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sexta-feira, 24 de abril de 2015

Mineradoras e igrejas: uma parceria contraditória e prejudicial às comunidades




"As campanhas publicitárias das mineradoras fazem cada vez mais referência aos valores, às culturas e explicitamente à religião, porque não conseguem mais explicar o motivo de ritmos tão intensos e vorazes de extração e de agressão à natureza”, diz missionário comboniano.

24/04/2015


"As empresas mineradoras, além de tentarem mostrar que suas atividades extrativas são sustentáveis e que seus lucros contribuem para proteger a natureza, agora estão tentando influenciar também a sensibilidade religiosa e ética das pessoas e comunidades que podem chegar a criticar suas operações”, adverte Dário Bossi, em entrevista concedida à IHU On-Line por e-mail. 
Foto: Reprodução


Segundo ele, recentemente, assessores e executivos das mineradoras Anglo American, Rio Tinto, Newmont Mining, o presidente do International Council of Mining and Metals - ICMM,The Kellog Innovation Network, Christian Aid e representantes das igrejas anglicana, católica e metodista sugeriram ao Vaticano que missionários e religiosos assistam "seminários teológicos das diversas partes do mundo para equiparem melhor os pastores e os líderes da igreja para servir as comunidades afetadas pelos projetos mineiros”. Ele explica ainda que as mineradoras envolvidas propõem que "igrejas pensem teológica, ética e liturgicamente sobre a mineração, em nível local e internacional”. 

Contrário à possível parceria, padre Dário Bossi lembra que a "Igreja tem manifestado com progressiva lucidez seus posicionamentos críticos frente aos interesses especulativos da mineração” e tem "acompanhado os protestos, as denúncias e reivindicações das comunidades”. Para ele, a iniciativa das empreiteiras consiste numa tentativa de aproximação para "insistir sobre a importância do diálogo na ética cristã, para a resolução dos conflitos”, uma vez que, "não sendo fácil nem conveniente opor-se à Igreja, as empresas estão tentando aproximá-la”. 

O grupo Iglesias y Minería [Igreja e Mineração] é uma rede latino-americana de comunidades cristãs, religiosas e religiosos que, com o apoio de diversos bispos, da Rede Eclesial Pan-Amazônica- Repam, do Departamento Justiça e Paz da Conferência Episcopal Latino-Americana - Celam e do Conselho Latino-Americano de Igrejas - Clai, articula-se há dois anos para fazer frente aos impactos da mineração. 

Dário Bossi, padre comboniano, é membro da rede Justiça nos Trilhos e da Rede Brasileira de Justiça Ambiental. 

Confira a e entrevista. 

IHU On-Line: Segundo o grupo Iglesias y Minería, altos executivos e acionistas de diversas companhias mineiras solicitaram uma jornada de "retiro” no Vaticano, em outubro de 2013, e em um dia de reflexão em Canterbury, em encontro da Igreja Anglicana, em outubro de 2014. Quais as razões desses pedidos? Os encontros aconteceram?

Dário Bossi: Sim, os encontros aconteceram, mesmo não sendo muito divulgados. Foi um pedido das maiores empresas de mineração do mundo, às quais o Pontifício Conselho Justiça e Paz do Vaticano respondeu, sabiamente, concedendo um encontro de debate, reservado e com algumas condições, para evitar que se tornasse mais uma oportunidade de propaganda das empresas. 

Nós, do grupo Iglesias y Minería, soubemos do encontro, pois fomos chamados a opinar a respeito de um documento com as reflexões emergidas naquela ocasião. Não deixamos de nos posicionar com um texto escrito, educadamente e sem polêmicas, mas ressaltando que sentimos falta da voz das pessoas e comunidades diretamente atingidas pelos empreendimentos de mineração. 
Dário Bossi - Foto: Reprodução 


Recentemente, o grupo Iglesias y Minería denunciou uma nova tentativa de aproximação de empresas de mineração com a Igreja. Trata-se da proposta "Mineração em Parceria”. De que se trata? Quais empresas estão envolvidas nessa proposta?

A proposta "Mineração em parceria" está sendo divulgada através de um texto assinado por assessores e managers das mineradoras Anglo American, Rio Tinto, Newmont Mining, pelo presidente do International Council of Mining and Metals - ICMM, por The Kellogs Innovation Network, Christian Aid e representantes das igrejas anglicana, católica e metodista. 

A iniciativa propõe-se "assistir os seminários teológicos das diversas partes do mundo para equipar melhor os pastores e os líderes da igreja para servir as comunidades afetadas pelos projetos mineiros”. Exemplifica os benefícios que essa iniciativa trará tanto às empresas como às igrejas. Propõe que as igrejas "pensem teológica, ética e liturgicamente sobre a mineração, em nível local e internacional”. 

Chega a propor um "kit de formação" para os seminários de teologia e oferece propostas de ação para as empresas apoiarem atividades com as comunidades cristãs.

Por quais razões as empresas de mineração propõem uma aproximação com a Igreja?

Em nossas redes de denúncia dos danos provocados pela mineração, comentamos que, além do greenwashing, está se estabelecendo cada vez mais a prática do 'faithwashing'. Em outras palavras, as empresas mineradoras, além de tentar mostrar que suas atividades extrativas são sustentáveis e que seus lucros contribuem para proteger a natureza, agora estão tentando influenciar também a sensibilidade religiosa e ética das pessoas e comunidades que podem chegar a criticar suas operações. 

As campanhas publicitárias das mineradoras fazem cada vez mais referência aos valores, às culturas e explicitamente à religião, porque não conseguem mais explicar o motivo de ritmos tão intensos e vorazes de extração e de agressão à natureza. Apelam a uma presumida contribuição para um Bem Maior para disfarçar seu saque permanente dos Bens Comuns. 

A Igreja tem manifestado com progressiva lucidez seus posicionamentos críticos frente aos interesses especulativos da mineração. Nos diversos territórios, de maneira capilar, próxima aos atingidos pelos empreendimentos mineiros e sua infraestrutura de escoamento, a Igreja tem acompanhado os protestos, as denúncias e reivindicações das comunidades. 

Por isso, não sendo fácil nem conveniente opor-se a ela, as empresas estão tentando aproximá-la, tentando insistir sobre a importância do diálogo na ética cristã, para a resolução dos conflitos. 

Trata-se de uma interpretação interesseira do princípio do diálogo, pois esse, quando realizado de forma teórica e distante dos desafios cotidianos e concretos, permanece frequentemente desvinculado de efetivas mudanças ou de medidas práticas e resolutivas.

É como as promessas de casamento: realizadas numa celebração brilhante e poética, têm pouco valor se não se traduzem no esforço concreto e cotidiano de convivência, respeito e escuta do outro. 

Temos desafiado as empresas a mostrarem sua capacidade de diálogo a partir das reivindicações que há tempo as comunidades estão apresentando nos contextos locais. 

As maiores empresas encontram as igrejas no Vaticano ou em Canterbury, mas nesses últimos anos no Brasil vêm sendo flagradas práticas de trabalho escravo das mineradoras, há protestos por falta de consulta adequada às comunidades e denúncias por desperdício de 5,5 milhões de litros d’água por hora, por dois minerodutos em Minas Gerais. 

Alguma Igreja já aceitou a proposta das mineradoras?

A proposta "Mineração em parceria" acabou de ser lançada e por enquanto tem sido assinada somente por alguns representantes locais das igrejas, que participaram de sua definição inicial. O grupo Iglesias y Minería quis reagir imediatamente, para manifestar sua crítica a esse tipo de iniciativa, considerando-a contraditória e prejudicial à liberdade das igrejas. Quisemos assim oferecer aos membros das igrejas de base e hierárquicas instrumentos para um discernimento mais informado e consciente, na hora de se posicionarem a respeito da proposta.

Quais têm sido as principais críticas do grupo Iglesias y Minería à mineração na América Latina?

A imposição do modelo extrativista, promovido pelas grandes corporações e as economias globais com complacência de quem governa nossos estados nacionais, longe de contribuir ao bem-estar de todos e todas, incrementa as desigualdades, as violações aos Direitos Humanos individuais e coletivos, a divisão da família latino-americana e de nossas comunidades, a destruição de zonas privilegiadas por sua riqueza de bens naturais e a diversidade biológica de nosso continente. 

Esse modelo apropria-se dos territórios a qualquer custo e se converte em um processo ativo de desapropriação, que atropela quem resiste a ele, com mecanismos que vão desde ameaças, à perseguição, cooptação, criminalização, judicialização e até o assassinato de líderes comunitários, defensores e pastores que acompanham estas lutas. 

Agrava-se a crise ecológica causada pelo estilo de vida consumista e mercantilista dos bens e por um modelo extrativista que não reconhece nem respeita os limites de nosso planeta. Acelera-se, assim, sua degradação e vulnerabilidade, convertem-se em mercadorias os territórios de nossos povos originários, os minerais, a biodiversidade, os combustíveis fósseis e o gás natural, a energia do vento, da água e do sol e os demais bens naturais. 

Deseja acrescentar algo?

Como grupo Iglesias y Minería reafirmamos nosso compromisso de trabalho com as bases, expressado através da troca de saberes e conhecimentos, de estratégias de proteção, defesa e solidariedade, do acompanhamento na preparação e apresentação de ações de denúncia local, nacional e internacional, entre outras. 

Estamos aprofundando a mística para animar nossas práticas, construir propostas de ação e avançar em nossas reflexões e interpretações teológicas.

Não precisamos da assessoria das empresas para "pensar a mineração desde um ponto de vista teológico, ético e litúrgico", como propõe o documento "Mineração em parceria". 

O ponto de vista que escolhemos como cristãos para julgar teológica e pastoralmente a realidade é aquele dos pobres e das vítimas. Com eles, buscamos e aprendemos cotidianamente ressurreição, libertação, dignidade.

Fonte: http://www.brasildefato.com.br/

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