Obra é considerada uma das expressões mais influentes do racionalismo clássico
As “Meditações sobre a Filosofia Primeira” constituem uma obra filosófica de René Descartes, publicada pela primeira vez em latim em 10 de novembro de 1641 com seis séries de “Objeções e Respostas” nas quais seriam demonstradas a existência de Deus e a imortalidade da alma. Do ponto de vista da história da filosofia, é uma das expressões mais influentes do racionalismo clássico.
O título original indica que a obra foi em parte escrita como uma crítica da filosofia primeira ensinada então nas universidades, mas também para propor outra em seu lugar.
Nessas Meditações, Descartes sustenta que a despeito dos argumentos céticos contra a verdade e a certeza existem os conhecimentos legítimos.
Só se podem compreender as Meditações conhecendo seu contexto histórico. Em junho de 1633, Galileu é condenado pela Inquisição por sua obra ‘Dialogo sopra i due massimi sistemi del mondo’ em que estabelece um diálogo entre um aristotélico, partidário do geocentrismo, e um home, defensor do heliocentrismo.
Por volta de novembro deste ano, Descartes é informado da condenação de Galileu e recebe em 1634, de seu amigo Beeckman, um exemplar do Diálogo. Submetendo-se às autoridades eclesiásticas, renuncia a publicar seu “Tratado do Mundo e da Luz” em que defende a tese do heliocentrismo. Publica, no entanto, em 1637, três extratos do “Tratado”: “A Dióptrica”; “Os Meteoros” e “A Geometria”, acompanhados de um prefácio, o célebre “Discurso sobre o Método”.
Descartes considerava que a metafísica descrita pela escolástica a partir da filosofia primeira de Aristóteles, segundo a qual a Terra está no centro do Universo, não era mais válida.
O uso do termo “meditação”, pouco corrente na filosofia, não foi ao acaso: tratava-se de uma introspecção, de narrar o caminho de uma reflexão antes de um conjunto de raciocínios dedutivos.
O objetivo dessa reflexão é encontrar fundamentos sólidos ao conhecimento. A primeira etapa consiste em rejeitar tudo o que é duvidoso. A consequência é que tudo será duvidoso com exceção de mim, como sujeito pensante, portanto existente – o famoso “cogito ergo sum” (penso, logo existo). Segue-se a reconstrução do conhecimento com base na certeza e se descobrirá como primeira certeza a nossa própria existência, depois aquela de Deus, as essências e, por fim, as existências.
A obra, conduzida na primeira pessoa, divide-se em seis etapas ou meditações, cada qual dedicada ao tratamento de um conjunto específico de problemas.
Descartes se interroga sobre a natureza da alma e sua imortalidade, propõe novas demonstrações da existência de Deus e se esforça por determinar a essência comum dos objetos materiais. Todavia, traz à tona novos problemas. Dá amplo espaço ao racionalismo dedutivo, de inspiração matemática, que teorizaram o “Discurso sobre o Método”. Desde as primeiras páginas tem por meta a determinação dos fundamentos sobre os quais deve repousar o edifício dos conhecimentos, em particular dos científicos. O sujeito pensante que empreende o caminho da dúvida cartesiana é levado a descobrir em si mesmo, por suas próprias forças, o fundamento de toda a verdade.
Meditação primeira: Das coisas que se pode pôr em dúvida. Trata-se de rejeitar tudo o que é duvidoso. Descartes ressalta que muitas de suas certezas lhe vinham da infância, idade em que a razão ainda está em formação. Descartes exige um conhecimento preciso e não ideias vagas e preconceitos. Por meio de seguidos argumentos estreita o campo do que é cognoscível. A primeira parte dos argumentos é chamada de “dúvida natural”; a segunda parte, “dúvida hiperbólica”, estendida exageradamente a tudo.
Meditação segunda: Da natureza do espírito humano. Descartes busca encontrar um ponto “fixo e seguro” para abandonar a dúvida. Pretende encontrar uma certeza, resultado da dúvida, de onde advém a metáfora da “noyade” (naufrágio). Recapitula o conjunto de suas dúvidas a e as causas, que são três: o conjunto dos corpos que me são exteriores; meus sentidos são enganadores; suspeita de meu próprio corpo.
Meditação terceira: a certeza da existência de Deus. Pude formar qualquer pensamento a partir de distintas ideias, inclusive as obscuras e confusas. Mas a ideia do infinito é clara e distinta. É preciso que ela possua uma realidade objetiva. Ora a ideia do infinito possui uma realidade objetiva superior à realidade formal, ou seja, não posso produzir uma ideia cuja realidade objetiva – o infinito, a perfeição, Deus - ultrapasse minha condição, que é a de ser finita. A presença desta ideia se explica: somente um ser efetivamente infinito (causa) pode produzir esta ideia (efeito). Somente Deus colocou em mim essa ideia. Ora, Deus tem todas as perfeições e não poderia querer enganar-me.(*)
Meditação quarta: do verdadeiro e do falso. Tendo provado, fora de qualquer dúvida, que Deus existe, Descartes empreende uma quarta meditação na óptica de mostrar a origem dos erros. Tendo como indubitável a bondade de Deus, por que conceberia o homem de tal maneira que ele possa se enganar? A imperfeição humana pode ser necessária à perfeição do mundo e com isto temos os traços da perfeição divina. Descartes vê na amplitude da vontade - poder escolher, negar ou afirmar qualquer coisa – uma liberdade de escolha sem equívocos, tudo a confirmar nossas origens divinas. Não obstante, vê nessa mesma amplitude de vontade a fonte mesma do erro humano, que se depara inevitavelmente com nosso entendimento limitado.
Meditação quinta: da essência das coisas materiais. Tenho um critério de verdade: o fato de uma ideia ser clara e distinta. Estou certo da fiabilidade e da permanência desse critério: Deus existe e Ele é veraz. Trata-se agora de produzir conhecimentos. Vimos que as essências, ou seja, as ideias são mais fáceis de conhecer que as existências, ou seja, as coisas materiais.
Meditação sexta: da existência das coisas materiais e a real distinção entre a alma e o corpo dos homens.
As coisas materiais ocupam um determinado espaço, portanto, são mensuráveis: profundidade, duração, figura, movimento. Essas diversas características constituem a forma das ideias materiais. Dispomos, portanto, de elementos mensuráveis das essências das coisas materiais, o que nos permite exercer uma ciência física-matemática a priori.
Descartes distingue a alma do corpo. Ideias e as coisas materiais são coisas distintas, meu corpo é uma coisa material, e meu espírito recolhe os pensamentos: substância pensante (a alma) e substância estendida (o corpo).
Descartes coroa suas Meditações com a finitude e a debilidade de nossos conhecimentos. O mundo jamais é finito, está sempre em construção. Pode-se falar de desenvolvimento indefinido de nossos conhecimentos sobre o mundo.
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(*) Vivendo na mesma época em que a Inquisição católica atuava ferozmente contra a liberdade de pensamento e expressão, censurando e queimando livros, inclusive, as supostas conclusões do filósofo sobre a existência de deus são altamente duvidosas. Se ele negasse a existência de deus seria fatalmente assassinado, seja pela Igreja e sua criatura, o Estado, seja por qualquer fanático, com a cabeça feita pelos clérigos, pois não faltam otários que se coloquem a serviço dos poderosos, de forma submissa e abjeta, para cometer qualquer tipo de atrocidade que lhes inculquem nos miolos moles.
Se ele primava por rejeitar tudo que é duvidoso, nada mais coerente que rejeitasse as afirmações graciosas dos religiosos sobre a existência de deus. Não o fez por medo, posição perfeitamente compreensível, ante a postura hostil da Igreja (e dos seus asseclas encastelados no poder civil) contra os que ousassem dissentir dos seus dogmas.
Se ele primava por rejeitar tudo que é duvidoso, nada mais coerente que rejeitasse as afirmações graciosas dos religiosos sobre a existência de deus. Não o fez por medo, posição perfeitamente compreensível, ante a postura hostil da Igreja (e dos seus asseclas encastelados no poder civil) contra os que ousassem dissentir dos seus dogmas.
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