Duas semanas atrás, eu estava na Polônia e com uma viagem programada para a Noruega. Eu visitava os campos de concentração de Auschwitz (Auschwitz I, Auschwitz II – Birkenau e Auschwitz III – Monowitz) quando soube dos ataques na Noruega.
Quando programei a visita à Auschwitz, pensava, sinceramente, estar estudando história. Queria aprender mais sobre o nazismo, a Segunda Guerra Mundial, o holocausto. Acontecimentos terríveis, mas que teriam ocorrido num ponto fixo do passado da humanidade. Algo a ser cultivado fortemente na memória para que jamais tornasse a ocorrer.
Enquanto eu ainda carregava uma dimensão histórica da visita, pensava que a atual crescente intolerância racial fosse uma questão de falta de memória ou de ignorância histórica. Infelizmente, essa impressão logo se desfez. Ela era ilusória demais e acabava sempre por justificar algumas condutas absolutamente inaceitáveis. Em Auschwitz, tudo permanece estranhamente intacto, como se o lugar ainda estivesse em funcionamento quando ninguém vê. Não com excesso de criatividade, é possível imaginar a rotina dos prisioneiros dali.
Mesmo aquilo que está em ruínas deixa a impressão não de algo estático, mas de fatos em movimento: uma câmara de gás e crematório destruída pelos prisioneiros em uma revolta interna em 1944; outra câmara de gás e crematório destruída pelos nazistas na tentativa de esconder os traços da crueldade; e dezenas de alojamentos de madeira que, no final da guerra, foram desmanchados pelos soviéticos para aquecer os sete mil sobreviventes libertados.
Nas covas coletivas, algumas ainda abertas, pode-se notar uma vegetação diferente, algumas irregularidades no terreno e, quando se caminha por elas, pode-se sentir a terra fofa cedendo facilmente.
Não, não pode ser uma questão de memória!
Talvez a surpresa de saber dos ataques na Noruega tenham me feito ligar assim tão fortemente o passado e o presente. Se isso não tivesse acontecido, talvez eu pudesse ter visitado Auschwitz como se visita um museu, assim como fazem um milhão de pessoas anualmente. No entanto, ainda assim algo me ficou muito claro: às vezes a dissimulação dos fatos os fazem parecer coisas bem diferentes, quando, na verdade, não são.
Brevik, o jovem atirador norueguês, não é um desmemoriado ou ignorante. Ele também não é um louco, como muitos dizem. Ao contrário, ele representa uma força política que está em constante crescimento na Europa e no mundo.
Auschwitz pode deixar de ser um museu se essas tais forças políticas de ultra-direita se institucionalizarem novamente.
Melina Duarte é mestre em filosofia alemã e francesa em universidades da França, Bélgica e Alemanha.
Fonte: CORREIO DO BRASIL
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