Um pastor chefia o departamento da Advocacia Geral da União (AGU) encarregado de reaver, na Justiça, o dinheiro roubado por corruptos dentro e fora do governo.
Aos 38 anos, André Luiz de Almeida Mendonça é diretor do Departamento de Patrimônio e Probidade da AGU. Sem alarde, ele vem ampliando as áreas de atuação do setor, que, no ano passado, recuperou R$491 milhões para os cofres federais.
De segunda a sexta-feira, Mendonça coordena uma equipe de 122 advogados espalhados por todo o país. Em cima da mesa, um exemplar da Bíblia é fonte de inspiração: o expediente começa com a leitura do texto sagrado. Aos domingos, o diretor dá lugar ao pastor. Mendonça celebra cultos e dirige a escola da Igreja Presbiteriana de Brasília, onde a formação religiosa inclui visitas a orfanatos, asilos e cooperativas de catadores de lixo.
Para o pastor, os fiéis precisam conhecer a dura realidade no entorno de Brasília – ele considera a capital uma espécie de ”ilha da fantasia”. Mendonça diz que não há conflito entre as atividadesde advogado da União e pastor. Na AGU, ele dá cursos de oratória aos colegas. E, além da fé, tem uma certeza: cada centavo desviado faz falta na luta para diminuir filas em hospitais e melhorar a qualidade do ensino público.
- Se somos um país que cresce, somos também um país carente. A esta hora tem gente morrendo na fila dos hospitais – diz Mendonça. – Não podemos perder a concepção de servidores, de mordomos que estão aqui para servir o país, que nos dá muito. Temos que retribuir com todas as nossas energias. Não se pode tolerar mais a impunidade nos casos de corrupção.
Em 2010, o departamento recuperou 7% dos valores desviados da União e cobrados pela via judicial, em ações civis públicas, de improbidade e ressarcimento. Mendonça reconhece que o percentual de recuperação é baixo e receia que esteja enxugando gelo. Para ele, o combate à corrupção requer reformas estruturais na sociedade brasileira, com educação e fortalecimento de valores éticos.
- Infelizmente, eu não posso hoje olhar para o meu filho e dizer que não vale a pena ser corrupto no Brasil. Tem muito corrupto que trabalha a partir da impossibilidade de as instituições responderem adequadamente aos casos de desvio.
Recuperação de desvios é baixa
Mendonça lembra, porém, que o índice de recuperação de recursos desviados era inferior a 1%, em 2005. A meta para 2016 é reaver 25% das verbas roubadas e que dão origem a processos na Justiça.
No ano passado, o departamento ajuizou 3.706 ações, que dizem respeito a R$2,7 bilhões desviados. Fraudes em convênios nas áreas de educação e saúde respondem por cerca de 70% dos casos.
A Justiça concedeu liminares bloqueando R$582 milhões dos acusados, incluindo R$58 milhões do Grupo OK, do senador cassado Luiz Estevão, acusado de desviar verbas da construção do fórum do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo.
Filho de bancário, Mendonça nasceu em Santos (SP). Antes de ingressar na AGU em 2000, via concurso, foi advogado da Petrobrás Distribuidora, também concursado. Além do curso de direito, formou-se em teologia, em Londrina (PR). Em 2005, foi transferido para Brasília, onde atuou na corregedoria do órgão e participou de investigações que resultaram na demissão de advogados da União e procuradores da Fazenda.
Em 2008, Mendonça passou a dirigir o Departamento de Patrimônio Público e Probidade Administrativa. Antes disso, a AGU já atuava na recuperação do dinheiro desviado da União. Mas foi em janeiro de 2009 que entrou em funcionamento o Grupo Permanente de Atuação Pró-Ativa, comandado por Mendonça.
Nesse período, uma das tarefas do diretor tem sido entrar em contato com diferentes áreas do governo, pedindo que enviem ao Grupo Permanente processos administrativos ou penais que possam ensejar ações de ressarcimento. A ideia é evitar que as punições se limitem à esfera administrativa (exoneração) e penal (prisão), obrigando os réus a devolverem o dinheiro públicoque tenham roubado.
Assim, desde o segundo semestre de 2010, os casos de demissão de servidores públicos vão parar nos escaninhos do Departamento de Patrimônio e Probidade. Da mesma forma, foi criado um canal de comunicação com as corregedorias da Receita Federal, da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal. Além de reaver o dinheiro, a AGU busca as punições previstas nas ações de improbidade, como cassação de direitos políticos e multa.
Em outra frente, o departamento investe em qualificação. Este ano, um advogado irá à Espanha iniciar um curso de mestrado com foco no combate à corrupção.
Mendonça pediu auxílio ao Banco do Brasil para compreender melhor o sistema de cobrança de dívidas e o uso de laranjas para esconder patrimônio obtido com verbas desviadas. Um dos desafios para os advogados da União, na tentativa de reaver dinheiro público, é provar que determinado bem, em nome de terceiros, foi comprado com dinheiro roubado.
- É uma descoberta diária de áreas nossas e de outros órgãos para nos remeter processos. Até pouco tempo atrás, não havia preocupação de ressarcimento e punição também na via judicial desses agentes públicos corruptos.
Fonte: O Globo, via JORNAL MUNDO GOSPEL
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