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quinta-feira, 1 de novembro de 2012

SEPARATISMO, QUESTÃO FARROUPILHA, A LUTA DOS GUARANIS CONTRA OS JESUITAS, ETC...





Sul-brasileiro? Os perigos da criação de um novo aparelho de Estado


Por Rafael Zilio


Ao longo da história, desde a delimitação das atuais fronteiras estatais de Brasil, Argentina e Uruguai, presenciou-se algumas tentativas de mudança no mapa, e o desejo separatista ainda é cultivado por alguns grupos na região Sul do Brasil. Sintoma disso é o texto de Celso Deucher publicado no Sul21 em 25 de outubro do corrente ano. Contudo, o que entendemos por separatismo? Quais seriam seus reflexos com uma possível separação do sul do Brasil? E, principalmente, quais falácias estão embutidas no discurso separatista?


Entendo separatismo, sucintamente, como a criação de um novo aparelho de Estado. Vejamos o exemplo da luta dos guaranis contra as missões jesuíticas, época em que as atuais fronteiras estatais ainda não haviam sido delimitadas, tomadas como referência por Deucher. Sepé Tiaraju foi símbolo de resistência e insurgência contra os jesuítas. Quando Sepé bradou “esta terra já tem dono”, em nenhum momento ele se referiu à implantação de um aparelho de Estado, mas sim que a autonomia de organização político-espacial dos guaranis fosse respeitada pelos invasores europeus. Usar a história dos indígenas – ou povos originários – como exemplo de insumo para uma causa separatista é no mínimo uma ignomínia, uma vez que povos originários organizam politicamente seu espaço sem Estados, muitas vezes lutando contra a imposição deste tipo de instituição.


Quanto à questão farroupilha, é preciso remeter a pelo menos um século antes. O gaucho, mestiço de diversas etnias indígenas, africanas e europeias, era estigmatizado como um “ladrão” pela elite latifundiária em formação. A identidade sócio-espacial gaucha originou-se no pampa (atualmente dividido pelos Estados brasileiro, argentino e uruguaio) antes das atuais fronteiras estatais, onde este tipo antropológico vagava pelo campo sem cercas e prestava serviços (por vezes tidos como ilegais) em diversos lugares, para diferentes pessoas. Com o estabelecimento das grandes propriedades rurais e dos limites entre os Estados no pampa, o gaucho viu-se forçado a se submeter a um determinado patrão. Já no século XIX, o Rio Grande do Sul presenciou o acontecimento histórico que posteriormente serviria de mito fundador para uma identidade proveniente das elites: a Revolução Farroupilha. Já foi tratado por diversos autores e não é uma novidade que tal acontecimento apresentou-se enquanto revolta de uma elite latifundiária e escravocrata, retrógrada inclusive para os movimentos abolicionistas da época em toda América Latina, contra os impostos cobrados pelo Império brasileiro. A elite latifundiária da época, entre 1835 e 1845, conservou a estrutura social, inclusive mantendo constitucionalmente a escravidão. O fim se deu com um acordo junto ao Império brasileiro, tido por muitos historiadores como uma derrota para os farrapos. Porém, a partir de algumas décadas depois, a análise dos fatos históricos deu lugar à mitificação, cujas características foram a construção de um discurso glorioso pró-farrapo e a tomada da “versão do estancieiro” como a verdadeira. A partir disso, constituiu-se uma apropriação conservadora da identidade gaucha no estado do Rio Grande do Sul, apropriação essa de força tamanha que por vezes confunde-se o gaucho, o gaúcho (aportuguesamento que se refere ao gentílico do RS) e o farrapo. Nesse sentido, utilizar a Revolução Farroupilha como exemplo para a formação de um novo aparelho de Estado é adequado somente para visões embebidas de conservadorismo e que passam ao largo de efetivas transformações sociais comprometidas com justiça social.


Uma visão estadocêntrica como a de Deucher não permite vislumbrar significativas mudanças na estrutura social com um Estado. A possível criação de um novo aparelho de Estado na atual região Sul do Brasil, segundo os discursos separatistas, manteria a estrutura social brutalmente desigual, modificando apenas as elites dominantes para este novo Estado. Aliás, diga-se de passagem, existe política muito além do voto em eleições, de constituições nacionais e de Estados territoriais, como têm demonstrado diversos movimentos sociais emancipatórios, ao longo dos últimos anos, desde os neozapatistas no México até os piqueteros na Argentina, entre tantos outros, cuja luta é por outras formas de organização política (e espacial) que não passem pela instituição Estado. Por isso, e por outros motivos que um texto sucinto não permite desenvolver, sou radicalmente contra a criação de um novo aparelho de Estado no Sul do Brasil.


Rafael Zilio é geógrafo e mestre em Geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro



Fonte: SUL 21


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