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segunda-feira, 9 de março de 2015

DECISÃO JUDICIAL - Advogado está proibido de protestar há dois anos


Este é o Brasil de sempre: o interesse dos poderosos capitalistas prevalecendo sobre o interesse metainvidual, coletivo, impessoal. E aqueles que se dizem magistrados estão sempre dando guarida a teses estapafúrdias esgrimidas pelos poderosos.
Se um dos lados interessado for a ICAR, então, as esperanças de ver prosperar os interesses coletivos são mínimas. Os homens de saia manipulam os juízes (e não somente eles, como aos membros do Ministério Público e colegas advogados, com raras excessões) como ridículas marionetes. É de dar engulhos ver a submissão dos "capas pretas" aos de sotaina.
A liberdade de expressão é vilipendiada de forma solerte, com argumentos inconsistentes e parcimoniosos, sem o mínimo pudor da parte de quem alega e de quem julga, principalmente.

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Ricardo Fraga está impedido pela Justiça de manifestar-se perto de uma construção e mencioná-la no Facebook ou em qualquer outro site

por Piero Locatelli — publicado 06/03/2015 04:32, última modificação 06/03/2015 18:04




Por determinação judicial, Ricardo Fraga não pode ficar a menos de um quilômetro do local da construçãoLeia também



O advogado Ricardo Fraga não pode pendurar um cartaz ou falar em um megafone a menos de um quilômetro de um prédio em construção na Vila Mariana, zona sul de São Paulo. Fraga também está proibido de escrever sobre a Construtora Mofarrej no Facebook ou em qualquer outro site. Se escrever sobre o assunto, será multado em 10 mil reais.

Há dois anos, Fraga não pode se manifestar plenamente sobre as três torres de 27 andares que sobem em uma das últimas áreas verdes da região. A primeira decisão, a pedido da construtora, foi tomada por um juiz do Tribunal de Justiça de São Paulo em 6 de março de 2013. Desde então, a proibição está mantida.

A disputa começou quando Fraga colocou uma escada em frente ao muro da construção. Dali, os moradores podiam ver as fundações do prédio que começava a ser construído. “Não fiz aquilo para barrar obra nenhuma. Queria fazer uma reflexão sobre a cidade e as consequências da verticalização nela”, lembra Fraga.

Durante quase dois anos, moradores da região revezaram-se em frente à construção. Aqueles que subiam na escada eram convidados a desenhar seu próprio ideal de cidade. Os papéis eram então pendurados em um “varal de desejos”. Com a atenção que ganhou na região, o movimento foi batizado como “O outro lado do muro”, fez uma página no Facebook e conseguiu um abaixo-assinado contra a obra, com mais de 5 mil assinaturas.

Alguns moradores mais antigos, ao subir na escada, lembraram a existência no local de um córrego, e esta área aparecia molhada mesmo em dias sem chuva. A partir de então, a campanha começou a argumentar que o prédio descumpria a legislação ambiental, já que estava sendo feita sobre o Rio Boa Vista, já canalizado. A defesa da construtora alegava a inexistência do rio.

Graças à mobilização, o alvará da obra foi suspenso duas vezes e o Ministério Público abriu um inquérito para investigar possíveis irregularidades. Pela regra do Código Florestal, haveria um limite de 30 metros para construir no entorno das águas. Pelo código de obras da cidade, seriam somente dois metros de cada lado.

Mas a mobilização teve fim em março de 2013, quando a construtora entrou com uma petição exigindo que Fraga parasse de “praticar qualquer ato que cause embaraço ao desenvolvimento e à comercialização das unidades do empreendimento”. A petição também solicitava ao juiz que determinasse que ele encerrasse o grupo “O outro lado do muro” e “não criasse qualquer novo sítio, blog, página, etc. com essa mesma finalidade”. O advogado argumentava na peça que “a conduta do réu em muito se distancia do altruísmo, sendo impulsionada por razões inconfessáveis e por suas pretensões políticas”.

O juiz concedeu uma liminar, em menos de 24 horas, acatando a petição da construtora. “Antes de conceder a liminar, o juiz poderia ao menos ter me ouvido”, diz Fraga. “Em qualquer lugar do mundo, isso (o pedido da construtora) seria motivo de chacota, um motivo de absurdo. A forma como a petição foi montada, as calúnias que ela tinha.”

Fraga também disse que não conseguiu dialogar com a construtora antes disso. “Eu entrava em contato, falava com os corretores, mas eles nunca deram retorno. A proprietária do imóvel sempre prometeu que escutaria a comunidade, mas isso nunca foi feito. A gente tentava dialogar, mas nunca me receberam”, diz o ativista.

 

Em 15 de maio, o Tribunal de Justiça decidiu manter a decisão. A única mudança foi a restrição física imposta contra Ricardo: de um quilômetro, diminuiu para um quarteirão. Quase um ano e meio depois, em setembro de 2014, o juiz de primeira instância deu sua decisão final. A restrição voltou a ser de um quilômetro.

A condenação de Fraga, diz a advogada Camila Marques da ONG Artigo 19, é inédita no Brasil. “Existem muitos precedentes no que diz respeito à censura no âmbito digital, à retirada de conteúdo. Mas o caso dele se diferencia porque é censura de protestos online", explica. A ONG ajuda a organizar um protesto que deve acontecer para lembrar os dois anos do caso na tarde da sexta-feira 5.

Liberdade de expressão


Apesar de Ricardo estar impedido de protestar, os advogados da empresa e os juízes repetem em suas peças que esta não se trata de uma questão de liberdade de expressão. “O direito de expressão do réu encontra limites no direito de propriedade e livre iniciativa da autora (a construtora)”, escreveram na petição os advogados Marcelo Terra e Danilo Magnane Santis.

Por e-mail, o atual advogado da empresa, Daniel Gustavo Magnane Sanfins, disse que "o Poder Judiciário reconheceu o manifesto abuso de direito com que se portava o senhor Ricardo Fraga Oliveira, que muito ultrapassou o direito de livre manifestação, afrontando o direito de terceiros e causando graves prejuízos à Mofarrej”. Segundo o advogado, a empresa ergueu “empreendimento absolutamente regular e que conta com todas as licenças e autorizações do Poder Público”.

Já o juiz Adilson Aparecido Rodrigues Cruz escreveu na sua decisão que “a questão dos autos não é sobre a liberdade do indevassável pensamento, pluriforme e íntimo, mas da viabilidade do exercício desse direito”.

Camila Marques diz que “o juiz deveria balancear esses dois direitos e ver se de fato a liberdade de expressão estaria impedindo o empreendimento”. Segundo ela, isso não acontecia no caso e não haveria razão para impedir a manifestação do advogado. “Ele tinha um objetivo muito maior que causar um dano, que era discutir uma questão do espaço urbano”, diz a advogada da organização que acompanha o caso.

Fraga agora aguarda o julgamento dos recursos. Primeiro, no Tribunal de Justiça e, depois, em uma corte superior. Para Camila, este é um caso que deve ajuda a mostrar a postura do País em relação à liberdade de expressão. “A questão de censura digital vem ganhando força. O Brasil tem papel-chave, na medida em que aprovou o Marco Civil, mas ao mesmo tempo a gente tem uma contradição interna como esta.”

Nos anos de espera, Fraga expandiu suas atividades de militante. Ele se candidatou ao conselho da Vila Mariana, em dezembro de 2013, quando foi o candidato mais bem colocado da região, com 268 votos. Porém, como o conselho é somente consultivo, ele não tem poder de impor ações ou novas políticas à prefeitura.

Apesar das derrotas na Justiça, Fraga já vê consequências positivas do movimento. “Logo depois surgiram novos movimentos, surgiu uma rede de novos parques em São Paulo, e estive bem ativo nesta questão do parque Augusta”, comenta o advogado, referindo-se ao movimento que pedia a criação de um parque no Centro da capital paulista. “Hoje, vendo retrospectivamente, acredito que o movimento serviu como reflexão. Em decorrência do movimento, da perplexidade com a violência que a empresa atuou, acho que o caso também teve boas consequências.”



Fonte: http://www.cartacapital.com.br/

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