Sabia-se perfeitamente bem que a porcentagem de católicos romanos do Brasil estava em declínio, desde a chegada dos primeiros imigrantes alemães ao país, a partir de 1824, e desde a chegada dos primeiros missionários protestantes, a partir de 1855. A princípio, esse declínio era irrisório e quase imperceptível. O primeiro registro que aponta para essa diminuição data de 1872 e é desprezível: naquele ano os católicos eram 99,72% da população. Mas, como o nascimento de um rio, o crescente número de protestantes foi alterando o quadro muito lentamente. Em 1890, um ano depois da Proclamação da República, quando se fez a separação entre Igreja e Estado, a porcentagem de católicos ainda era altíssima (98,92%), embora menor do que 18 anos antes. Nos censos de 1940, 1960 e 1970, a porcentagem continuou a diminuir, mas nunca ficando abaixo dos 90%. No entanto, nas três últimas décadas, o número relativo de católicos romanos caiu de 91,77% em 1970 para os atuais 73,77%. A perda maior – de 10 pontos percentuais – aconteceu no período de 1990 a 2000. Em 125 anos, a Igreja Católica brasileira perdeu 26,23 pontos percentuais, não só por causa dos evangélicos, mas também devido ao crescimento dos sem-religião e de outras religiões.
Segundo o professor Antônio Flávio Pierucci, que trabalha há 30 anos no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP), “a sociologia da religião praticada no Brasil foi sempre uma sociologia do catolicismo em declínio”. Esse fenômeno é constante, persistente e inexorável, “a despeito de todos os esforços em contrário das autoridades religiosas e de uma sempre rejuvenescida militância católica”, insiste o sociólogo da religião.
Pierucci acha impossível “dissociar do pontificado de João Paulo II esse aprofundamento das perdas, essa intensificação do esboroamento numérico do catolicismo no Brasil”. Ao “frear a igreja progressista, ferir de morte a esquerda católica e sufocar a igreja popular dos anos 70”, o papa não levou vantagem alguma. O sociólogo observa ainda que Karol Wojtila aumentou o número de santos sobre os altares ao beatificar mais de 900 e canonizar quase 300 vultos da igreja, mas ajudou “a apressar a queda do número de católicos no maior país católico desta nossa barroquíssima América católica” (Folha de São Paulo, caderno Mais!, 19 de maio de 2002, p. 5).
Em que sentido é abençoado o declínio da Igreja Católica brasileira? O título deste artigo não tem nada a ver com o ranço protestante. Quem está dizendo que esse declínio foi vantajoso para os católicos são os próprios analistas católicos. E eles têm razão.
Dom Raymundo Damasceno Assis, secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), explica que antes havia uma transmissão tradicional da fé, como se ela passasse de geração em geração, o que ocorre com menos freqüência atualmente. Agora, completa o porta-voz, “estamos na fase da superação da fé tradicional por uma fé mais consciente, mais comprometida”.
O sociólogo Luís Alberto Gómez de Souza, diretor executivo do Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais (CERIS), vinculado à CNBB, entende que, à vista dos dados do último censo, “o catolicismo deixa de ser uma adesão tradicional para ser uma adesão pessoal, e o número de católicos se aproxima ao de católicos praticantes”.
Num de seus artigos no Jornal do Brasil, a teóloga católica Maria Clara Lucchetti Bingemer supõe que “aquilo que o catolicismo perdeu em quantidade ganhou em qualidade de presença e testemunho evangélico”.
O Brasil é predominantemente católico não tanto pela persuasão, não tanto pelo conhecimento da pessoa de Jesus Cristo, não tanto pela renúncia ao pecado, não tanto pela conversão, não tanto por uma decisão consciente. Daí o grande número de cristãos nominais, cristãos formais, cristãos feitos cristãos pelo batismo, cristãos sem Cristo, cristãos sem doutrina, cristãos que acreditam na reencarnação, cristãos sem Bíblia e sem oração. Esses “cristãos” não fazem a menor falta à igreja, como escreveu o arcebispo emérito do Rio de Janeiro, Dom Eugênio Araújo Sales, em 1997: “Dizem que são 122 milhões de católicos batizados no Brasil. Se saísse a metade, a Igreja não ficaria prejudicada”.
Grosso modo, o Brasil não foi evangelizado pelos missionários católicos que para cá vieram a partir da segunda metade do século 16. Na verdade, o que eles fizeram foi um trabalho de cristianização, que é muito diferente de evangelização. Todo mundo era batizado: os escravos nos portos e nas senzalas, os indígenas nas aldeias e os brancos nas cidades. Foi assim que se formou a maior nação católica do mundo.
O censo de 2000 é mais um forte empurrão para valorizarmos mais a autenticidade do que os números. O recado não é só para os católicos, mas também para os evangélicos que querem crescer de qualquer jeito, anunciando mais os benefícios do que as obrigações do evangelho, o que Jesus nem os apóstolos nunca fizeram.
Fonte: http://www.ultimato.com.br/
Segundo o professor Antônio Flávio Pierucci, que trabalha há 30 anos no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP), “a sociologia da religião praticada no Brasil foi sempre uma sociologia do catolicismo em declínio”. Esse fenômeno é constante, persistente e inexorável, “a despeito de todos os esforços em contrário das autoridades religiosas e de uma sempre rejuvenescida militância católica”, insiste o sociólogo da religião.
Pierucci acha impossível “dissociar do pontificado de João Paulo II esse aprofundamento das perdas, essa intensificação do esboroamento numérico do catolicismo no Brasil”. Ao “frear a igreja progressista, ferir de morte a esquerda católica e sufocar a igreja popular dos anos 70”, o papa não levou vantagem alguma. O sociólogo observa ainda que Karol Wojtila aumentou o número de santos sobre os altares ao beatificar mais de 900 e canonizar quase 300 vultos da igreja, mas ajudou “a apressar a queda do número de católicos no maior país católico desta nossa barroquíssima América católica” (Folha de São Paulo, caderno Mais!, 19 de maio de 2002, p. 5).
Em que sentido é abençoado o declínio da Igreja Católica brasileira? O título deste artigo não tem nada a ver com o ranço protestante. Quem está dizendo que esse declínio foi vantajoso para os católicos são os próprios analistas católicos. E eles têm razão.
Dom Raymundo Damasceno Assis, secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), explica que antes havia uma transmissão tradicional da fé, como se ela passasse de geração em geração, o que ocorre com menos freqüência atualmente. Agora, completa o porta-voz, “estamos na fase da superação da fé tradicional por uma fé mais consciente, mais comprometida”.
O sociólogo Luís Alberto Gómez de Souza, diretor executivo do Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais (CERIS), vinculado à CNBB, entende que, à vista dos dados do último censo, “o catolicismo deixa de ser uma adesão tradicional para ser uma adesão pessoal, e o número de católicos se aproxima ao de católicos praticantes”.
Num de seus artigos no Jornal do Brasil, a teóloga católica Maria Clara Lucchetti Bingemer supõe que “aquilo que o catolicismo perdeu em quantidade ganhou em qualidade de presença e testemunho evangélico”.
O Brasil é predominantemente católico não tanto pela persuasão, não tanto pelo conhecimento da pessoa de Jesus Cristo, não tanto pela renúncia ao pecado, não tanto pela conversão, não tanto por uma decisão consciente. Daí o grande número de cristãos nominais, cristãos formais, cristãos feitos cristãos pelo batismo, cristãos sem Cristo, cristãos sem doutrina, cristãos que acreditam na reencarnação, cristãos sem Bíblia e sem oração. Esses “cristãos” não fazem a menor falta à igreja, como escreveu o arcebispo emérito do Rio de Janeiro, Dom Eugênio Araújo Sales, em 1997: “Dizem que são 122 milhões de católicos batizados no Brasil. Se saísse a metade, a Igreja não ficaria prejudicada”.
Grosso modo, o Brasil não foi evangelizado pelos missionários católicos que para cá vieram a partir da segunda metade do século 16. Na verdade, o que eles fizeram foi um trabalho de cristianização, que é muito diferente de evangelização. Todo mundo era batizado: os escravos nos portos e nas senzalas, os indígenas nas aldeias e os brancos nas cidades. Foi assim que se formou a maior nação católica do mundo.
O censo de 2000 é mais um forte empurrão para valorizarmos mais a autenticidade do que os números. O recado não é só para os católicos, mas também para os evangélicos que querem crescer de qualquer jeito, anunciando mais os benefícios do que as obrigações do evangelho, o que Jesus nem os apóstolos nunca fizeram.
Fonte: http://www.ultimato.com.br/
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