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segunda-feira, 27 de outubro de 2014

TEMPOS DE INQUISIÇÃO - A delação premiada produz distorções de natureza moral e ética

Volto a recomendar a leitura de CECÍLIA MEIRELLES - Romanceiro da Inconfidência, onde a figura da delação é muito presente. Joaquim Silvério dos Reis foi o abominável delator, por motivos pessoais (devia um valor considerável aos cofres de Portugal e procurou trocar a dívida pela alcaguetagem). Os versos da judia Cecília Meirelles são impagáveis. Eta mulher brilhante. Vale a pena ler a obra mencionada,  ante a atualidade do tema, sobretudo.



A delação premiada produz distorções de natureza moral e ética.

Importada do direito alienígena, mais precisamente da Itália, na década de 1970, açula o presumidamente inocente a desvestir-se das garantias inerentes à dignidade da pessoa humana.

Não nasci na Idade Média, em que, durante a Inquisição, a confissão, por meio da tortura, era laureada.

Não nasci na Itália, terra de boa gente, comida e vinho, mas com distinções evidentes do Brasil.

Não nasci em solo norte-americano, felizmente, onde o resultado das apurações, em mais de 80% dos pretensos delitos, se dirime por plea bargaining.

Nasci nas ruas da “cidade maravilhosa”, nas quais vigorava e vigora o código da ética, da moral, da razoabilidade, da proporcionalidade. Quem o burlasse e apontasse o dedo indicador para o outro saía da turma. No colégio, isto se solucionava no muque.

Esta revista publicou na última semana, sob o título “Direito Suprimido: Exigir desistência de HC para delação premiada é inversão de valores”, a petição de desistência de ação constitucional manejada em favor de novo delator geral da República, em rumoroso processo que corre em Curitiba. Nela, Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, adverte “que qualquer tipo de exigência que signifique a supressão de garantias fundamentais inequivocamente atenta contra o Estado democrático de direito”, tudo a constituir “singular inversão de valores constitucionais”.

Inversão de valores é pouco.

A quadra por que passamos merece reflexão.

Estão a animar algo perverso e pervertido não no Direito, mas na sociedade. Algo que nos ensinaram, e ensinamos aos nossos filhos, a não fazer. Deseducar é muito mais sério do que um processo criminal!

Os processos passam, as pessoas passam, porém, certos primados, que perpassam gerações, não podem ser perdidos; e estão, à fórceps da moralidade, da dita moralidade, travestida de "Santinha" do General Dutra, fazendo-nos perder.

Pensemos nos nossos filhos, não no Direito. Prefiro um filho meu pecando a alcaguete. A palavra é tão feia que não consigo repeti-la. Enquanto “saudade” encanta, por ser única, “alcaguete” deprime.

O mundo da tortura física e psicológica, da prevaricação judicial, policial e ministerial pública — como brada Nelio Machado, impingido a deixar a mesma causa por não transigir com tamanha afronta a valores inquebrantáveis —, não é o nosso mundo.

O universo do dedo-duro, igualmente, não é o nosso universo.

A delação premiada, com todo respeito a opiniões diversas, não é um mal necessário. Muito pelo contrário: ela retrata, em tintas fortes, a tibieza do estado-investigador e do estado-acusador.

Pode-se dizer que quem confessa o cometimento de um ilícito já vulneraria a ética e a moral idealizadas pelo senso comum; mas que expie sua culpa com hombridade, mirando seus erros.

Seguramente, não colheremos o fruto do avanço cultural, tão desejado, pelo estímulo à caguetagem. O farol que deve servir de norte à nova geração não pode ser o do denuncismo, sob pena de recrudescimento, sob pena de resgatarmos nos livros de História os tempos da Inquisição.

Renato de Moraes é advogado criminalista e diretor do Instituto dos Advogados Brasileiros.


Revista Consultor Jurídico, 29 de setembro de 2014

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