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sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Privatização da saúde: logo será a vez de SC

Cremerj denuncia privatização da saúde no Rio com indícios de nepotismo


Presidente do órgão acusa prefeito de desmoralizar médicos do Rio de Janeiro

Jornal do BrasilLuciano Pádua


A presidente do Conselho Regional de Medicina do Rio (Cremerj), Márcia Rosa de Araújo, criticou duramente as declarações do prefeito Eduardo Paes e do secretário municipal de Saúde Hans Dohmann sobre o caso da menina Adrielly, que esperou oitos horas por atendimento no dia 24 de dezembro após o neurocirurgião do hospital Salgado Filho ter faltado ao plantão de Natal. Para ela, as autoridades vêm fazendo "campanha de desmoralização" da categoria. 

Ela também criticou duramente o que chamou de "privatização da saúde", através da implementação das Organizações Sociais de Saúde (OSS), que passaram a gerir diversas unidades no estado do Rio desde 2011, e atentou para as irregularidades que este modelo permite: 

"Não concordamos com essa forma de gestão. Há indícios de nepotismo, desvio de recurso público. É impossível fazer a fiscalização como prevê a Constituição. Não existe licitação, não há forma de se fazer consertos, compras e reparos minimamente no valor de mercado. Aí, surgem as notícias de superfaturamento", protestou Márcia.

Márcia explicou ao Jornal do Brasil que o caso ganhou tanta repercussão entre os profissionais de saúde que houve uma cobrança generalizada para que o Conselho fizesse um comunicado oficial, publicado nesta quinta-feira (17) no jornal O Globo. No final do ano passado, o prefeito classificou Adão Crespo Gonçalves como "delinquente" por não ter comparecido ao trabalho. Prefeito classificou Adão Crespo Gonçalves como "delinquente" por não ter comparecido ao trabalho

Ela informou que o Conselho discorda de "mal feitos" dos profissionais de saúde, mas que a categoria como um todo não pode ter sua imagem prejudicada devido a um fato isolado. "Desde o dia 25 de dezembro, quando o fato aconteceu, o caso está em apuração não só pelas autoridades do poder público quanto pelo próprio Cremerj. Desde então, o fato vem sendo replicado pela mídia e atinge os médicos como se fossem todos delinquentes", justificou.

A médica explicou também que foi aberta uma sindicância no Cremerj para investigar o caso de Adão Crespo Gonçalves, que se transformará em um processo a ser julgado pelo Conselho. Caso o médico seja declarado culpado, as penas podem variar desde pena privada, advertência pública, suspensão pública até cassação do registro profissional. 

Promessas da posse

Ao assumir o mandato no começo deste ano, o próprio prefeito reconheceu que há falta de profissionais da área no serviço público e se comprometeu a contratar dois mil médicos. Muitas vezes, um concursado ganha menos de um terço do que um médico contratado. Essa situação não é administrável

"São quatro anos de governo. Nós já alertamos que havia falta de médicos, principalmente nos finais de semana. Além disso, com o salário que se paga não há quem fique no serviço público, onde há excesso de trabalho e falta de plano de carreira. Muitas vezes, um concursado ganha menos de um terço do que um médico contratado. Essa situação não é administrável", afirmou a médica. 

Segundo ela, o comunicado público no jornal surgiu a partir de uma "cobrança generalizada" dos médicos em relação aos fatos noticiados pela imprensa. Além disso, reclamou que os veículos de comunicação não deram espaço aos médicos para se posicionarem sobre a questão: O Cremerj realizou 200 fiscalizações em hospitais públicos (...) faltam médicos em 74% das instituições.

"Trata-se de um fato isolado, que deve ser devidamente apurado. Quando há um crime, ninguém fica todo dia denegrindo os policiais militares. O prefeito tem espaço no jornal todos os dias de graça, e nós temos que pagar para conseguir emitir uma nota. Aliás, um alto preço com dinheiro dos médicos. Não temos espaço na imprensa para falar", disparou.

A nota publicada - "Médicos repudiam linchamento da categoria" - destaca que o Cremerj realizou 200 fiscalizações em hospitais públicos em 2012 e constatou que faltam médicos em 74% das instituições. Entre essas unidades, explica Márcia, estão as Unidades de Pronto Atendimento (UPA), postos de saúde e hospitais municipais, estaduais e federais que funcionam na região. 

Insuficiência comprovada 

A Secretaria Municipal de Saúde informou que existem 70 neurocirurgiões no quadro para atuar nas cinco grande emergências da cidade (Miguel Couto, Salgado Filho, Pedro II, Lourenço Jorge, Souza Aguiar). Com isso, há uma média de 14 profissionais para cada unidade, ou seja, dois médicos em um turno de 12 horas por cada dia da semana. Mesmo se ele tivesse comparecido ao plantão de Natal, o número ainda seria insuficiente

A própria Secretaria, porém, admite que esses médicos são alocados de acordo com as necessidades específicas de cada unidade, podendo haver mais profissionais em uma do que em outras. Com isso, constata-se uma falta de profissionais em determinados locais. Esses cálculos não levam em consideração eventuais licenças, férias e outras possibilidades de falta. A presidente do Cremerj ressaltou que a resolução 100 do Conselho prevê, no mínimo, três profissionais com esta especialidade em grandes emergências. 

Em nota ao JB, a Secretaria informou que segue as diretrizes da Política Nacional de Atenção a Urgências, do Ministério da Saúde, para lotação de especialistas. "O quantitativo nas emergências é definido conforme estudo de demanda da SMSDC e de acordo com o perfil e serviços oferecidos em cada unidade, buscando otimizar o uso da rede, uma vez que as unidades municipais trabalham de forma integrada", diz o comunicado.

O médico e atual vereador Paulo Pinheiro (Psol), que já dirigiu o hospital Miguel Couto e trabalhou no Salgado Filho, concordou com a nota do Cremerj. Segundo ele, há uma grave crise de recursos humanos na Secretaria Municipal de Saúde. "Não defendo o médico que faltou, mas esse caso tem que ser investigado pela polícia e pela administração pública. A minha questão é técnica: os hospitais não podem ter números insuficientes de médicos em seus quadros. Mesmo se ele tivesse comparecido ao plantão de Natal, o número ainda seria insuficiente", adverte. 

Para se embasar, ele cita o hospital Salgado Filho, que conta atualmente com seis neurocirurgiões. "O Salgado Filho só tem seis neurocirurgiões para cobrir 14 plantões durante a semana. Além das cirurgias necessárias, o médico tem que visitar os pacientes já operados nos 30 leitos fixos, mais o numero variável de pacientes internados na maca de emergência porque não há maca na enfermaria", explicou, acrescentando que essa análise não inclui profissionais em férias e licenciados.

Responsabilidade do poder público

Pinheiro ressaltou que a responsabilidade por novas contratações nos hospitais públicos é da Prefeitura e da Secretaria de Saúde, através de concurso ou de terceirização. "Não adianta chamar os médicos de delinquentes, a Prefeitura e a Secretaria são as responsáveis. Este é um problema comum em todos os hospitais da cidade, e não acontece apenas na neurocirurgia", afirmou.



A presidente do Cremerj e o vereador fizeram criíticas durante o concurso para diversas especialidades médicas realizado pela Secretaria no ano passado. Segundo ambos, o vencimento oferecido aos concursados era de pouco mais do que R$ 1.500 brutos. "Como a política da Secretaria é a terceirização, os aprovados teriam salário de R$ 1.500 sem descontar os impostos para 24 horas semanais. No mesmo emprego, os contratados da OSS recebem mais de R$ 6 mil", complementou Pinheiro. 


Declaradamente oposicionista ao governo de Eduardo Paes, Pinheiro aproveitou para alfinetar as prioridades do pemedebista nas políticas de saúde pública, que investiu nas Clínicas da Saúde. Segundo Pinheiro, são 770 equipes de saúde da família no município, e para receber o subsídio que o governo federal oferece, estes grupos precisam estar completos, com um médico, um enfermeiro, um técnico de enfermagem e quatro agentes comunitários de saúde. 

"O prefeito achou que as Clinicas da Saúde resolveriam todo o problema de saúde da cidade. Realmente, é um fator importante para a parte de atenção básica da política de saúde. Mas até lá tem crise: a informação do Tribunal de Contas do Município (TCM-RJ) é de que em dezembro do ano passado, 100 equipes não tinham médicos", finalizou o vereador.

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