ESPIRITISMO E FALTA DE RESPEITO
Sou ateu,
mas respeito todas as religiões. Quer dizer, nem todas. Não dá para
respeitar essas seitas caça-níqueis lideradas por Edir Macedo, R. R.
Soares et caterva. Se bem que a Santa Madre Igreja Católica Apostólica
também vive de catar níqueis. Nada tenho contra quem crê em Deus, seja
qual deus for. Claro que me permito críticas às religiões, afinal
vivemos no Ocidente, onde é livre a expressão de pensamento. Não
acredito em Deus, mas jamais neguei - nem afirmei – sua existência.
Várias
vezes fanáticos me enfrentaram com as cinco vias de Tomás de Aquino: o
primeiro motor imóvel, a causa primeira ou causa eficiente, o ser
necessário e o ser contingente, o ser perfeito e causa da perfeição dos
demais, a inteligência ordenadora. Pura baboseira. O aquinata quer
deduzir a existência de um ser a partir da lógica. Ora, lógica é um
sistema axiomático. Prova apenas aquilo que se deduz dos axiomas que
estabeleceu.
A primeira prova, a do motor imóvel, a mais
brandida, é de uma precariedade atroz. Nossos sentidos atestam, com toda
a certeza, que neste mundo algumas coisas se movem. Tudo o que se move é
movido por alguém, é impossível uma cadeia infinita de motores
provocando o movimento dos movidos, pois do contrário nunca se chegaria
ao movimento presente, logo há que ter um primeiro motor que deu início
ao movimento existente e que por ninguém foi movido, e um tal ser todos
entendem: é Deus.
Ok! E quem move Deus? É espantoso que tal
argumento, que se sustenta no nada, tenha atravessado os séculos e até
hoje seja empunhado por pessoas que adoram crer em algo que não
entendem. Seguidamente crentes querem puxar-me para essa discussão. Não
caio na armadilha. Discutir a existência ou não de Deus é pura perda de
tempo, não leva a lugar nenhum. Que as pessoas creiam em Deus, problema
de cada um. O irritante é quando pretendem que os demais partilhem de
suas fés.
Neste sentido, admiro os judeus. Não fazem
proselitismo, não pretendem expandir suas crenças. Judeu é quem é filho
de mãe judia e estamos conversados. (Quanto à paternidade, pelo jeito é
questão de fé). Verdade que você pode tornar-se judeu, se converter-se.
Mas rabino algum está interessado em conversões.
Nada pior que
proselitismo. Exceto do espiritismo, não tenho recebido assédio de
nenhuma religião. Tenho sido bombardeado continuamente por spam, com
mensagens de Chico Xavier, Divaldo Franco e vigaristas menores. O
espiritismo é uma doutrina tosca, que se apossou dos Evangelhos e
mesclou-os a teorias supostamente científicas. Mas a estupidez é
universal. Assim como existem juízes roqueiros, há juízes espíritas,
médicos espíritas e – pasmem! – professores universitários espíritas.
Pelo jeito, o ensino universitário de nada serve ante a força de
superstições.
Chico Xavier, o médium mineiro, é um seguidor de
Hippolyte Léon Denizard Rivail, mais conhecido como Allan Kardec (1804 –
1869), que misturou evangelhos com a teoria do magnetismo animal do
austríaco Franz Anton Mesmer, com mais algumas pitadas de budismo, no
caso, a reencarnação. Mesmer era médico, estudava teologia e instituiu
como terapia a picaretagem da imposição das mãos. Criação nada original,
afinal já está nos Evangelhos.
Se voltarmos um pouco atrás,
encontraremos a prática no Egito, no templo da deusa Isis, onde
multidões buscavam o alívio dos sofrimentos junto aos sacerdotes, que
lhes aplicavam a imposição das mãos. Curiosamente, Kardec, que é francês
e está sepultado no Père Lachaise, em Paris, é praticamente
desconhecido em seu país. Sua tumba está sempre cheia de flores,
colocadas geralmente por brasileiros. Pergunte a um francês médio quem é
Kardec. Ele não saberá responder.
Na França, a nova religião não
vingou. Exportada para o Terceiro Mundo, adaptou-se muito bem no Brasil
– maior nação espírita do mundo – e nas Filipinas. Havia no país uma
certa elite que queria desvincular-se do catolicismo de Roma, mas não
queria associar-se às religiões animistas africanas. A ficção criada por
Kardec, cidadão francês, mais as teorias pretensamente científicas do
austríaco Mesmer, vinham a calhar. Assim se implanta no Brasil a nova
crença.
Meu primeiro contato com espíritas ocorreu quando minha
mulher morreu. Eles sempre aparecem quando alguém morre. Minha mulher
morrera há mais de mês e eu conversava com amigos comuns. Em dado
momento, uma moça atalhou: "Eu conversei ontem com ela". Nessas
ocasiões, tomo uma atitude de crédulo. Se a moça afirmava com tanta
convicção ter conversado com minha mulher, não seria eu quem iria
contestá-la. Perguntei apenas o que ela havia dito. Ela deixou uma
mensagem, disse a moça: "seja feliz".
O que me lembrou a aparição
de Maria aos três pastores em Fátima. Quando interrogada sobre quem
era, teria dito a Virgem: "Eu sou a Nossa Senhora". Ora, sendo Maria
mais que santa, semideusa, é de supor-se que não tivesse domínio tão
precário do português. Se se dirigia aos três pastores, o correto seria:
"Eu sou a Vossa Senhora". Por um descuido sintático do narrador, o
milagre ficou prejudicado.
Da mesma forma, a mensagem de minha
companheira. Éramos gaúchos. Depois de passarmos por Curitiba e São
Paulo, ela passou a usar o você, mas apenas ao tratar com curitibanos e
paulistanos. Jamais me trataria por você. Como a comunicação de Maria, a
de minha mulher também ficou sob suspeita. Mas não neguei o testemunho
da moça. Podes falar de novo com ela? - perguntei. Claro - me respondeu.
Pedi-lhe então que, quando voltasse a falar com ela, pedisse o código
do celular, que eu havia ficado sem.
A moça entrou em pane,
achava que não ia dar, códigos são coisas confidenciais, começou a
perguntar que horas são e logo deu as de Vila Diogo. Contei a história
mais tarde a professores universitários e um deles, também espírita,
prometeu-me perguntar às instâncias do Além sobre o código do celular.
Mas me alertou que o médium teria de ser muito poderoso para
descobri-lo. Bem entendido, nunca mais me falou no assunto. Nem eu
precisava do código, afinal sempre o tive e queria apenas divertir-me
com a capacidade comunicativa dos tais de médiuns.
Pois estes
senhores estão inundando meu correio com lixo metafísico, sempre falando
de paz, amor e respeito ao próximo. Reclamei. Um cretino qualquer me
recomendou bloquear o remetente. Não adianta. Bloqueio e o lixo, que
parece ter poderes sobrenaturais, volta. Para os espíritas, ao que tudo
indica, invadir a privacidade alheia não é falta de respeito ao próximo.
Confesso
não entender estes fanáticos. Não convencem ninguém com suas vigarices e
acabam irritando as pessoas. Respeito todas as religiões, dizia. Mas,
por favor, senhores crentes, não invadam meu correio.
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