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segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Brasil entra na rota dos advogados estrangeiros


Cresce o interesse de jovens advogados de outros países em trabalhar no mercado brasileiro. A legislação austera, no entanto, não facilita essa viagem
Ana Clara Costa
jovens advogados
Escritórios nacionais recebem inúmeros pedidos de emprego de jovens advogados estrangeiros (Creatas Images)
“Recebemos e-mails de alunos de universidades como Columbia, nos EUA, ou Salamanca, na Espanha, mas não podemos aceitar. A legislação não permite trazer estudantes estrangeiros para estagiar aqui”, diz Roberto Quiroga
Houve um tempo em que muitos estudantes de direito do mundo sonhavam trabalhar em reconhecidos escritórios de advocacia dos Estados Unidos, como Skadden e Cleary Gottlieb Steen & Hamilton, responsáveis pelos bilionários contratos em Wall Street. Hoje, apesar de ainda importante, o mercado americano concorre com outros países a exercer atratividade aos futuros advogados. Escritórios da China, Índia, Rússia e Brasil ganharam fama mundial ao estruturarem, nos últimos anos, grandes fusões entre empresas de países emergentes, além de ofertas de ações históricas, como a da Petrobras, que captou 120 bilhões de reais em setembro. Segundo a Thomson Reuters, foram movimentados somente no país mais de 38 bilhões de dólares apenas em operações de fusões e aquisições nos primeiros nove meses de 2010.
Estas cifras têm despertado a atenção de jovens advogados interessados em desbravar mercados emergentes. No Brasil, a atratividade, que antes se restringia ao setor bancário ou de óleo e gás, agora se volta para a área jurídica. Concorrem para isso grandes investimentos que devem chegar ao país nos setores de infraestrutura e construção civil, que, logicamente, exigirão acompanhamento jurídico – principalmente em contratos, financiamento de projetos e fusões e aquisições. “As pessoas inteligentes percebem para onde o dinheiro está indo e tentam chegar lá primeiro. É uma questão de pegar a onda certa”, afirma a chinesa Charmaine Xiaomei Qin, responsável pela área de negócios asiáticos do escritório Souza, Cescon, Barrieu & Flesch, e que está no país desde junho de 2009. “A China se revelou o maior parceiro comercial do Brasil e certamente os projetos para a Copa do Mundo e as Olimpíadas irão estimular os acordos de comércio entre os dois países. E isso faz do Brasil um lugar de boas oportunidades”, diz Charmaine.
No escritório Tozzini, Freire, Teixeira e Silva, que viabilizou a instalação da fábrica da Hyundai em Piracicaba (SP), e-mails de estudantes de direito coreanos interessados em conhecer o mercado brasileiro começaram a chegar depois que a operação foi divulgada em uma publicação jurídica internacional. “Eles não querem necessariamente conhecer a legislação brasileira, e sim o ‘modus operandi’ do mercado jurídico do país”, afirma Shin Kim, sócia do escritório e responsável pelos negócios que envolvem a Ásia. Como resultado, uma recém-formada advogada coreana deverá chegar ao Brasil no próximo ano para um período de aprendizado.
Ao contrário dos Estados Unidos, onde estrangeiros podem fazer o ‘bar exam’ – uma espécie de exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para atuar no mercado americano –, o Brasil tem uma legislação mais fechada. A compatibilidade de diplomas ocorre apenas com Portugal, e ainda assim os advogados lusitanos precisam fazer o exame da OAB para conseguirem trabalhar. “Como não podem atuar legalmente no Brasil, acabam participando mais da revisão de contratos”, afirma Moira Huggard-Caine, sócia do Tozzini Freire.
A exigência impõe barreiras à chegada de novos talentos e frustra sonhos de estudantes interessados no mercado brasileiro. No escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga – responsável, em 2010, por operações como a capitalização da Petrobras e a compra das Lojas Maia pelo Magazine Luiza –, os sócios constantemente declinam pedidos. “Recebemos e-mails de alunos de universidades como Columbia, nos EUA, ou Salamanca, na Espanha, mas não podemos aceitar. A legislação não permite trazer estudantes estrangeiros para estagiar aqui”, afirma o sócio Roberto Quiroga.
A vantagem do idioma e da compatibilidade de diplomas com Portugal favoreceu o advogado Duarte Schmidt Lino, do escritório português PLMJ. Lino veio ao Brasil por meio de um programa de intercâmbio entre o seu escritório e o Tozzini Freire, por um período de cinco meses, para trabalhar na área de óleo e gás. Impressionado com a escala das negociações que ocorrem no país, contrastante com a da Europa, Lino não esconde o desejo de voltar. “Há um dinamismo impressionante acontecendo no país e isso é entusiasmante. Até alguns anos atrás, a idéia de vir trabalhar no Brasil não era tão atraente” afirma o advogado, para quem a burocracia da legislação brasileira não foi motivo de frustração durante seu período no país.
Mercado fechado – Trabalhar no Brasil não é tarefa fácil para advogados estrangeiros. Por questões regulatórias e pelos investimentos que os escritórios nacionais têm de fazer nestes profissionais, acaba compensando, financeiramente, trabalhar com as centenas de jovens advogados que são colocados anualmente no mercado brasileiro – mesmo que eles não tenham a vivência e a cultura de outra nação. “O visto de trabalho também é um problema. Pois, ao trazer um estrangeiro para o Brasil, o escritório deve arcar com toda essa parte burocrática”, afirma o sócio de um escritório brasileiro.
Outro indício da austeridade deste setor no Brasil é a difícil entrada de grandes escritórios de advocacia estrangeiros, que também estão interessados nas milionárias negociações do mercado doméstico. A legislação não permite que tais escritórios se estabeleçam no país, e nem que seus advogados atuem em nosso mercado. Por isso, eles têm buscado, de forma agressiva, constituir sociedades com escritórios nacionais – abocanhando profissionais das principais bancas por salários interessantes. As entradas mais recentes foram a dos escritórios americanos Mayer Brown (em parceria com o Tauil & Chequer), DLA Piper (associado ao Campos Mello) e o Linklaters (em sociedade com o Lafosse Advogados).
A chegada imponente assustou os escritórios brasileiros sobretudo pelo temor de que, para ganhar mercado, os estrangeiros apliquem taxas inferiores àquelas praticadas no mercado nacional. “Eles fizeram isso na Espanha e isso gerou uma redução grande no número de escritórios nacionais”, relembra um advogado associado a um escritório com sede em São Paulo. Em outros casos, como o do escritório americano Milbank, a chegada no mercado não se deu por meio de associação, e sim pela abertura de uma filial no país apenas com advogados brasileiros. Tais bancas poderão ser, inclusive, uma nova opção de entrada para jovens advogados estrangeiros dispostos a migrar para os trópicos.


Fonte: http://veja.abril.com.br

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