Dois recentes episódios a envolver ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) deslustraram a magistratura nacional e serviram para demonstrar o quanto estão ficando para trás certos padrões éticos, alguns referidos na obra Elogio dos Juízes Escrito por um Advogado, do jurista italiano Piero Calamandrei, falecido em 1956.
Com efeito. O ministro José Dias Toffoli compareceu em 21 de junho a uma extravagante boda de casamento. Um seu amigo brasileiro, advogado criminal de profissão, casou-se na famosa Ilha de Capri, na Itália. À primeira vista, tratava-se de um assunto privado. E sempre a princípio, incomparável com fatos protagonizados pelo ministro Gilmar Mendes. Conforme noticiário, Mendes, ao deixar a presidência do STF, teria sido brindado com uma viagem internacional e régias cortesias, incluídos hospedagens e deslocamentos em luxuoso automóvel Mercedes-Benz com cinesíforo ao volante, ofertadas pelo advogado e jurista Sergio Bermudes.
Bermudes possui concorrida banca de advocacia e empregou a esposa do ministro. Pelo trato ofertado ao casal Mendes, seguiu-se à risca a recomendação do poeta Olavo Bilac, ou seja, tudo deve sempre estar à altura do “nume” a ser homenageado. Pelo levantado, o ministro nunca se dera por impedido e participou de julgamentos com Bermudes a advogar por uma das partes, de modo a suprir-lhe a capacidade postulatória em juízo.
Indignado com o sucedido, o advogado Alberto de Oliveira Piovesan protocolou, na presidência do Senado, um pedido de impeachment de Mendes. Na peça, Piovesan frisou: “Os fatos são comprometedores. Revelam recebimento de benesses e outros fatos que põem em dúvida a isenção, a parcialidade do julgador, configurando violação a dever funcional, e em consequência a incidência do item 5 do artigo 39 da Lei Federal 1079/1950”. Como era de esperar, o senador José Sarney, numa canetada, arquivou o pedido de impeachment.
Por seu turno, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), já presidido por Mendes e proclamado como órgão de controle externo da magistratura, quedou-se inerte. Pela Constituição, o CNJ restou colocado abaixo do STF. Assim, os conselheiros não têm legitimação constitucional para apurar eventuais conflitos de interesse ou violações ético-funcionais dos ministros do Supremo. Numa apertada síntese, o órgão de controle externo não pode fiscalizar os ministros do STF sobre cumprimento de obrigações estabelecidas na lei orgânica. Contra eles, só cabe impeachment.
De volta a Toffoli. Um mês depois da boda na ilha italiana, animada pela voz de Pepino di Capri (inacreditável!!!), o jornal Folha de S.Paulo publicou reportagem capaz de fazer corar de vergonha Têmis, a deusa grega da Justiça, da imparcialidade dos julgamentos. Os convidados, cerca de 200, incluído Toffoli, ficaram hospedados em hotel cinco-estrelas, com duas diárias pagas pelo nubente, ou melhor, pelo advogado amigo do ministro, Roberto Podval.
O texto ressaltou ter Toffoli, sem se dar por impedido, participado de julgamentos de causas em que atuou Podval. Com Toffoli como relator e de interesse do amigo advogado, tramitam dois outros feitos criminais. Mais ainda: o ministro não compareceu, por estar na festa em Capri, à sessão do STF em que, entre outros casos, apreciou-se a questão da proporcionalidade do aviso prévio aos trabalhadores, prevista na Constituição de 1988 e nunca aplicada.
Procurado pelo jornal, Toffoli usou a jurisprudência de Antonio Palocci. Por meio de sua assessoria de imprensa, sustentou que não falava sobre questões privadas. Em seu socorro, manifestou-se a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). Numa visão pela metade, a AMB destacou que o impedimento previsto nas leis processuais diz respeito a vínculos com as partes do processo e não com seus advogados. Esqueceu a AMB de lembrar que, por motivo de foro íntimo, o magistrado deve se afastar, tudo em nome da imparcialidade e para preservar a boa imagem da Justiça.
A sociedade civil não deseja que um juiz viva numa redoma, mas lhe cobra postura digna. De uma mulher de César, que, além de honesta, precisava parecer como tal. É por essa razão que a lei processual admite o afastamento do juiz por motivo de foro íntimo.
Em vários tribunais estaduais, com a distribuição informatizada, os desembargadores se antecipam e relacionam advogados amigos. Por razão de foro íntimo, os processos não lhes são encaminhados. No STF, isso não serviria a Mendes e a Toffoli.
Numa empresa, a falta injustificada do trabalhador acarreta o chamado “corte do ponto”. Os ministros do STF gozam de dois meses de férias ao ano e, quando em Capri para o casamento de um amigo, o ministro Toffoli não estava em gozo delas. Ao que parece, o seu “ponto” não será cortado e também não perderá um dia de antiguidade para outros fins legais.
P.S. da Redação: O redator-chefe de uma revista de grande circulação e diminuta moral, que costuma bajular os clientes de Podval, também participou da cerimônia em Capri. Obviamente à custa do advogado em núpcias.
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