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quinta-feira, 5 de setembro de 2013

LIBERDADE RELIGIOSA NÃO É DIREITO ABSOLUTO, PROCLAMOU A jUSTIÇA CATARINENSE


Apelação Cível n. 2010.040985-2, de Dionísio Cerqueira


Relator: Des. Artur Jenichen Filho

APELAÇÃO CÍVEL. ALVARÁ JUDICIAL. PEDIDO DE 
ABERTURA PROVISÓRIA DE ATAÚDE (TÚMULO E CAIXÃO) 
PARA A PRÁTICA DE ATO DE FÉ RELIGIOSA (ORAÇÕES), 
FORMULADO PELO VIÚVO E PELOS FILHOS DA FALECIDA.

SENTENÇA DE INDEFERIMENTO DA INICIAL POR 
TRATAR-SE DE PEDIDO JURIDICAMENTE IMPOSSÍVEL.

INEXISTÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE INTERESSE 
PÚBLICO OU PRIVADO ABSOLUTAMENTE RELEVANTE, A 
JUSTIFICAR O DEFERIMENTO DO PEDIDO.

REGULAMENTAÇÃO MUNICIPAL. PRAZO PARA EXUMAÇÃO

NÃO TRANSCORRIDO. AUSÊNCIA DE INTERESSE QUE 
JUSTIFIQUE A MEDIDA EM CARÁTER DE EXCEÇÃO.

PREVALÊNCIA DO INTERESSE SOCIAL E DA ORDEM 
PÚBLICA.

RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.

2010.040985-2, da comarca de Dionísio Cerqueira (Vara Única), em que é apelante 
Alceri Karsten e outros:

A Câmara Especial Regional de Chapecó decidiu, por votação unânime, 
conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs. Des. 
Paulo Ricardo Bruschi, como revisor, e o Des. José Volpato de Souza, presidente 
com voto.

Chapecó, 13 de agosto de 2013.

Artur Jenichen Filho

RELATORRELATÓRIO

Trata-se do pedido de Alvará Judicial para abertura do ataúde, do

túmulo e do caixão da falecida Anny Karsten, genitora dos requerentes.

Segundo as razões expostas na inicial, o pedido de Alvará Judicial

justifica-se pela pela liberdade de manifestação de culto religioso e o motivo do 
pedido é tão somente, objetivamente, para a "abertura do ataúde de Anny Karsten, 
por alguns instantes, no próprio cemitério para os requerentes exercerem a crença no 
Senhor..." (fl. 02-07).

O magistrado de primeiro grau indeferiu a incial "com fundamento no 
interesse social e na garantia da ordem pública" (fl. 21-22).

Sobreveio o recurso de apelação (fl. 25-33) calcado, basicamente, na 
ausência de interesse social e abalo da ordem pública, pois que, o corpo, devido ao 
tempo transcorrido, completou o ciclo de decomposição.

Com remessa dos autos ao Procurador de Justiça, este opinou pelo

conhecimento e improvimento do recurso (fl. 58-63).

Este é o relatório.

VOTO

A questão cinge-se na necessidade e na utilidade do deferimento da 
medida.

Não obstante a inexistência de qualquer fundamento assentado num 
interesse público e/ou privado, absolutamente relevante, não obstante reconheça e 
assegure a que cada qual professe a sua crença e fé religiosa, no caso concreto, não 
se tem qualquer fato que assim se vislumbre, afora o desejo pura e simples da 
prática, por alguns instante, por assim dizer, de corpo presente, para a realização de 
algumas "orações", é o que se deduz da inicial.

Segundo os ensinamentos de J. CRETELLA JR:

"A cargo da polícia mortuária, cujas atribuições se inscrevem na área de 
competência do peculiar interesse dos Municípios, está a inumação, a exumação, a 
cremação, e a transladação dos cadáveres, bem como a ordem-e a higiene dos 
cemitérios" (Direito Administrativo Municipal. Rio de Janeiro: Forense, 2ª
ed., p. 309).

Pode-se observar, nesse viés, a legislação municipal, do local onde está 
sepultado o cadáver da genitora dos requerentes (fl. 51).

Segundo o art. 9º daquela legislação:

"Nenhuma exumação poderá ser feita antes de decorrido o prazo de 5 anos, 
contados da data do sepultamento, salvo em virtude da requisição por escrito de 
autoridade judicial ou policial ou com a licença do Departamento Estadual da Saúde.

Parágrafo único: Decorrido o prazo de 5 anos da data do sepultamento, a 
pedido dos responsáveis, as sepulturas poderão ser abertas e os restos mortais 
removidos para outro local, respeitadas as prescrições da Lei vigente".

Quando formulado este pedido de Alvará Judicial (11-02-2010), o pedido 
administrativo perante a municipalidade era vetado, pois que, a falecida havia sido 
Gabinete Des. Artur Jenichen Filho sepultada em 25-10-2008, ou seja, a toda evidência, não havia decorrido o prazo de 5 
anos, estabelecido na lei, para os fins requeridos.

Não se duvida que a fixação de um prazo pela municipalidade para a 
exumação dos restos mortais tem o condão de acautelar a população, de um modo 
geral, dos perigos de alguma moléstia contagiosa que poderia advir do contato e 
manuseio de um corpo humano em decomposição, tanto que, inclusive, somente em 
casos que refogem à regra, são autorizados os procedimentos de exumação antes do 
decurso daquele lapso, que no caso concreto é de 5 anos.

Evidentemente, que se apresentadas as comprovações no sentido da 
urgência, utilidade e necessidade da exumação, tem o administrador público que, em 
detrimento da regra acautelatória, abrandar seus efeitos e autorizar o ato.

Conforme bem mencionado pelo magistrado a quo:

"É cediço que a Constituição Federal prevê a liberdade de crença, bem como 
assegura o livre exercício dos cultos religiosos como direitos fundamentais, porém, 
tais direitos não são absolutos, sendo limitados pelo interesse social e a ordem 
pública" (fl. 21).

Ocorre que, no caso concreto, as razões invocadas pelos requerentes 
para realizar a exumação do corpo de sua genitora, são religiosas, com o fito de 
"exercerem a crença no Senhor" e fazer "orações", em evidente ato de "fé", todavia, 
conforme as bem lançadas notas do douto representante do Ministério Público:

"...Não convém ao caso em tela invocar-se o direito de liberdade de crença e 
de manifestação religiosa dos apelantes, já que, de um lado, este direito fundamental 
não é absoluto, e, por outro, o Estado tutela também o interesse social na 
manutenção da ordem pública e da segurança.

Caso concedida a tutela, por isonomia, teria que ser reconhecido o mesmo 
direito em lides semelhantes, sendo indubitável que a saúde pública estaria 
ameaçada com a exposição de corpos humanos em processo de putrefação ao 
simples argumento de exercício de preces religiosas sob as mortalhas.

Conforme dito, o acesso aos cadáveres sepultados é hipótese excepcional, 
sendo que o pleito dos recorrentes não encontra respaldo em lei." (fl. 63).

Evidentemente, a questão posta não reclama urgência, tampouco,

utilidade e necessidades práticas que forcem o enquadramento do caso como 
daqueles que devam ter precedência sobre a regra, diante da possibilidade dos 
requerentes efetuarem as suas preces sem violação ao túmulo de sua genitora.

Mutatis mutandi:

"[...] desnecessária a-exumação-do cadáver do-de cujus, pois, como já 
salientado, tratar-se-ia de medida extrema, não justificável no presente caso.

Ressalte-se que o respeito aos mortos é um princípio de importância relevante, não 
devendo ser infringido quando o caso concreto apresentar outro meio de solução, até 
mesmo em observação aos princípios da economia e celeridade processual.[...]"

(Apelação Cível n. 2011.024509-3, Rel. Des. Carlos Prudêncio, julgada em 
09/10/2012)

Não se está pretensamente tolhendo o direito de crença religiosa,

liberdade assegurada constitucionalmente, mas tão somente se está sopesando à luz 
da razoabilidade e da proporcionalidade, ao passo em que a negativa do pedido dos 
requerentes (exumar o cadáver da sua genitora para realizar orações antes do prazo 
Gabinete Des. Artur Jenichen Filhoestipulado pela municipalidade - 5 anos), visa proteger o interesse social e a ordem 
pública, pois do contrário, a pretensão individual cassa a norma cogente que dispensa 
cuidados à coletividade.

Por fim, querendo, que as partes ingressem ordinariamente, a tempo e 
modo, com o pedido em voga, todavia, porque na atualidade não decorridos os 5 
anos estabelecidos pela municipalidade, para os fins da exumação, e não verificadas 
quaisquer circunstâncias que impendem presumir a necessidade e a utilidade da 
medida, com exceção da regra, vota-se no sentido de conhecer do recurso e 
manter-se o indeferimento da inicial (fl. 21-22), com fulcro no art. 295, parágrafo 
único, inciso III, do Código de Processo Civil.

Este é o voto.

Gabinete Des. Artur Jenichen Filho

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