Apelação Cível n. 2010.040985-2, de Dionísio Cerqueira
Relator: Des. Artur Jenichen Filho
APELAÇÃO CÍVEL. ALVARÁ JUDICIAL. PEDIDO DE
ABERTURA PROVISÓRIA DE ATAÚDE (TÚMULO E CAIXÃO)
PARA A PRÁTICA DE ATO DE FÉ RELIGIOSA (ORAÇÕES),
FORMULADO PELO VIÚVO E PELOS FILHOS DA FALECIDA.
SENTENÇA DE INDEFERIMENTO DA INICIAL POR
TRATAR-SE DE PEDIDO JURIDICAMENTE IMPOSSÍVEL.
INEXISTÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE INTERESSE
PÚBLICO OU PRIVADO ABSOLUTAMENTE RELEVANTE, A
JUSTIFICAR O DEFERIMENTO DO PEDIDO.
REGULAMENTAÇÃO MUNICIPAL. PRAZO PARA EXUMAÇÃO
NÃO TRANSCORRIDO. AUSÊNCIA DE INTERESSE QUE
JUSTIFIQUE A MEDIDA EM CARÁTER DE EXCEÇÃO.
PREVALÊNCIA DO INTERESSE SOCIAL E DA ORDEM
PÚBLICA.
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.
2010.040985-2, da comarca de Dionísio Cerqueira (Vara Única), em que é apelante
Alceri Karsten e outros:
A Câmara Especial Regional de Chapecó decidiu, por votação unânime,
conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.
Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs. Des.
Paulo Ricardo Bruschi, como revisor, e o Des. José Volpato de Souza, presidente
com voto.
Chapecó, 13 de agosto de 2013.
Artur Jenichen Filho
RELATORRELATÓRIO
Trata-se do pedido de Alvará Judicial para abertura do ataúde, do
túmulo e do caixão da falecida Anny Karsten, genitora dos requerentes.
Segundo as razões expostas na inicial, o pedido de Alvará Judicial
justifica-se pela pela liberdade de manifestação de culto religioso e o motivo do
pedido é tão somente, objetivamente, para a "abertura do ataúde de Anny Karsten,
por alguns instantes, no próprio cemitério para os requerentes exercerem a crença no
Senhor..." (fl. 02-07).
O magistrado de primeiro grau indeferiu a incial "com fundamento no
interesse social e na garantia da ordem pública" (fl. 21-22).
Sobreveio o recurso de apelação (fl. 25-33) calcado, basicamente, na
ausência de interesse social e abalo da ordem pública, pois que, o corpo, devido ao
tempo transcorrido, completou o ciclo de decomposição.
Com remessa dos autos ao Procurador de Justiça, este opinou pelo
conhecimento e improvimento do recurso (fl. 58-63).
Este é o relatório.
VOTO
A questão cinge-se na necessidade e na utilidade do deferimento da
medida.
Não obstante a inexistência de qualquer fundamento assentado num
interesse público e/ou privado, absolutamente relevante, não obstante reconheça e
assegure a que cada qual professe a sua crença e fé religiosa, no caso concreto, não
se tem qualquer fato que assim se vislumbre, afora o desejo pura e simples da
prática, por alguns instante, por assim dizer, de corpo presente, para a realização de
algumas "orações", é o que se deduz da inicial.
Segundo os ensinamentos de J. CRETELLA JR:
"A cargo da polícia mortuária, cujas atribuições se inscrevem na área de
competência do peculiar interesse dos Municípios, está a inumação, a exumação, a
cremação, e a transladação dos cadáveres, bem como a ordem-e a higiene dos
cemitérios" (Direito Administrativo Municipal. Rio de Janeiro: Forense, 2ª
ed., p. 309).
Pode-se observar, nesse viés, a legislação municipal, do local onde está
sepultado o cadáver da genitora dos requerentes (fl. 51).
Segundo o art. 9º daquela legislação:
"Nenhuma exumação poderá ser feita antes de decorrido o prazo de 5 anos,
contados da data do sepultamento, salvo em virtude da requisição por escrito de
autoridade judicial ou policial ou com a licença do Departamento Estadual da Saúde.
Parágrafo único: Decorrido o prazo de 5 anos da data do sepultamento, a
pedido dos responsáveis, as sepulturas poderão ser abertas e os restos mortais
removidos para outro local, respeitadas as prescrições da Lei vigente".
Quando formulado este pedido de Alvará Judicial (11-02-2010), o pedido
administrativo perante a municipalidade era vetado, pois que, a falecida havia sido
Gabinete Des. Artur Jenichen Filho sepultada em 25-10-2008, ou seja, a toda evidência, não havia decorrido o prazo de 5
anos, estabelecido na lei, para os fins requeridos.
Não se duvida que a fixação de um prazo pela municipalidade para a
exumação dos restos mortais tem o condão de acautelar a população, de um modo
geral, dos perigos de alguma moléstia contagiosa que poderia advir do contato e
manuseio de um corpo humano em decomposição, tanto que, inclusive, somente em
casos que refogem à regra, são autorizados os procedimentos de exumação antes do
decurso daquele lapso, que no caso concreto é de 5 anos.
Evidentemente, que se apresentadas as comprovações no sentido da
urgência, utilidade e necessidade da exumação, tem o administrador público que, em
detrimento da regra acautelatória, abrandar seus efeitos e autorizar o ato.
Conforme bem mencionado pelo magistrado a quo:
"É cediço que a Constituição Federal prevê a liberdade de crença, bem como
assegura o livre exercício dos cultos religiosos como direitos fundamentais, porém,
tais direitos não são absolutos, sendo limitados pelo interesse social e a ordem
pública" (fl. 21).
Ocorre que, no caso concreto, as razões invocadas pelos requerentes
para realizar a exumação do corpo de sua genitora, são religiosas, com o fito de
"exercerem a crença no Senhor" e fazer "orações", em evidente ato de "fé", todavia,
conforme as bem lançadas notas do douto representante do Ministério Público:
"...Não convém ao caso em tela invocar-se o direito de liberdade de crença e
de manifestação religiosa dos apelantes, já que, de um lado, este direito fundamental
não é absoluto, e, por outro, o Estado tutela também o interesse social na
manutenção da ordem pública e da segurança.
Caso concedida a tutela, por isonomia, teria que ser reconhecido o mesmo
direito em lides semelhantes, sendo indubitável que a saúde pública estaria
ameaçada com a exposição de corpos humanos em processo de putrefação ao
simples argumento de exercício de preces religiosas sob as mortalhas.
Conforme dito, o acesso aos cadáveres sepultados é hipótese excepcional,
sendo que o pleito dos recorrentes não encontra respaldo em lei." (fl. 63).
Evidentemente, a questão posta não reclama urgência, tampouco,
utilidade e necessidades práticas que forcem o enquadramento do caso como
daqueles que devam ter precedência sobre a regra, diante da possibilidade dos
requerentes efetuarem as suas preces sem violação ao túmulo de sua genitora.
Mutatis mutandi:
"[...] desnecessária a-exumação-do cadáver do-de cujus, pois, como já
salientado, tratar-se-ia de medida extrema, não justificável no presente caso.
Ressalte-se que o respeito aos mortos é um princípio de importância relevante, não
devendo ser infringido quando o caso concreto apresentar outro meio de solução, até
mesmo em observação aos princípios da economia e celeridade processual.[...]"
(Apelação Cível n. 2011.024509-3, Rel. Des. Carlos Prudêncio, julgada em
09/10/2012)
Não se está pretensamente tolhendo o direito de crença religiosa,
liberdade assegurada constitucionalmente, mas tão somente se está sopesando à luz
da razoabilidade e da proporcionalidade, ao passo em que a negativa do pedido dos
requerentes (exumar o cadáver da sua genitora para realizar orações antes do prazo
Gabinete Des. Artur Jenichen Filhoestipulado pela municipalidade - 5 anos), visa proteger o interesse social e a ordem
pública, pois do contrário, a pretensão individual cassa a norma cogente que dispensa
cuidados à coletividade.
Por fim, querendo, que as partes ingressem ordinariamente, a tempo e
modo, com o pedido em voga, todavia, porque na atualidade não decorridos os 5
anos estabelecidos pela municipalidade, para os fins da exumação, e não verificadas
quaisquer circunstâncias que impendem presumir a necessidade e a utilidade da
medida, com exceção da regra, vota-se no sentido de conhecer do recurso e
manter-se o indeferimento da inicial (fl. 21-22), com fulcro no art. 295, parágrafo
único, inciso III, do Código de Processo Civil.
Este é o voto.
Gabinete Des. Artur Jenichen Filho
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