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segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Por que as religiões afro-brasileiras, historicamente chefiadas por mulheres, são lideradas, cada vez mais, por pais de santo


Senhores dos Terreiros
Rodrigo Cardoso




O papel de protagonista do candomblé, religião que desembarcou no Brasil – na baiana Salvador, mais especificamente – nos séculos XVIII e XIX, sempre coube à mulher. Por ser cultivada em espaços domésticos, essa crença se tornou um ofício feminino por uma razão, entre outras, muito simples: como permaneciam em casa enquanto os homens iam buscar fora dela o sustento da família, elas tinham mais condições de estabelecer contato com as divindades. Como sacerdotisas, as mulheres davam as cartas nos terreiros. Esse reinado, porém, tem passado para as mãos masculinas de forma cada vez mais acelerada. O fenômeno é nacional e, a continuar nesse ritmo, em alguns anos, eles serão os donos do axé até na Bahia, Estado que projetou para todo o País a imagem das mães de santo.

Na capital da Paraíba, por exemplo, um mapeamento dos terreiros realizado pela organização não governamental Casa de Cultura Ilê d’Osoguiã revelou que 54% das 111 casas cadastradas na cidade são dirigidas por pais e não mães de santo.

“Em dez anos, se nada for modificado, só teremos pais de santo em João Pessoa”, afirma Renato Bonfim, o fundador da ONG. Ele chegou a essa conclusão ao analisar os dados sobre a faixa etária dos pesquisados, a pouca iniciação de mulheres na religião e a expectativa de vida do brasileiro. Em outras capitais do País, como Belo Horizonte, Belém e Recife, a realidade é semelhante (leia quadro na pág. 68). Em tese de doutorado defendida no mês passado na Universidade Metodista de São Paulo (Umesp), Nilza Menezes, historiadora especializada em ciências da religião, verificou que em Porto Velho, capital de Rondônia, os homens dirigem mais da metade dos templos – e aqueles de maior importância – de matriz africana. Em quatro anos de pesquisa, ela levantou que 54 dos 106 terreiros existentes na cidade são liderados por pais de santo.


As mulheres, segundo os estudos da pesquisadora, trabalhavam arduamente em atividades tipicamente domésticas e femininas como limpar, cozinhar, lavar, organizar, preparar banhos de ervas, enfim, obrigações do espaço privado. E, depois de longas horas de tarefas braçais, ficavam cansadas e perdiam o interesse por atividades públicas, como jogar búzios e atender pessoas. Esse comportamento, no decorrer do tempo, as afastou de cargos de liderança e as relegou a papéis secundários, resultando em uma espécie de anonimato. “Elas vêm perdendo o espaço público de poder, uma função que as projetavam socialmente”, diz Nilza, a autora da tese. “As obrigações nas denominações de matriz africana são trabalhosas, o que representa um complicador para a mulher moderna que cuida da casa, estuda e trabalha.”

No catolicismo e entre os evangélicos as mulheres são até hoje subalternas na hierarquia religiosa. A inserção delas em posições de liderança, porém, é reivindicação antiga de uma parcela dos fiéis e tema que nunca saiu de pauta. Já entre as religiões de matriz africana, a conformidade das protagonistas de outrora desponta como um fato preocupante, na opinião dos especialistas. Há várias explicações. “Os homens estão mais dedicados do que elas”, afirma Sivanilton Encarnação da Mata, o Babá Pecê, 48 anos, que há mais de 20 responde pela Casa de Oxumaré, um dos templos de candomblé mais antigos de Salvador. Este ano, esse babalorixá só conseguiu iniciar filho de santo do sexo masculino. “Ter mais homens absorvendo o culto dos orixás explica o fato de crescer o número de sacerdotes nos terreiros”, opina o sacerdote.

SOBERANOS
Babá Pecê (primeiro à esq.), da Casa de Oxumaré, em Salvador, só iniciou filhos de santo este ano:
"Os homens estão mais dedicados do que elas", diz ele

Babá Pecê é também fruto dessa realidade. Ele ascendeu à liderança da Casa de Oxumaré, que é tombada pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac), após três sacerdotisas terem ditado o axé no local (ler à página 67) desde 1927. Por outro lado, pontua a historiadora Nilza, as mulheres ainda somam a maior parte dos fiéis das religiões afro-brasileiras e são elas que conferem às casas a imagem das “baianas” que remetem às tradições. Mas, mesmo na Bahia, as mulheres estão em xeque. “Acredito que 70% dos espaços de terreiros baianos sejam dirigidos por homens”, diz o antropólogo Júlio Braga, da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), que prepara o lançamento do livro “Candomblé – A Cidade das Mulheres, e dos Homens”.

Mães de santo como Stella de Oxossi e Carmem do Gantois, ambas de Salvador, ainda são mais representativas e têm maior visibilidade política do que seus pares do sexo oposto. No entanto, quanto mais afastado da capital for o terreiro, maior será o número de homens no topo da hierarquia, segundo Braga. Babalorixá do Ilê Axé Oyá, ele diz que a mídia e os antropólogos têm sido responsáveis pela maior visibilidade das mulheres na religião em detrimento dos homens. “Qualquer coisa que se faça na Bahia sobre candomblé são as mães de santo as requisitadas”, afirma. Mas a crescente força masculina nos terreiros é inegável. O candomblecista Bonfim, da Casa de Cultura de João Pessoa, que é axogun da casa de Mãe Tucá, aponta para o fato de os homossexuais estarem ocupando, inclusive, o espaço das mulheres nos rituais das religiões afro-brasileiras. “Eles usam paramentos femininos próprios para a proteção dos seios, por exemplo, algo que não deveria ser feito”, diz ele.

CULINÁRIA
Edvaldo Silva vende acarajé como parte do trabalho do terreiro
de candomblé: antigamente, a atividade cabia apenas às mulheres

Babá Pecê, da Casa de Oxumaré, tem encontrado resistência das mulheres toda vez que procura fazer com que homens dancem em cerimônias públicas – um ritual que historicamente é próprio delas. “Estou tentando mudar isso aos poucos”, afirma. Outras transformações, porém, já aconteceram. “Por exemplo, hoje aqui na Bahia, homens vendem acarajé como parte do trabalho do terreiro. Antigamente, apenas a mulher fazia isso”, relata. Criado numa família de baianas do acarajé, Edvaldo da Silva, 29 anos, assumiu o lugar da mãe e da irmã na venda da iguaria. Há um ano e meio, é ele quem comercializa a comida típica na porta da Casa de Oxumaré. “A gente tem de invadir o espaço da culinária, já que elas estão cada vez mais presentes na política do País”, diverte-se Silva. Brincadeiras à parte, é preciso evitar que a ascensão masculina relegue a mulher a postos subalternos nos terreiros, o que pode distanciá-las de vez do exercício do poder religioso e deixar apenas na lembrança a imagem de autoridade das mães de santo.


Fotos: Anderson Christian

Fonte: ISTO É

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