Seis frigoríficos são suspeitos de adulterar carnes com soro e colágeno em Minas Gerais
Dez pessoas foram indiciadas por adulteração de produto alimentício e por formação de quadrilha
Carnes tiveram peso adulterado com mistura de líquidos à base de água REPRODUÇÃO
BELO HORIZONTE E RIO - Relatório da Polícia Federal (PF), obtido pelo GLOBO, afirma que os frigoríficos mineiros Cristalfrigo, Supremo Alimentos, GN Alimentos, Fridel, Hipercarnes e Plena Alimentos são suspeitos de aumentar o peso de diferentes cortes bovinos e suínos por meio de misturas à base de água e outras substâncias líquidas, como soro de leite e colágeno. Ao todo, dez pessoas foram indiciadas por adulteração de produto alimentício e por formação de quadrilha, entre eles o empresário Gilmar de Oliveira Costa, da GN Alimentos, irmão do senador Zezé Perrella (PDT-MG). As Forças Armadas e a Sodexo, empresa de serviços de alimentação, estariam entre as principais vítimas das adulterações. Segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), as análises realizadas nas peças indicam que a fraude é econômica. Não foram identificados riscos à saúde de quem consumiu os alimentos.
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Para injetar água e outras substâncias no interior das peças, funcionários usaram pesadas e grandes máquinas industriais, apelidadas de injetadoras. A superfície dos alimentos fica coberta de pequenos furos.
De acordo com a Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo), não há empresa de grande porte envolvida na suspeita de fraude. A maior entre as seis, a Plena Alimentos, pode ser considerada de tamanho médio por abater cerca de 500 cabeças de gado por dia. As demais são pequenos frigoríficos. O Sindicato Intermunicipal das Indústrias de Carnes e Derivados e do Frio de Minas Gerais (Sinduscarne) não soube informar o destino das carnes produzidas pelas seis empresas e nem a representatividade delas para o setor no estado.
Limitações de laboratório dificultam identificação de fraude
Em depoimento à PF, o fiscal do Mapa Clério Alves da Silva informou que existem vários processos administrativos no órgão para apurar denúncias de injeção de líquidos em peças de carnes, mas devido a limitações técnicas do Laboratório Nacional Agropecuário (Lanagro) não é possível identificar a fraude.
“Devido à recorrência de tais fraudes e à recente devolução de carnes pelo Exército brasileiro, o Ministério da Agricultura decidiu noticiar os fatos à Polícia Federal. O Exército é constantemente lesado pelas fraudes, em 90% dos casos que chegam ao conhecimento do Ministério da Agricultura, sendo certo que as empresas Hipercarnes, Cristalfrigo, GN Alimentos, Supremo e Plena vêm se revezando no fornecimento de carnes às Forças Armadas. Tais fraudes estariam sendo fomentadas devido a limitações técnicas do Lanagro, fato de conhecimento dos empresários do ramo de frigorífico”, diz trecho do depoimento que consta no relatório conclusivo da PF.
O documento faz parte da operação “Vaca Atolada”, deflagrada em junho de 2012 pela PF e concluída um ano depois. Inicialmente, a investigação foi instaurada após denuncia de que a unidade do Exército em Juiz de Fora (MG) quase foi vítima da fraude. Os militares suspeitaram de peças compradas por meio de licitação e acionaram a PF. Os seis frigoríficos também vendem para supermercados e empresas privadas, mas ainda não se sabe em quais estados.
Em 2007, a GN venceu dois pregões eletrônicos para fornecer carnes para o Ministério da Justiça. Juntos, os contratos alcançavam R$ 1,2 milhão. No ano seguinte, comercializou um carregamento de miolo de alcatra, chã de fora, filé, acém e patinho para o Comando da Aeronáutica, vinculado ao Ministério da Defesa, pela quantia de R$ 935,4 mil. Ainda em 2008, ganhou contrato de R$ 1.055.116,20 para fornecer alimentos para o Comando da Marinha, no Rio de Janeiro. Para o Exército, a GN forneceu, conforme contrato de 2009, 1.200 quilos de carne de porco por R$ 3,3 milhões.
Com o governo de Minas, a GN fez parceria para cuidar da alimentação da Fundação Hospitalar de Minas Gerais (Fhemig) no valor de R$ 3.074.607,83, em pregão realizado em 2007.
Em nota, o Mapa informou "dispor de mecanismos para fiscalizar a identidade e qualidade da carne in natura e efetuar o combate a fraudes por meio dos procedimentos de inspeção e análises laboratoriais oficiais". Confirmou, ainda, que os exames que permitiram aos peritos da PF concluir pela configuração da fraude foram realizados nas instalações do Lanagro-MG. O ministério não comentou a respeito da limitação técnica do local, mencionada por fiscal de seu quadro. No entanto, disse que, "por se tratar de um assunto dinâmico, trabalha constantemente aperfeiçoando os procedimentos de inspeção e análises laboratoriais, com vistas ao combate eficiente à fraude em alimentos".
Os seis frigoríficos foram procurados pelo GLOBO para comentar a ação da Polícia Federal. A administração do Hipercarnes negou ter participado de qualquer adulteração. De acordo com Cleber Martins Ferreira, proprietário da empresa, o frigorífico é apenas de abate e não de desossa, e seus produtos são vendidos para as capitais Belo Horizonte, Rio e São Paulo e respectivas regiões metropolitanas. A Plena Alimentos informou, por e-mail, que "não participa de licitações há muitos anos", e que seu foco é o varejo. A Supremo Alimentos também negou participação na fraude, informando, em nota, que prestou todos os esclarecimentos às autoridades e que as "infundadas insinuações" serão esclarecidas pela Justiça.
Fridel, GN e Cristalfrigo não retornaram os contatos.
A Sodexo informou que alguns dos frigoríficos suspeitos de adulteração de carnes, em Minas Gerais, faziam parte, em pequena escala, da lista de fornecedores da empresa, com atuação apenas regional.
A empresa informa ainda que "toda e qualquer negociação de compras com os fornecedores está suspensa e, internamente, todas as ações necessárias foram tomadas para evitar o fornecimento desses produtos aos seus restaurantes, de acordo com seu código de ética e padrão de qualidade."
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) informou que a produção de carne é uma área de competência e fiscalização do Mapa, mas que, havendo desdobramentos sanitários, que evidenciem riscos à saúde dos consumidores, poderá ser acionada, também pela PF ou Ministério Público, para tomar ações adicionais.
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