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terça-feira, 5 de maio de 2015

EUA: agentes policiais aplicam brutalidade física e recusam atendimento médico a gestantes na prisão




Elvert Barnes / Flickr CC

Em muitas penitenciárias no país, mulheres grávidas estão sujeitas a práticas como o uso de algemas durante o parto e a recusa de alimentos, roupas e cuidados médicos; 'elas são vistas como merecedoras deste tipo de violência', diz advogada


Por Victoria Law,

De Nova York (EUA)

Enquanto apelos pelo fim da violência policial se alastravam pelos Estados Unidos após o assassinato de Michael Brown em agosto de 2014, em setembro do mesmo ano a polícia de Nova York demonstrou que a gravidez não é uma forma de proteção contra a brutalidade. Sandra Amezquita estava grávida de cinco meses quando os policiais a jogaram, de barriga para baixo, no chão. Um policial subiu sobre seu corpo, adicionando seu peso à pressão, antes de algemá-la e prendê-la. Seu crime? Tentar impedi-los de agredir seu filho de 17 anos, que havia sido preso no ano anterior por roubo.

Um membro da organização comunitária El Grito De Sunset Park, no bairro do Brooklyn, gravou o ocorrido e publicou o vídeo na internet. As imagens


causaram indignação e protestos na região, chamando atenção para o fato de que mulheres, mesmo as que estão visivelmente grávidas, não estão imunes à violência policial.

Para gestantes, a violência policial não se limita à brutalidade física. A polícia e outros agentes de segurança frequentemente sujeitam mulheres grávidas a outras formas de violência, menos visíveis. Por exemplo, em muitas penitenciárias e cadeias nos EUA, gestantes estão sujeitas a práticas inumanas, como o uso de algemas e a recusa de alimentos, roupas e cuidados médicos. No entanto, em muitos estados norte-americanos, se uma mulher sujeitar a si mesma e seu feto a tais práticas, ela corre o risco de ser indiciada e presa.

Tanto a criminalização da gravidez quanto as prisões de gestantes constituem uma forma própria de violência policial, frequentemente ignorada por boa parte dos maiores movimentos organizados contra a violência policial no país, mais proeminentes após as mortes de Michael Brown, Eric Garner e Tamir Rice. Contudo, elas certamente não são menos brutais do que a violência contra a qual se está protestando nas ruas dos EUA.

Em 2008, Juana Villegas estava com nove meses de gravidez quando a polícia do Tennessee pediu sua carteira de motorista durante uma blitz. Villegas, que é estrangeira e estava em situação irregular nos EUA, não pôde apresentar o documento. A polícia a levou até a penitenciária do condado de Davidson, em Nashville, onde as autoridades descobriram sua situação imigratória e a mantiveram presa por violar leis federais de imigração. Após três dias, Villegas entrou em trabalho de parto. Os policiais algemaram suas mãos e seus pés antes de levá-la ao hospital. Durante o parto, as algemas foram soltas, mas ela foi imediatamente algemada ao leito do hospital após dar à luz.

O uso de algemas é apenas uma das formas de violência da polícia contra gestantes. "A combinação entre gravidez e longos períodos de cárcere antes do julgamento pode ser muito perigosa", diz Diana Claitor, diretora-executiva do Texas Jail Project, organização que defende a melhoria das condições nas 247 prisões do estado.

Ela cita o caso de Nicole Guerrero, que estava grávida de cinco meses quando foi encarcerada na penitenciária de Wichita por violar a liberdade condicional. Após nove dias, ela notou um sangramento e a saída de outros fluidos corporais de sua vagina, e começou a sentir contrações. A enfermeira que a examinou no ambulatório da prisão disse que ela estava bem e que deveria voltar à cela, onde seus pedidos de socorro foram ignorados por horas. Às 3:30 da manhã, Guerrero foi levada a outra cela, onde deu à luz no chão. O bebê morreu.

"Quando ouvimos falar de casos assim, percebemos que isto é apenas a ponta do iceberg", diz Claitor, afirmando que a experiência de Guerrero não é incomum. Em 2014, Jessica De Samito, uma veterana da Marinha de 30 anos, foi presa, também por violar a liberdade condicional. Ela estava grávida de 24 semanas e era mantida em uma terapia para a recuperação de dependentes químicos à base de metadona. O descontinuamento súbito da metadona é medicamente contraindicado e, no caso de mulheres grávidas, pode causar aborto espontâneo. A ONU classifica a recusa de metadona como uma forma de tratamento cruel e degradante. No entanto, a penitenciária de Guadalupe, também no Texas, não oferecia metadona, o que levou Samito a procurar o auxílio das Defensoras Nacionais de Mulheres Grávidas (NAPW, na sigla em inglês), uma organização que defende os direitos de gestantes e mães nos EUA.

A NAPW interveio na justiça em favor da veterana, declarando que a recusa de tratamento equivaleria a uma violação dos direitos constitucionais de Samito. A NAPW pediu auxílio ao RH Reality Check, site norte-americano que cobre notícias sobre direitos humanos, que conseguiu 5.000 assinaturas em uma petição online e deu início a uma campanha nas mídias sociais chamada #JusticeforJessica. "As pessoas começaram a ligar para a penitenciária", disse Kylee Sunderlin, membro da NAPW. A pressão pública funcionou, após dois dias "transpirando muito", "doente" e "incrivelmente amedrontada", Samito recebeu meia dose de metadona. Alguns dias mais tarde, a comissão de indultos anunciou que ela seria liberada.

Algemas e recusa de tratamento médico são alguns dos problemas que detentas grávidas enfrentam. Este também foi o caso de Tina Tinen, que aos 41 anos já tinha passado por uma gravidez ectópica e havia sido avisada de que talvez nunca tivesse uma gravidez bem-sucedida quando chegou à prisão de Rikers Island. Ela não se lembra de ter recebido quaisquer cuidados médicos, quanto menos um exame para averiguar se sua gravidez era ectópica.

"Toda tarde, por volta do mesmo horário, eu tinha cólicas e sangrava um pouco", conta Tinen. Ela tentou ver o médico, mas lembra de ter desistido após esperar durante horas. Após três dias, ela perguntou a outras detentas, algumas das quais já tinham estado grávidas antes, sobre as cólicas. "Elas me disseram que eu devia falar com o médico, porque poderia estar tendo um aborto espontâneo.” As mulheres chamaram uma carcereira e insistiram que ela levasse Tinen à unidade médica. Ao chegar, a equipe médica pediu que ela tirasse as roupas. Quando tirou, uma gota de sangue caiu no chão. "Eles fizeram uma cara de: 'Merda! Esta aqui está quase morrendo!'", lembra-se Tinen.

Quando a equipe médica não conseguiu identificar os batimentos cardíacos do feto, enviaram-na para um hospital. Ela foi algemada. "As algemas doem muito", disse. "Meus tornozelos são muito finos e as algemas os machucavam muito, mas não me permitiram usar dois pares de meia". No hospital, ela se lembra de que os policiais se irritaram porque ela estava caminhando devagar. A equipe médica localizou o batimento cardíaco do feto e explicou a Tinen que ela precisava se deitar, descansar e só levantar se fosse absolutamente necessário. Ela não recebeu nenhum tipo de acompanhamento médico ao voltar à prisão.

Nos EUA, leis que criminalizam a gravidez aumentaram o número de mulheres forçadas a aguentar condições desumanizantes, violentas e que, muitas vezes, colocam a própria gravidez e a saúde da gestante em risco. Foi o caso de Tamara Loertscher em sua primeira gravidez. Em 2014, desempregada e sem plano de saúde, ela foi até uma clínica médica no Wisconsin. Ela disse à equipe médica que já havia usado metanfetamina e maconha no passado, mas que havia parado de usar quando começou a suspeitar que estava grávida. Um exame de urina confirmou tanto que estava grávida quanto que havia usado drogas anteriormente. A equipe médica compartilhou estas informações com as assistentes sociais do hospital.

O estado deu início a um processo contra Loertscher secretamente, inclusive indicando um advogado para seu feto, mas não para ela, e ordenou que ela fizesse um tratamento para dependentes químicos. Quando Loertscher se recusou, foi presa sob a “Lei das Mães Cocainômanas” do Wisconsin. A lei, aprovada em 1997, permite que o estado detenha, prenda, encarcere e force a cumprir com um tratamento mulheres grávidas acusadas de usar álcool ou drogas.

Por se recusar a fazer um teste de gravidez na cadeia, Loertscher foi colocada na solitária, onde passou quase 24 horas em uma pequena cela totalmente privada de contato humano. A cela era composta pela estrutura de metal de uma cama sem colchão ou cobertores. Ela não recebeu nenhuma comida adicional. Ela passou 36 horas isolada antes de ser colocada em uma unidade com outras mulheres. De acordo com Sara Ainsworth, diretora de advocacia do NAPW, um guarda ameaçou usar uma arma de eletrochoque contra Loertscher, e só não o fez porque outros funcionários da penitenciária o impediram.

Além disso, ela não recebeu seus medicamentos para hipotireoidismo durante os primeiros dias de encarceramento, o que aumenta o risco de um aborto espontâneo. Ela também sentiu cólicas e pediu para ser examinada por um ginecologista ou obstetra. A prisão não permitiu. Após 18 dias, Loertscher foi liberada sob a condição de que se submetesse a exames semanais pagos por ela própria e de que se sujeitasse ao monitoramento do conselho tutelar. O monitoramento incluía visitas aleatórias não anunciadas à sua residência, bem como acesso a todos os seus registros médicos.

Mas o caso de Loertscher não é nenhuma anomalia nos EUA. De acordo com Ainsworth, que foi sua advogada, a NAPW é noticiada de casos similares em todo o país. Quantificá-los é quase impossível. "Os processos correm em segredo porque quem lida com eles é o conselho tutelar. Não é possível saber com que frequência ou quantas vezes essas coisas acontecem, a menos que as próprias mulheres se manifestem", diz. No entanto, ela observa que o aumento do monitoramento e dos processos não acontece igualmente com todas as mulheres – o fardo tende a cair sobre mulheres negras e mulheres brancas de classe baixa, como Loertscher. "Não vemos isso ocorrer com mulheres brancas de classe média", disse.

Se qualquer outra pessoa que não fosse um agente do governo agisse dessa maneira – restringindo fisicamente, recusando atendimento médico e não dando alimento ou comida – com Loertscher ou Venegas, correria o risco de sofrer um processo. Em 38 estados dos EUA, a violência que leva à perda da gravidez é classificada de homicídio fetal.

Indiana é um desses estados. Mas o homicídio fetal não está limitado a pessoas que infligem danos a mulheres grávidas. As próprias mulheres também podem ser consideradas criminalmente responsáveis se suas ações resultarem em aborto, morte do bebê no parto ou morte posterior da criança. Em 2011, Bei Bei Shuai estava grávida de 33 semanas quando seu namorado lhe disse que era casado e a deixou. Desolada, Shuai tentou cometer suicídio ingerindo veneno de rato. Seus amigos a encontraram e a levaram ao hospital. O feto morreu três dias mais tarde, o que fez com que Shuai fosse acusada de homicídio e tentativa de feticídio. Ela ficou presa sem direito a fiança por um ano. Seu caso atraiu muita atenção midiática.

"A prevalência de pensamentos suicidas durante a gravidez é relativamente alta e, nos EUA, o suicídio é a quinta principal causa de morte entre gestantes", escreveram as médicas Vivien K. Burt e Margaret Spinelli e a professora Michelle Oberman em um manifesto em defesa de Shuai. "A abordagem punitiva à doença mental perinatal é problemática", continuam. "Decisões sobre o tratamento de doenças mentais durante o período perinatal são desafiadoras tanto para clínicos, quanto para pacientes. A legislação criminal não tem espaço aqui".

Por fim, Shuai foi considerada culpada de acusações menores e foi sentenciada a 178 dias na cadeia, que foram descontados entre os 89 já passados na prisão e 89 por “bom comportamento”. Mas Shaui tem hoje uma condenação em sua ficha e paga os custos da prisão domiciliar.

Parvi Patel não teve tanta sorte. Em 2013, Patel chegou à sala de emergência sangrando após um aparente aborto espontâneo. Ela disse à equipe do hospital que havia sofrido um aborto, mas que havia jogado no lixo os restos fetais. A equipe entrou em contato com a polícia e Patel foi acusada de negligenciar um dependente por dar à luz e abandonar o recém-nascido. O promotor também a acusou, contraditoriamente, de feticídio, por supostamente "terminar sua gravidez conscientemente, ingerindo medicamentos".

A origem hindu de Patel, uma tradição em que o sexo antes do casamento é inaceitável, bem como suas mensagens de texto, nas quais expressava ambivalência em relação à gravidez, tornaram-se parte da investigação e do subsequente julgamento. O próprio toxicologista da acusação admitiu não ter encontrado evidência de substâncias abortivas nos exames de Patel. Ainda assim, o júri a considerou culpada de ambas as acusações. Ela foi sentenciada a 41 anos de cadeia.

Mas quais são as consequências quando a polícia ou outros agentes do Estado mantêm uma mulher grávida sob as mesmas condições? Se Patel tivesse sofrido um aborto sob custódia da polícia, eles seriam indiciados?

"É claro que não", responde Ainsworth. Ela atenta para os muitos processos iniciados por mulheres que vivenciaram uma gravidez – e a perda dela – atrás das grades. "Nunca houve a condenação de um membro da equipe penitenciária. Pode até haver alguma responsabilização civil, mas o sistema judiciário criminal não responde por este tipo de privação".

"É muito difícil [responsabilizar as penitenciárias]", concorda Claitor. "Para atender os padrões legais de negligência médica, você precisa provar que a negligência causou diretamente a morte". Além disso, ela observa para obter sucesso em um processo como esses a mulher teria de contar com um bom escritório de advocacia, o que exigiria dinheiro. Levando-se em conta que boa parte das mulheres são mantidas na prisão porque não podem sequer pagar uma fiança relativamente pequena, isto pode ser quase impossível. Em contraste, os governos locais têm vários recursos e proteção contra as alegações de má conduta.

"O Estado não vai impor sanções sobre seus próprios agentes", observou Ainsworth. "A violência policial tradicional também é permitida nestas circunstâncias. Mulheres grávidas são vistas como merecedoras deste tipo de violência. As mulheres são detidas de maneira brutal, algemadas, colocadas na solitária e ameaçadas com violência". Mas, complementa ela, as prisões podem levar a certo tipo de violência que, embora menos visível, não é menos danosa. "A coerção para que a mulher interrompa a gravidez ou para que desista de sua privacidade médica por causa do risco de ter seu bebê tirado de si basicamente a obriga a cooperar com algo com o que ela não concorda. Você pode chamar isso de violência policial ou violência médica, ou mesmo de ambas as coisas".

Mas algumas das mulheres que experimentaram este tipo de violência estão determinadas a responsabilizar os agentes e o governo por suas ações. No Texas, Nicole Guerrero abriu um processo contra o Condado de Wichita, seu xerife, o prestador de serviços de saúde e a enfermeira que ignorou suas preocupações quanto à morte de seu bebê. De modo similar, a NAPW continua envolvida no recurso de Parvi Patel e já abriu um processo em nome de Tamara Loertscher, contra a Lei da Mãe Cocainômana no estado de Wisconsin. "Esta lei demonstra porque não deve haver espaço para ações coercivas e punitivas por parte do Estado na provisão de cuidados de saúde pré-natal", afirma Ainsworth.

Tradução: Henrique Mendes

Matéria original publicada no Truthout, site estadunidense que cobre política, economia, meio ambiente e direitos humanos.

Matéria retirada do site da Revista SAMUEL

Fonte: http://www.brasildefato.com.br/

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