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segunda-feira, 11 de maio de 2015

Comércio de escravos e ironias na história do Caribe


Havana, (Prensa Latina) 

Com nomes tão irônicos como Voltaire, Rousseau, Jesus, Esperanza, Igualdad, Amistad, navegaram em muitas ocasiões pelas águas do mar do Caribe vários dos barcos dedicados ao tráfico de escravos no século XVII. Segundo relata, nas Veias Abertas da América Latina, o escritor uruguaio Eduardo Galeano, falecido a 13 de abril, o filósofo da liberdade John Locke inclusive era acionista da célebre Real Companhia Africana ou Royal Africa Company, em inglês.

Este monopólio negreiro, cujo nome original foi Company of Royal Adventurers Trading to Africa (Sociedade Real de Aventureiros do Comércio com a África), vendia os escravos capturados na costa ocidental africanas em todas as posses da Inglaterra no Caribe.

Fontes históricas asseguram que esse empório de sua época, com sede em Londres, foi fundado pelos reis Carlos II e Jacob II nos anos posteriores à Restauração inglesa de 1660 e que também levou sua carga humana para colônias espanholas. De 1672 a 1689 chegou a traficar cerca de 100 mil escravos por ano e manteve esse fluxo aproximadamente até a exclusão formal do tráfico de escravos em 1731, quando começou a se dedicar a comerciar marfim e ouro.

As operações da Royal Africa Company só terminaram em 1752, depois de aportar ouro suficiente para a cunhagem das moedas chamadas guinés no Reino Unido e ceder posições à African Company of Merchants, Sociedade Africana de Comerciantes.

Mas isso é apenas uma passagem da história controversa em torno do tráfico de seres humanos através das águas chamadas pelos primeiros europeus a pisarem nesta parte do mundo de Mar dos Oceanos.

O tráfico de escravos ao Caribe iniciou-se de maneira formal a 12 de fevereiro de 1528 com a aprovação do rei de Espanha e os primeiros beneficiários dessa autorização foram dois comerciantes alemães, Henri Ehinger e Jérome Sayler, assegura o historiador cubano José Luciano Franco.

Ambos eram representantes dos Welser, banqueiros que dominavam as finanças da coroa espanhola junto aos Fugger, acrescenta, enquanto outros especialistas assinalam os genoveses como pioneiros do tráfico de escravos para esta região.

Fossem uns ou outros, a verdade é que aos dois grupos somaram-se com muita rapidez franceses e ingleses e acabaram com o monopólio exercido até então pelos mercadores de Portugal.

Os traficantes ingleses de escravos irromperam no cenário caribenho de 1562 a 1569, com a chegada de John Hawkins, quem inaugurou esse ciclo ao ceder aos colonos espanhóis em Santo Domingo um lote de africanos em troca de ouro, açúcar e couros.

Antecipadamente, Hawkins tinha-se erigido em um dos principais promotores do contrabando na região, com o qual era debochado o férreo monopólio comercial imposto pela Espanha aos que habitavam suas colônias.

A derrota da Invencível Armada (1588), a decadência da Casa de Áustria e a ocupação da Jamaica em 1655, abriram espaço ao tráfico de escravos no Caribe nas mãos dos britânicos.

Desde então, a Ilha Tortuga tornou-se refúgio favorito de negreiros, contrabandistas e piratas, enquanto a Company of Royal Adventures desfrutava do direito exclusivo de organizar o comércio desumano do Cabo Branco até o da Boa Esperança.

Mas os benefícios obtidos em virtude desse suposto direito, em 1661, reduziram-se sensivelmente no contexto da guerra contra os holandeses, pelo que membros da realeza inglesa criaram a Royal African Company em 1672.

Registros legados por esse monopólio pontuam que em nove anos este transportou para as colônias espanholas, sobretudo às caribenhas, aproximadamente 46.396 escravos africanos, além dos vendidos nas posses inglesas.

Algo similar ocorreu nas Antilhas Francesas, onde o governador de Saint Domingue, Du Casse, pediu que os reis católicos Luis XIV, da França, e Felipe V, da Espanha, assinassem o Tratado de Assento de 1701.

Antecipadamente, o chefe dos piratas do Rei Sol tinha sido nomeado Cavaleiro da Ordem de San Luis e promovido a almirante da frota do monarca, quem até o obsequiou com suas Memórias da arte de governar.

Sob sua inspiração, o convênio de 1701 reconheceu a Companhia de Guiné como o monopólio da introdução de mão de obra africana nas colônias espanholas no Caribe e em parte do continente.

Essa sorte de empresa capitalista de primeira geração comprometeu-se a expedir 4.800 escravos a cada ano, durante uma década, de qualquer ponto da África ocidental, para Veracruz, Cumaná, Portobelo, Havana e Cartagena de Índias.

Como via para o tráfico de sua carga humana para o continente, a Companhia da Guiné se serviu fundamentalmente das possibilidades geofísicas do istmo do Panamá até o Peru.

No entanto, a guerra travada pela sucessão do trono espanhol modificou radicalmente as correlações de força na Europa e deu a Inglaterra e a seus aliados, Portugal e Holanda, a hegemonia absoluta sobre o comércio negreiro nas ilhas caribenhas, sobretudo em Cuba. O acordo de paz assinado em Madri a 27 de março de 1713, e ratificado por um dos artigos do Tratado de Utrecht, cedeu aos ingleses o monopólio do comércio de escravos na área por 30 anos.

A South Sea Company, também londrina, concentrou grande parte das vantagens dessa licença comercial e um de seus representantes, o irlandês Richard OÂ�Farrill, proveniente da Ilha de Monserrat, assumiria a organização do tráfico da Maior das Antilhas.

Em Santiago de Cuba, segunda cidade de importância na ilha, OÂ�Farrill criou um depósito de seres humanos de onde se organizaram os reenvios de mão de obra africana para o México até inícios do século XVIII.

A desculpa para aniquilar a posição privilegiada da qual desfrutavam os traficantes ingleses se gestou no contexto do confronto entre Grã-Bretanha e Espanha, em 1740, a partir do que comerciantes cubanos e espanhóis tomaram as rédeas do negócio. Com a criação da Real Companhia de Comércio de Havana, o monopólio do comércio exterior dos territórios mais importantes da área e a responsabilidade de prover de escravos os plantadores açucareiros criollos, recaiu nos traficantes assentados em Cuba.

A grande empresa cessou suas funções em 1799 e o Real Decreto de 23 de janeiro de 1800 autorizou aos negreiros cubanos, dominicanos e portorriquenhos a comprar força de trabalho nas colônias francesas da área.

O progressivo incremento da demanda de escravos obrigou mais tarde a coroa a admitir o livre comércio de seres nas grandes Antilhas, o que se estendeu por Real Decisão a 24 de novembro de 1791 aos traficantes de Santa Fé, Buenos Aires e Caracas.

Especialistas concordam no papel primordial desempenhado pelos mercadores de escravos de Cuba no início do século XIX, mas reconhecem que junto a estes gozaram do infame negócio contrabandistas ingleses, franceses e, inclusive, estadunidenses.

Mas com o avanço da Revolução Industrial e de modernos estilos de produção na etapa pré-monopolista do capitalismo, reforçou a campanha pela exclusão do tráfico e da escravatura.

Múltiplos discursos, emanados principalmente do berço do desenvolvimento científico técnico de então, Inglaterra, misturaram reivindicações justas revestidos de romantismo para disfarçar os verdadeiros interesses econômicos dos abolicionistas.

De fato, ainda que a escravatura tenha sido abolida no Haiti e em Santo Domingo depois da primeira revolução independentista da América Latina e em 1807 proibiu-se armar navios negreiros nas colônias britânicas e introduzir escravos, o tráfico de almas continuou um ano depois.

Ao quantificar o número de africanos forçados a trabalhar nos territórios americanos e caribenhos nos três últimos séculos coloniais, os historiadores aludem a cifras que oscilam de 15 a 18 milhões de pessoas.

Só em Cuba, a Casa de Contratação de Sevilha reportou o desembarque de forma legal de 60 mil escravos de 1512 a 1763, de acordo com a expansão da indústria açucareira e do trabalho mineiro na zona oriental.

55 mil viagens dos barcos negreiros, marcados pelo horror e a insalubridade transportaram centenas de milhares de seres humanos arrancados de suas culturas e obrigados a assimilarem-se a novos contextos sociopolíticos.

O pior de tal inventário é que a cada pessoa chegada desse modo ao "Novo Mundo" morreram de cinco ou seis durante a travessia, sem que isso redundasse em remorsos entre particulares e monopólios europeus dedicados ao comércio de escravos.

*Jornalista da Redação América Central e Caribe da Prensa Latina 


rc/ism/cc

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