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segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Santa princesa Isabel?

Curioso é um representante da Igreja (ver posição da ICAR) falar em sistema indigno, referindo-se ao escravagismo, quando sabemos que ela explora, de forma sutil, é claro, povos de todos as nacionalidades e cor de pele, mundo afora, praticando abjeta escravidão que aparenta repudiar, a começar pelos seus clérigos, os quais não são, sequer, reconhecidos como empregados.
Ou seja, enquanto pratica a escravidão mais descarada, faz de conta que valoriza as ações da princesa Isabel, que supostamente teriam culminado com a libertação dos negros. 

Pura hipocrisia e deboche.

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Historiadores e movimento negro questionam projeto para beatificar a responsável por assinar a Lei Áurea, que acabou com a escravidão no País


João Loes

FIEL
Além de ter assinado a Lei Áurea, a princesa Isabel, segundo
entusiastas e críticos da sua beatificação, era muito religiosa

Na mesa do cardeal arcebispo do Rio de Janeiro, d. Orani João Tempesta, repousa uma indigesta questão que ele está sendo pressionado a resolver. Desde que o pedido de abertura do processo de beatificação da princesa Isabel foi oficialmente apresentado ao religioso, autoridade máxima da Igreja do Rio de Janeiro e única figura com investidura legal para dar início à causa, o cardeal se encontra em delicada situação, acuado entre grupos de católicos. De um lado estão os que defendem com fervor a santificação da princesa, filha de d. Pedro II e signatária da Lei Áurea, liderados pelo escritor e professor curitibano Hermes Rodrigues Nery, um estudioso da família real brasileira. De outro, estão historiadores e parte do movimento negro, que questionam o papel de protagonista de d. Isabel na abolição dos escravos e não querem vê-la num altar de jeito nenhum. Diante de uma causa de beatificação envolta em polêmica, d. Orani retarda uma resposta sobre o início – ou não – do processo. Alheio às questões políticas, Nery, postulador que pesquisou durante meses documentos em lugares como os arquivos do Museu Imperial de Petrópolis e bibliotecas do Brasil, para levantar detalhes da vida da princesa e preparar sua biografia, pede uma definição. Segundo especialistas ouvidos por ISTOÉ, a causa pela beatificação da princesa até tem força para caminhar, mas uma avalanche de complicadores certamente surgirão durante o processo. Afinal, d. Isabel está longe de ser uma unanimidade.

FAMÍLIA
Exilada na França desde 1889, ao lado do marido, o conde D'Eu

Há uma representativa corrente de historiadores, por exemplo, que relativizam a atuação da princesa na abolição, tida como um dos principais argumentos de quem defende sua beatificação. “Canonizar d. Isabel a partir do episódio da assinatura da lei de 13 de maio é uma tentativa de reiterar uma memória que silencia sobre o papel do negro na sua própria história”, diz Wlamyra Albuquerque, historiadora, professora-adjunta da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e autora do livro “O Jogo da Dissimulação” (Cia. das Letras, 2009). Com o avanço da causa pela santificação, a importância dos levantes de negros cativos e das lideranças abolicionistas poderia acabar em segundo plano, o que seria, no mínimo, injusto. “A emancipação foi resultado da luta desesperada dos cativos, de suas rebeliões e do ódio aos seus senhores”, afirma a historiadora Mary de Priore, que lança em abril o livro sobre Isabel e seu marido, o conde D’Eu, intitulado “O castelo de papel” (Ed. Rocco, 2013). “Mas na pintura da princesa emancipacionista, tudo era cor-de-rosa como seu palácio em Petrópolis.”


Para os críticos, esse esforço da monarquia em pintar a princesa e suas ações como fundamentais para o fim da escravidão tinha razão óbvia e pouco nobre. Em 1888, a realeza vivia seus últimos momentos em um Brasil já dominado pelos republicanos. Associar-se a uma causa tão popular quanto o abolicionismo era uma das últimas esperanças de dar sobrevida ao regime. Não seria fácil, porém, convencer o povo de que os motivos da coroa para tanto entusiasmo com a abolição eram nobres e legítimos. Afinal, desde 1850, quando a Inglaterra proibiu o tráfico internacional de escravos, a abolição virou assunto corriqueiro no País. Com leis como a do Ventre Livre, de 1871, e dos Sexagenários, de 1885, a causa ganhou ainda mais visibilidade. “Quando chegou 1888, era evidente que insistir na manutenção do regime escravocrata não fazia mais sentido”, afirma Roderick Barman, professor da University of British Columbia (UBC) e autor do livro “Princesa Isabel do Brasil: Gênero e Poder no Século XIX” (Unesp, 2005).


Quando a abolição oficial finalmente veio, ela não era nova nem inesperada. Era quase protocolar. Nesse sentido, era mais fácil o povo suspeitar da demora da realeza em acabar com esse anacronismo – e o Brasil foi o último País no mundo a extingui-lo – do que aceitar que o fim veio graças a uma figura política de pouca ou nenhuma relevância. Até houve celebrações da d. Isabel e homenagens a ela como redentora dos negros, muitas das quais patrocinadas pela casa imperial, que organizou festas, regatas, corridas de cavalo e eventos religiosos para incensar sua figura. Mas quando ela foi exilada, logo foi esquecida, assim como toda sua família.


Para Nery, críticas impiedosas como essas têm origem conhecida. Segundo ele, quem escreveu a história da abolição e do papel da princesa Isabel nesse processo foram historiadores republicanos, pouco interessados em registrar que, no Brasil, o fim da escravidão veio pelas mãos de uma princesa. “E mais, ela não só acabou com o regime escravocrata como negociou para viabilizar uma solução católica para a abolição”, afirma o postulante da causa. “Em vez de ruptura, como se viu nos Estados Unidos ou no Haiti, onde houve violência e derramamento de sangue, ela buscou o reformismo pela via institucional – e conseguiu”, diz. Prova disso seria a Rosa de Ouro que ela recebeu do papa Leão XIII, como reconhecimento pela boa condução dada à questão.

Um prêmio de tamanha importância, jamais concedido a outro brasileiro, certamente terá peso se a causa pela beatificação da princesa chegar ao Vaticano. Aliada aos detalhes da vida particular de d. Isabel, tida como inquestionavelmente devota tanto por seus admiradores quanto por seus críticos, ela fortalece em muito a candidatura à beatitude. “O que importa é o compromisso do candidato a beato com a missão que Deus deu a ele na Terra”, afirma a irmã Célia Cadorin, responsável pelas causas que resultaram na canonização de São Frei Galvão e da Santa Madre Paulina, os dois únicos santos brasileiros. Na avaliação da religiosa, o retrato biográfico produzido por Nery tem grande potencial de deslanchar. “Mesmo com as críticas dos historiadores e do movimento negro, que devem ser incluídas porque fazem parte da história dela, essa é uma história muito forte e bonita.” O debate está aberto.

Fonte: ISTO É

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O que pensa a ICAR:




Princesa Isabel: redentora ou santa? 


Dom Antonio Augusto Dias Duarte - Bispo Auxiliar da Arquidiocese do Rio de Janeiro 



Comecei a escrever esse artigo no dia 14 de novembro de 2011, sabendo que há 90 anos falecia, em Paris, a primeira mulher que governou o Brasil, a princesa Isabel Cristina Leopoldina Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga de Bragança. Era também uma segunda-feira, e no Castelo d’Eu, na Província da Normandia, em consequência de uma insuficiência cardíaca agravada por congestão pulmonar, a três vezes regente do Império brasileiro pronunciava o seu definitivo “sim” a Deus, aceitando a morte bem longe de sua amada pátria, o Brasil.



No seu testamento feito em Paris, no dia 10 de janeiro de 1920, encontram-se os seus três grandes amores. Assim se lê nesse documento revelador: “Quero morrer na religião Católica Apostólica Romana, no amor de Deus e no dos meus e de minha pátria”.


Inseparáveis no coração de mulher, de mãe e de regente, esses amores, vividos com fidelidade e heroísmo, constituíram o núcleo mais profundo de seu caráter feminino, sempre presente na presença régia dessa mulher – esposa, mãe, filha, irmã, cidadã – e, sobretudo, na sua função de uma governante incansável na consecução de uma causa que se arrastava lentamente no Império desde 1810: a libertação dos escravos pela via institucional, sem derramamento de sangue.


Conhecendo com mais detalhes a vida dessa regente do Império brasileiro e conversando com várias pessoas sobre a sua possível beatificação e canonização num futuro próximo, fico admirado com suas qualidades humanas e sua atuação política, sempre inspirada pelos princípios do catolicismo, e, paralelamente, chama-me atenção o desconhecimento que há no nosso meio cultural e universitário sobre a personalidade dessa princesa brasileira.


Sabemos que sua atuação política, inspirada pelos ensinamentos evangélicos, não foi bem acolhida na corte e na sociedade da sua época, quando a economia brasileira dependia desse sistema escravagista tão indigno do ser humano. Sabemos que sua vida católica profunda e ao mesmo tempo muito prática incomodava, a tal ponto que comentários pejorativos – tal como acontece ainda hoje quando se é autenticamente católico – sobre sua “beatice” eram muito frequentes entre os políticos da sua época. Sabemos que as suas ações beneméritas e de caridade cristã não só a levaram a abraçar essa causa abolicionista, mas também a varrer a Capela Imperial de Glória (a Igreja do Outeiro) com as mulheres escravas e a viver com constância duas das inúmeras preocupações cristãs: rezar pelo Brasil e pela conversão dos ateus.


O que sobressai nesse saber histórico e nos permite falar e agir no sentido de abrir um processo canônico de beatificação dessa primeira mulher governante do Brasil é a sua fé firme, a sua fervorosa caridade e a sua inabalável esperança cristã, que a conduziram por um caminho muito característico das pessoas que respondem à chamada, presente no sacramento do Batismo, santidade. O caminho da defesa da dignidade e dos autênticos direitos humanos, tão necessário para a construção de um país onde a justiça social e a paz entre os homens fortalecem as relações entre todas as classes sociais, não é apenas uma atitude política, mas é uma ação própria dos santos de todos os tempos e, principalmente, da nossa época moderna e pós-moderna.

A princesa Isabel, como católica, esposa, mãe e governante do Brasil, sabia muito bem que a fé, a esperança e a caridade cristãs não conduzem a um refúgio no interior das consciências ou não são para serem vividas somente entre as quatro paredes de uma igreja, mas comprometem os católicos na busca incansável de soluções para os grandes problemas sociais da época da história na qual vivem.


Foi por isso que a princesa Isabel mereceu a mais suma distinção da Igreja Católica, a Rosa de Ouro, conferida pelo Papa Leão XIII, em 28 de setembro de 1888, um prêmio que é análogo ao atual Prêmio Nobel da Paz, e até hoje foi a única personalidade brasileira a receber essa comenda, guardada no Museu de Arte Sacra do Rio de Janeiro.


Os passos que começaram a ser dados para a abertura do processo de beatificação da princesa Isabel na Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro estão perfeitamente sincronizados com as reais necessidades do nosso país, governado hoje pela segunda mulher brasileira. Ontem, como hoje, a promoção da vida dos mais marginalizados no Brasil, a defesa do “ventre livre”, onde as crianças podem desenvolver-se sem a entrada de máquinas aspiradoras e assassinas das suas vidas, a atenção social e econômica mais urgente com os “escravos do álcool, do crack, dos antivalores” que acabam com boa parte da juventude brasileira, a tolerância e o respeito pela pluralidade religiosa e a abertura ao diálogo sincero entre as diversas camadas sociais são prioridades que devem ser atendidas num esforço comum entre católicos, evangélicos, muçulmanos, judeus, seguidores das religiões africanas, enfim, por todos que têm amor pelos seus entes queridos e pelo Brasil à semelhança da princesa Isabel.


Para que no Brasil se respire a verdadeira liberdade e haja realmente unidades pacificadoras no meio das cidades espalhadas, e não em comunidades cariocas dominadas pelo tráfico de drogas, urge ter homens e mulheres, como a princesa Isabel, o frei Galvão, a irmã Dulce etc., que com suas vidas exemplares na fé, na esperança e na caridade, sejam testemunhas vivas da santidade, que não passou de moda, pois os santos continuam sendo os grandes conquistadores e construtores do mundo onde a humanidade pode habitar.


Vale a pena considerar com pausa e reflexão essa chamada feita no início do Terceiro Milênio pelo saudoso Papa João Paulo II para a hora em que estamos vivendo na Igreja.


“É hora de propor de novo a todos, com convicção, essa medida alta da vida cristã ordinária: toda a vida da comunidade eclesial e das famílias cristãs deve apontar nessa direção (...). Os caminhos da santidade são variados e apropriados à vocação de cada um” (cf. Carta Apostólica no início do Novo Milênio, beato João Paulo II, n. 31, 6.1.2001).


* Foto: Arquivo

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