Estima-se que 20 milhões de pessoas visitem Veneza a cada ano. Os
restauradores alertam para o fato de que esse grande volume de
turistas, aliado à subida do nível das marés na Laguna de Veneza, esteja
ameaçando a localidade italiana como nunca.
Mas os moradores da cidade carinhosamente apelidada de Serenissima
recusam-se a desistir sem antes lutar para salvá-la. Além de grandes
projetos de engenharia, restauradores trabalham incansavelmente para
preservar os tesouros venezianos e devolver-lhes seu esplendor original.
Na Basílica de São Marcos os trabalhos de restauração tiveram início
há décadas. A principal igreja da cidade foi construída há cerca de mil
anos, no local que antes abrigava outra igreja, construída no século 9º.
No período em que Veneza dominava as trocas entre Ocidente e Oriente,
as cerimônias de coroação de seus governantes eram realizadas na
basílica. Agora, o monumento símbolo de uma outrora poderosa
cidade-Estado está em decadência.
O resgate dos mosaicos
"O principal inimigo da basílica é a água", diz Ettore Vio, arquiteto
responsável pela restauração de San Marco. "A maré alta – chamada de acqua alta pelos venezianos – invade o átrio 200 vezes por ano, mesmo que apenas um pouco. As pedras ficam cobertas de água."
O efeito sobre os principais elementos decorativas da basílica – os
mosaicos – é devastador. Oito mil metros quadrados de mosaicos,
compostos por ouro e outras pedras preciosas, cobrem os tetos, as
paredes e a fachada de San Marco. Eles datam dos séculos 11 ao 13 e
retratam cenas do Velho e do Novo Testamento e eventos da vida de santos
cristãos.
"A água que encharca a construção é salgada", explica Vio. "O sal
aumenta de volume quando cristaliza e quebra o tijolo quando se expande
dentro dele. Então, pequenos pedaços de tijolo caem o tempo todo. Se há
um mosaico sobre o tijolo, o mosaico cai também", completa. O arquiteto
coordena uma equipe de 20 restauradores – incluindo seis especialistas
em mosaico – para enfrentar os estragos causados pela água salgada e
pelo tempo.
Em uma oficina atrás da basílica, os trabalhadores debruçam-se sobre
pequenos cubos de pedra, também chamados de tésseras, que compõem os
mosaicos. Cada uma das peças é cuidadosamente disposta sobre um pedaço
de tecido, reproduzindo a maneira como estavam colocadas na igreja.
Algumas das tésseras têm cerca de mil anos de idade e todo esforço é
válido para preservá-las. Somente poucas delas são substituídas.
"O trabalho tem que ser feito da maneira menos intrusiva possível",
diz Vio. "Os mosaicos não devem ser alterados. É preciso respeitar a
antiguidade de cada mínima peça."
Para retornar a seu estado original, cada metro quadrado de mosaico
exige que dois artesãos se empenhem durante um ano. "Levamos sete anos
para restaurar o batistério, reforçando-o e limpando-o", diz um dos
artesãos. "Estamos trabalhando nesse pavimento há mais de cinco anos,
provavelmente sete. Não se pode ter pressa."
Durante as três décadas de dedicação de Vio à basílica, sua equipe
restaurou diversas cúpulas e capelas. Aos 76, o arquiteto diz que a
tarefa mais difícil foi recuperar a cripta sob o altar, que um dia
abrigou os restos mortais de São Marcos, o padroeiro de Veneza.
"Injetamos resina nas paredes para fechar todos os buracos através
dos quais a água conseguia passar e, então, consertamos as pedras",
explica Vio. "A maré avançava para dentro da cripta. Agora, depois de
dez anos de trabalho, a água não entra mais."
Cidade das águas
Restaurar
Veneza é um trabalho interminável. É preciso lutar contra o tempo e
contra as marés. Estima-se que a cidade tenha perdido 23 centímetros de
terra durante os últimos cem anos. A acqua alta inunda hoje as
partes mais antigas e mais baixas da cidade – entre elas a Praça de São
Marcos – com mais frequência do que nunca.
O Centro de Monitoramento de Marés de Veneza registra os níveis da
água, realiza previsões e fornece alertas sobre marés excepcionalmente
altas. O diretor Paolo Canestrelli conta que 2010 foi o pior dos últimos
cem anos.
"A acqua alta inundou a Praça de São Marcos mais de 200
vezes", diz. Segundo Canestrelli, em 2010, a água alcançou um nível de
110 centímetros 16 vezes, invadindo boa parte da cidade. Outras duas
vezes a maré chegou a 140 centímetros de altura, inundando toda a Serenissima.
Desde que Veneza começou a monitorar oficialmente as marés no início
do século 20, a água alcançou uma altura de mais de 110 centímetros três
ou quatro vezes por ano, em média.
"Esses dois últimos anos foram marcados por níveis mais baixos de
pressão atmosférica em praticamente toda a Europa", explica Canestrelli.
"Baixa pressão produz uma expansão dos mares e um aumento do nível
médio do mar."
Embora 2011 tenha sido melhor até o momento, Canestrelli afirma que o
nível do mar continua subindo e que a cidade segue desprotegida. As
comportas em construção nas bordas da laguna não ficarão prontas antes
de 2015 e muitos questionam se os portões serão realmente eficientes
para conter as marés.
Autor: Jean Di Marino (lpf)
Revisão: Carlos Albuquerque
Revisão: Carlos Albuquerque
Fonte: DEUTSCHE WELLE
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