originalmente tinha 3 mil hectares. Hoje tem apenas mil hectares. Uma parte foi cedida para o parque da Efrica, outra foi cedida para o aeroporto, outra para a Apae e uma outra para a Ceasa, que não foi utilizada e, mesmo assim, não retornou para a fazenda da Brigada. O parque da Efrica já foi um grande erro. O aeroporto também. Não podemos ser gestores de quatro ou dez anos apenas. Devemos ser gestores pensando num período de, no mínimo, 30 anos. E do jeito que estão indo as coisas, não chegaremos a 2030 com muita tranquilidade”.

Região é rica em nascentes de água, cada vez mais pressionadas pela urbanização.

O município, insiste Lucinda Pinheiro, deveria criar uma Área de Preservação Ambiental e promover um estudo mais aprofundado sobre esse território que, além de abrigar diversas nascentes de rios, é corredor de fauna para vários outros fragmentos de Mata Atlântica que precisam ser conservados:

“Não é possível permitir que um processo de urbanização desenfreado siga invadindo essas áreas, envolvendo inclusive a instalação de indústrias. Nós seremos responsabilizados no futuro se permitirmos isso. É uma questão de sobrevivência ambiental, social e econômica. O município de Passo Fundo também assinou a plataforma Cidade Sustentável. O governo do Estado também precisa se manifestar a respeito pois o problema diz respeito a todo o Rio Grande do Sul e a outros países também, considerando o caráter internacional da bacia do rio Uruguai. Ao invés de ampliar o aeroporto instalado nesta área, deveria se estudar uma realocação do mesmo, garantindo outro tipo de uso para essa região”.

Se Passo Fundo quer ser uma Cidade Sustentável, conclui, a primeira coisa a fazer é uma grande audiência pública sobre esse tema e mostrar a importância dessa região para todo o Estado. Ela chama a atenção da população de Passo Fundo para o problema do abastecimento de água:

“Estudos mostram que as barragens do Miranda e da fazenda estão perdendo capacidade e serão capazes de abastecer nos níveis atuais a população de Passo Fundo até 2015. A partir daí, a Corsan vai precisar buscar água na barragem do Capinguí. A população só aumenta, mas os rios não aumentam e são degradados. Passo Fundo está hoje entre as dez cidades que mais se industrializam no estado, atraindo empresas, trabalhadores e inclusive imigrantes de outros países (como Senegal e Bangladesh). Se a população e a urbanização continuarem crescendo no ritmo atual, teremos problemas muito graves”.

O engenheiro agrônomo Victor Hugo Carrão, que participou do Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Rio Passo Fundo (CBHPF) até março deste ano, reforça as advertências chamando a atenção para a degradação dos solos na região, processo que diminui a capacidade de armazenamento de água. Segundo ele, em função do tipo de agricultura que vem sendo praticado na região (hegemonizado pela cultura da soja), “não há retorno de palha suficiente para conservar e recuperar os solos, refletindo na infiltração e armazenamento desta água nos solos na bacia, reduzindo ano a ano os lençóis subterrâneos de água, colocando em risco a manutenção das fontes e nascentes”. Carrão também defende que as nascentes da região sejam consideradas áreas de relevante interesse ecológico.

O Conselho Estadual de Recursos Hídricos (CRH) já homologou a proposta de enquadramento das águas superficiais da Bacia do Passo Fundo.

O Conselho Estadual de Recursos Hídricos (CRH) já homologou a proposta de enquadramento das águas superficiais que estabelece os parâmetros de qualidade para o uso dos recursos hídricos na Bacia Hidrográfica do Rio Passo Fundo para os próximos 20 anos. Segundo o ex-presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Passo Fundo, Claud Goellner, esse enquadramento deve ser seguido por todos os municípios e usuários da água de modo a garantir quantidade e qualidade de água para as atuais e futuras gerações.



Apesar disso, o processo de urbanização da região prossegue e o projeto de ampliação do aeroporto anda de mãos dadas com projetos de instalação de empresas naquela área cercada de nascentes que ajudam a formar boa parte das bacias hidrográficas do Estado. Por enquanto, o assunto é desconhecido pela imensa maioria da população, embora lhe diga respeito diretamente. As disputas envolvendo a água aproximam-se cada vez mais do nosso cotidiano. Vale a pena acompanhar com atenção o que está acontecendo em Passo Fundo, antes que seja tarde demais para deter processos de destruição de recursos naturais vitais para o equilíbrio ambiental, social e mesmo econômico do Estado.

Fonte: http://www.sul21.com.br/

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