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sexta-feira, 23 de julho de 2010

Deus: uma idéia, um delírio, uma suspeita, um engodo ou algo tão fabuloso que não conseguimos compreender?

A IDÉIA DE DEUS E A LIBERDADE HUMANA

Todas as religiões, com os seus deuses, os seus semideuses e os seus profetas, os seus messias e os seus santos, foram criadas pela fantasia crédula de homens que não atingiram ainda o pleno desenvolvimento e a plena posse das suas faculdades intelectuais. Em conseqüência, o céu religioso não passa de uma miragem na qual o homem, exaltado pela ignorância e pela fé, reencontra a sua própria imagem, mas dilatada e invertida, isto é, divinizada. A história das religiões, a história do nascimento, da grandeza e da decadência dos deuses que se sucederam na crença humana, não é mais que do que o desenvolvimento da inteligência e consciência coletivas dos homens. À medida que na sua marcha historicamente progressiva descobriam, em si mesmos ou na natureza exterior, uma qualquer força, qualidade ou mesmo grande defeito, atribuíam-no aos seus deuses, depois de os ter exagerado e ampliado desmedidamente, como o fazem normalmente as crianças, num fato da sua fantasia religiosa. Graças a essa modéstia e a essa piedosa generosidade dos homens crentes e crédulos, o Céu enriqueceu-se com os despojos da Terra e, por conseqüência, quanto mais rico se tornou o Céu, mais miserável se tornou a Terra. Uma vez instalada a divindade, foi naturalmente proclamada a causa, a razão, o árbitro e o distribuidor absoluto de todas as coisas: o mundo passou a ser nada, a divindade tudo. E o homem, seu verdadeiro criador, depois de tê-la extraído do nada, sem disso se dar conta, pôs-se de joelhos perante ela, adorou-a e proclamou-se sua criatura e seu escravo.

O cristianismo é precisamente a religião por excelência, porque expõe e manifesta, na sua plenitude, a natureza, a própria essência de todo e qualquer sistema religioso, que é o empobrecimento, a submissão, o aniquilamento da humanidade em benefício da divindade.

Sendo Deus tudo, o mundo real e o homem são nada. Sendo Deus a verdade, a justiça, o bem, o belo, a força e a vida, o homem é a mentira, a iniqüidade, o mal, a feiúra, a impotência e a morte. Sendo Deus o senhor, o homem é o escravo. Incapaz de encontrar por si mesmo a justiça, a verdade e a vida eterna, a elas não pode chegar senão mediante uma revelação divina. Mas quem diz revelação diz reveladores, messias, profetas, sacerdotes e legisladores inspirados pelo próprio Deus; e, uma vez reconhecidos como representantes da divindade na Terra, como os santos pastores da humanidade, eleitos pelo próprio Deus para dirigir pela via da salvação, devem necessariamente exercer um poder absoluto. Todos os homens lhes devem uma obediência passiva e ilimitada, porque contra a razão divina não há razão humana, e contra a justiça de Deus não há justiça terrena que lhes valha. Escravos de Deus, os homens devem sê-lo também da Igreja e do Estado, na medida em que este último é consagrado pela Igreja. Foi isso que o cristianismo compreendeu melhor que todas as religiões que existem ou existiram, sem excetuar a maioria das antigas religiões orientais (que, aliás, só abarcaram determinados povos, enquanto que o cristianismo tem a pretensão de abarcar a humanidade inteira); foi isso que, entre todas as seitas cristãs, só o catolicismo romano proclamou e realizou com uma conseqüência rigorosa. É por isso que o cristianismo é a religião absoluta, a última religião, e a Igreja apostólica e romana a única conseqüente, a única coerente.

Agrade ou não aos metafísicos e aos idealistas religiosos, filósofos, políticos ou poetas, a idéia de Deus implica a abdicação da razão humana e da justiça humana; é a negação mais decisiva da liberdade humana e leva necessariamente à escravidão dos homens, tanto em teoria como na prática.

A não ser que se queira a escravidão e o envilecimento dos homens, como o querem os jesuítas, como o querem os pietistas ou os metodistas protestantes, não podemos nem devemos fazer a menor concessão, quer ao Deus da teologia quer ao da metafísica. Porque, nesse alfabeto místico, quem começa por Deus deverá acabar fatalmente acabar em Deus, e quem adorar a Deus deve, sem ilusões pueris, renunciar corajosamente à sua liberdade e à sua humanidade.

Se Deus existe, o homem é escravo. Porém, o homem pode e deve ser livre - por conseguinte, Deus não existe.

Desafio quem quer que seja a sair deste círculo; agora escolham.

M. Bakunin - Deus e o Estado

Fonte: http://www.antigreja.hpg.ig.com.br


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A ideia de Deus e os cientistas religiosos


Deus não é um facto. Nem sequer é uma teoria comprovável. Deus é uma ideia. E nem sequer é uma ideia coerente. Como todas as ideias, a ideia de Deus é subjectiva e relativa. Ou seja, cada um de nós tem uma ideia diferente de Deus. À excepção, claro, daqueles de nós que têm a ideia da inexistência ou da irrelevância de Deus. Mas mesmo os fiéis de uma determinada doutrina religiosa têm, todos e cada um, uma ideia muito própria e pessoal (individual) de Deus.

É certo que adoptam como seguras algumas ideias doutrinais, nomeadamente no capítulo moral, mas em relação à ideia de Deus essencial, essa é sempre muito diferente de pessoa para pessoa. Não há dogma que resista à subjectividade e o que acontece com frequência é vermos um dogma grande transformar-se numa miríade de pequenos dogmas descendentes, que dão origem a uma miríade de novas seitas, facções e doutrinas paralelas. Para uns Deus é mais misericordioso, para outros é mais castigador, para outros é só paz e amor, e para outros ainda é uma mera força criadora sem intervenção nos destinos do universo e da nossa vidinha neste terceiro calhau a contar do Sol, etc. Depende. Desde logo da natureza íntima de cada um, da sua personalidade, cultura, educação ou meio ambiente.

Vem isto a propósito de uma entrevista que hoje ouvi na Antena 2, no excelente programa 5ª Essência, a um grande intelectual cristão português, que expressou a sua vontade de Deus, perdão, a sua ideia de Deus. Gostei realmente da conversa e das ideias do convidado, mas achei extraordinário como a sua teoria de Deus (que o senhor debitava com a gravidade própria dos sábios) difere tanto de outras ideias de Deus que já li expressa por tantos outros teólogos e intelectuais cristãos. Cada um deles perfeitamente convicto da verdade e justeza da sua elaboração mental de Deus.

O crente em questão é Luis Archer, conhecido jesuíta e biólogo, ancião interessante dado há muito às questões da ética e da ciência. Um homem culto e educado, portanto. E com uma ideia (ele chama-lhe “intuição” ou “inspiração”), devo dizer, extremamente simpática e agradável de Deus, da tradição cristã e da Bíblia. Muito diferente, portanto, de tantas outras interpretações cristãs de Deus e da Bíblia que todos infelizmente conhecemos.

Luís Archer fala da sua ideia de Deus com a assertividade própria dos homens convictos (refere-se ao “Deus verdadeiro”, por exemplo). Assertividade que é efectivamente bizarra num homem de ciência: Para Archer, apesar da ciência, Deus É precisamente assim e assado e o universo funciona de determinadas e exactas maneiras (como Deus quis). Apesar de admitir que não é possível compreender, não há dúvidas na mente do sábio: Não só Deus É, como Deus É e Fez e Aconteceu de determinadas e, na sua mente, exactas maneiras. Apesar de incomprováveis.

O Archer religioso, ao contrário do Archer cientista, não precisa de provas, porque Deus é basicamente uma ideia (uma “intuição”) incompreensível. E o sentimento religioso será, então, uma entrega incondicional a uma abstracção mitológica. É nesse sentido que Archer, por exemplo, tem como verdadeira, apesar de improvável (ie, não provável), a seguinte asserção: «Deus exprimiu-se no universo, deixou o universo expandir-se e esse universo expandiu-se de acordo com as suas leis», ou esta «Deus criou a matéria e criou as condições de vida e, portanto, Deus não marcou… não esteve a orientar a evolução num sentido ou noutro. O Deus verdadeiro é o iniciador puro, é o senhor absoluto». Pronto, é assim porque alguém disse (ou o Papa ou alguma outra autoridade) que era assim. E isto para ele é verdade suficiente.

Esta circunstância dos cientistas religiosos sempre me pareceu um pouco esquizofrénica, salvo seja e com todo o respeito pelos referidos: Duas dimensões ontológicas completamente adversas a conviver (pacificamente?) no mesmo indivíduo.

Archer, como todos os pensadores da Igreja fez a sua síntese pessoal a partir das inúmeras ideias de Deus que gerações de anteriores teólogos, alguns deles entretanto promovidos a santos e beatos, elaboraram antes dele. O Deus de Archer, por exemplo, é vigilante mas é, digamos assim, que ele se calhar não utilizaria esta expressão, passivo: não interfere nas coisas dos homens. Mas do que se depreende das suas palavras, Deus é sobretudo uma expressão de um desejo de esperança: perante o caos e, a violência e a destruição que persistem em imperar na experiência humana e no cosmos, milhares de anos de militante esperança depois, continuam à espera da salvação divina, da esperança em Cristo, o Messias que, eventualmente, nos virá salvar (outra vez).

Tudo isto é realmente fascinante, mas também é interessante, ouvindo a entrevista (que pode ser ouvida neste link) ou lendo estes trechos que transcrevi para aqui, a maneira como o entrevistado, apesar de todo o currículo e gabarito, se atrapalha e embrulha completamente com questões mais difíceis, refugiando-se, como sempre fazem os crentes quando isso acontece, nos seguros terrenos do “mistério”, daquilo que não nos é dado conhecer, que só podemos “intuir” por intermédio do mecanismo mental de convicção chamado fé, por muito rebuscado ou inverosímil que seja:

«(…) Deus não está a corrigir, Deus fez as coisas e deixa que elas sigam… E, no caso do homem, segundo a vontade dele e segundo o seu desejo, e se o seu desejo é mau, deixa-o ir…»

Portanto, o homem é responsável, é autónomo? Para fazer o mal, inclusive?…

É responsável, é autónomo, para fazer o mal…

Mas o Diabo pode ganhar, nessa… Ao largar assim ao critério do homem, o Diabo pode esfregar as mãos de contentamento, porque tem muito terreno para explorar…

Sim, mas não vai (vencer) … Eu acho que não…

Nessa sua concepção do universo, cabe lá também o Diabo, ou é uma entidade… porque ele não aparece propriamente assumido nas religiões…

Bem, o Diabo é uma entidade complexa, não é uma pessoa… Não é pessoa…

Não é pessoa?

Não, não.

É garantido?

É garantido. O próprio Ratzinger assim o diz.

Muito bem, ele é o Papa, há-de saber… Então e essa entidade, lá o que seja o diabo, não pode desequilibrar as coisas a favor dele?

Não, não porque não tem… Não é um deus, não é um anti-deus, não é uma entidade com valor negativo… É o poder do mal, que é poderoso e que realmente tem grandes possibilidades mas que não tem a vitória final, a vitória final é de Cristo. O Cristo cósmico, o Cristo que evolui e se torna tão amplo quanto o próprio universo.

(…) Bem, tudo isto é muto difícil… A teologia pretende o quê? Compreender Deus? Mas Deus é incompreensível, é incompreensível, nós nunca poderemos ter uma imagem de Deus, uma representação de Deus que seja, digamos, perfeita, exacta. Podemos acreditar nele, podemos ter fé nele, mas não o podemos compreender.

Não o poderá provar também, então…

Pois não, não há provas.

É uma intuição?

Sim, é uma intuição, uma inspiração, é uma força do próprio Deus, é um desejo… incapaz, um desejo que se torna uma realidade em nós, mas não é uma prova, não há provas.

Não há provas, mas se pegar no seu instrumento de eleição, para o qual estudou e tirou notas soberbas, a biologia, se pegar na biologia como o Sherlock Holmes pegava na lupa, não iria tentar descobrir a mezinha com Deus criou o mundo? Refiro-me à parte da biologia que pode ajudar a desvendar o mistério…

Não, eu acho que não. Acho que todas as lupas, todos os níveis moleculares, todas as nanotecnologias agora existentes, nada disso pode explicar a existência real, e a criação do universo. Acho que é uma ordem de coisas diferente. O nosso conhecimento real, o nosso conhecimento científico é muito útil, estuda o mensurável, o verificável, aquilo que se pode provar e quando chega ao fim das suas possibilidades diz, pronto, terminei. E agora os problemas que se põem ao homem são muito superiores a estes, são todos os problemas humanos, todos os problemas do amor, todos os problemas da compreensão das pessoas, todos os problemas da sintonia, da amizade, da ajuda aos outros, tudo isto que é a humanização, não tem explicação científica, é outra ordem de conhecimentos.

(…) O Big Bang, formulado pelos cientistas, é o momento da criação?

Bem, Pio XII ainda quis fazer uma ligação entre o Big Bang e o Fiat Lux (faça-se luz) que vem no Génesis, dizendo que uma coisa correspondia a outra e que portanto a ciência podia pelo menos determinar, com rigor, o dia e a hora da criação, mas, mas quer dizer, foi um comentário de Pio XII que depois não teve seguimento, não é, na teologia cristã… (…) são níveis diferentes, a ciência trata do visível, do estimável, do calculável, da matéria. A filosofia e a teologia tratam do ser em si, que não é testado, nas suas características…

Mas Deus não criou também a matéria?

Criou tudo.

Incluindo, então, o famoso Big Bang…

Incluindo o Big Bang e o Big Bang ter-se-á dado, é muito possível que sim…

Digamos que é uma ordem divina, é uma decisão divina?

É uma decisão humana…

Humana?!

Quer dizer, o Big Bang é um fenómeno… mecânico, portanto que tem a ver com substâncias que são…

Ah, digamos que o quer dizer, se bem entendo, é que Deus está ainda antes disso?…

Ainda antes…

Num plano ainda não material e portanto ainda antes da criação da matéria, digamos assim…

Exactamente.

Então, mas a minha mente preciosista, neste momento, leva-me a pensar: então mas o criador pensou nesse gesto, há não sei quantos biliões de anos e tudo com o fito de, depois de muitos mil milhões de anos, criar um serzinho num canto recôndito desse universo, minúsculo, quase irrelevante, se o sol desaparecesse era apenas uma das cem mil milhões de estrelas que desaparecia da galáxia, que por sua vez é uma das cem mil milhões de galáxias que existem no universo, não é, portanto?

«Creio que a maneira de nós entendermos, ou podermos compreender como é que isso (a criação) se deu é… Deus está na base de tudo, não só na origem, na primeira origem, nos planos… Deus criou a matéria e criou as condições de vida e, portanto, Deus não marcou… não esteve a orientar a evolução num sentido ou noutro. O Deus verdadeiro é o iniciador puro, é o senhor absoluto. Os senhores que não são absolutos querem intervir na obra que fazem… encarregam pessoas de fazer coisas mas essas pessoas ficam, enfim, sempre…

Condicionadas?

Condicionadas. Enquanto que Deus, pelo contrário, é só… Deus põe, pôs, o universo, quer dizer, ele exprimiu-se no universo, deixou o universo expandir-se e esse universo expandiu-se de acordo com as suas leis.

Mas, depois vem a Bíblia e os seus mandamentos, isso também é Deus…

Sim.

Então Deus sempre condiciona um bocadinho… na medida em que há um mínimo de requisitos para se ser bom, digamos assim.

Aah, isso é um outro aspecto diferente. O ser bom, tem a ver com a capacidade de compreensão do bem e do mal, do que se deve fazer do que não se deve fazer…

Referia-me aos dez mandamentos…

Os dez mandamentos, exactamente…

Que emanando de Deus, quer dizer que Deus também diz “pronto, criei, muito bem, está lá a base, mas depois também há aqui um caminho, que é preciso seguir”…

Sim, mas esses dez mandamentos não são exteriores à realidade criada. A realidade criada é que se manifesta naqueles mandamentos…

Não é uma imposição, portanto?

Não é uma imposição, não se impõe… pois não, quer dizer, é uma realidade que depende do próprio… quer dizer, os próprios… nós poderíamos descobrir os dez mandamentos só pela lógica intrínseca das coisas…

Portanto, não era preciso vir alguém… não é uma cartilha, portanto?

Não, não é uma cartilha, é uma ajuda.

Se bem que esses mandamentos não são universais, e aqui começa o barco a estalar, porque há pessoa que não se importam nada de invejar e… quer dizer, não têm remorso desses pecados, chamemos-lhe assim?…

Heee, no sentido de?…

Se fosse totalmente intrínseco, seria de esperar que toda a gente os seguisse, não é?

Sim…

Mas todos sabemos que nem toda a gente segue esses mandamentos…

Se toda a gente seguisse… é claro que se houvesse uma tendência para o bem…

E não há?

Há uma tendência para o bem, mas há também uma tendência para o mal. E para o bem que há no mal…

(…)

http://naturalmente.wordpress.com

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A IDÉIA DE DEUS EM DESCARTES E HUME - UMA TENTATIVA DE COMPARAÇÃO

A IDÉIA DE DEUS EM DESCARTES E HUME. UMA TENTATIVA DE COMPARAÇÃO

René Descartes (ou Renato Cartesius, como ele assinava, em latim) nasceu em La Haye, Tourenne, em 1596. Sendo de família nobre, foi enviando para um colégio jesuíta em La Flèche, uma das mais célebres escolas da época. Recebendo a melhor formação filosófica possível dentro das bases escolástica e humanista, com abertura também para o estudo das descobertas científicas da época e da matemática, nem por isso Descartes deixou de se sentir insatisfeito, pois achava a orientação tradicionalista da escola em gritante contraste prático com a visão de mundo que surgia do desenvolvimento científico (especialmente em Física e Astronomia) que pipocava em toda parte. O que mais o incomodava era a ausência de uma metodologia que abraçasse as idéias e as harmonizasse com uma práxis que conduzissem o estudioso numa forma que lhe possibilitasse guiar-se na "busca da verdade". O ensino de filosofia, em La Flèche, que era ministrado tendo por modelo a escolástica medieval, que levava o espírito dos estudantes para o passado, freqüentemente deixando-o lá. O resultado era uma falta de preparo e de adaptação para os problemas da época. Isto levou Descartes a um incômodo impasse. Para ele o estudo intensivo de uma visão de mundo já ultrapassada seria como viajar. "Mas quando dedicamos tempo demais a viajar, acabamos nos tornando estrangeiros em nosso próprio país, de modo que aquele que é por demais curioso das coisas do passado, só valorizando o que já foi, na maioria das vezes torna-se muito ignorante das coisas presentes" (Descartes). E o "presente", na época de Descartes, era o do desenvolvimento do empirismo, da técnica da fabricação de relógios e outros instrumentos, do desenvolvimento da mecânica, do questionamento do poder clerical, do comércio, do florescimento do capitalismo. Mais do que tudo, era a época de um novo alvorecer: a época da Revolução Científica, cujos principais expoentes até então foram Nicolau Copérnico, Johannes Kepler e Galileu-Galilei.

A influência destes na obra de Descartes é visível. Depois de ter obtido o bacharelado em Direito, pela universidade de Poitiers, Descartes sentiu-se ainda mais confuso e decide se dedicar às armas e alista-se, em 1618, nas tropas de Maurício de Nassau (o nosso conhecido que governou Pernambuco durante a ocupação holandesa na região Nordeste), que na ocasião combatia contra os espanhóis pela liberdade da Holanda. Por esta época, conhece um jovem físico e matemático, Isaac Beeckman, que o estimulou a estudar física. Aos 23 anos de idade, Descartes estava em Ulma, ao lado das tropas de Maximiliano da Baviera, quando, entre 10 e 11 de novembro de 1619, ele relata ter tido uma "revelação" ou iluminação intelectual, que iria marcar toda a sua produção a partir de então. Numa noite, após horas de reflexão sobre todo o conhecimento que havia adquirido até aquele dia, ele caiu numa espécie de transe sonambúlico e, então, teve um lampejo súbito onde via, ou melhor, percebia "os alicerces de uma ciência maravilhosa" que prometia ser um método para a unificação de todo o saber e que desenvolveria em sua produção, tendo sido cristalizada, em parte, em seu clássico "O Discurso do Método". A visão de Descartes despertou nele a crença na certeza do conhecimento científico por meio da matemática.

A certeza cartesiana é matemática. Descartes acreditava, partindo de Galileu, que a chave para a compreensão do universo era a sua estrutura matemática. Seu método, pois, consistia em subdividir qualquer problema a seus níveis mínimos, separando as peças que constituem o todo, reduzindo tudo até seus componentes fundamentais para, a partir desse nível, se perceber suas relações.

A obra mais famosa de Descartes, Discurso do Método, além de uma sumária exposição do método, ou das principais regras do método. Esse discurso está dividido em seis partes. Na primeira, encontrar-se-ão diversas considerações atinentes às ciências. Na segunda, as principais regras do método. Na terceira, algumas das regras da Moral que tirou desse método. Na quarta, as razões pelas quais prova a existência de Deus e da alma humana, que são o fundamento de sua metafísica. Na quinta, a ordem das questões de física que investigou, e, particularmente, a explicação do movimento do coração e algumas outras dificuldades que concernem à Medicina, e depois, também a diferença que há entre nossa alma e a dos animais. E, na última, que coisas crê necessárias para ir mais adiante do que foi na pesquisa da natureza e que razões o levaram a escrever.

Na Quarta parte do discurso, que é um resumo das Meditações Metafísicas, Descartes pretende provar a existência de Deus e da alma humana, estabelecendo, com essas provas, os fundamentos de sua metafísica. No primeiro parágrafo desse texto, o filósofo nos diz o seguinte: "Julguei necessário fazer o contrário (do que fiz em relação a moral) e rejeitar, como absolutamente falso, tudo o que pudesse ser objeto da menor dúvida, a fim de verificar se, depois disso, não me restava, em minha certeza, alguma coisa totalmente indubitável" Observa em seguida, que os sentidos nos enganam e nos fazem perceber coisas, não como realmente são, mas como nos parecem ser.

Mas, diz então Descartes, "ao pensar que tudo era falso, era necessário que, eu que pensava, fosse alguma coisa; e observando que essa verdade: Penso, logo existo era tão firme e tão certa, que todas as mais extravagantes suposições dos céticos não eram capazes de abalá-la, julguei que poderia recebê-la como o primeiro princípio da filosofia que eu procurava".

Descartes entendeu, assim, que era "uma substância cuja essência, ou natureza, consiste em pensar" e que "para ser, não precisa de lugar algum, nem depende de coisa alguma material". Em conseqüência, o eu, a alma, que permite ao filósofo ser o que é, um pensador, é inteiramente distinta do corpo, cujo conhecimento é mais fácil que o do corpo, pois mesmo que deixasse de existir, a alma não deixaria de ser o que é.

Conclui, então, que, assim como o mais perfeito não pode ser conseqüência do menos perfeito, e, nada poder provir, tal idéia, do ser perfeito, ou da perfeição do ser, só pode ter sido posta em nós por uma natureza mais perfeita do que a nossa, e que inclui todas as perfeições, quer dizer, Deus. Em conseqüência, conclui: "...é para mim tão certo que Deus, que é esse ser perfeito, é ou existe, quão certa poderia ser qualquer demonstração da geometria."

A regra, de acordo com a qual as coisas concebidas clara e distintamente são todas verdadeiras, só pode ser garantida pela existência de Deus, ser perfeito, do qual recebemos tudo o que se acha em nós.

A concepção de mundo e de homem de Descartes se baseia na divisão da natureza em dois domínios opostos: o da mente ou espírito (res cogitans), a "coisa pensante", e o da matéria (res extensa), a "coisa extensa". Mente e matéria seriam criações de Deus, partida e ponto de referência comum a estas duas realidades. Para Descartes, embora muitos adeptos do racionalismo tentem passar por cima deste ponto, a existência de Deus era essencial à sua filosofia científica, embora seus seguidores de séculos posteriores fizessem de tudo para omitir qualquer referência explícita a Deus, mas mantendo a divisão cartesiana entre as duas realidades: as ciências humanas englobadas na res cogitans e as naturais na res extensa.

David Hume nasceu na Escócia, em Edimburgo em 1711. Hume pertencia a uma família abastada. Fez bons estudos no colégio de Edimburgo - um dos melhores da Escócia, em seguida transformado em universidade -, cujo professor de "filosofia", isto é, de física e ciências naturais, Stewart, era um cientista discípulo de Newton. O jovem Hume, que sonha tornar-se homem de letras e filósofo célebre, rapidamente renuncia aos estudos jurídicos e comerciais, passa alguns anos na França, notadamente em La Flèche, onde compõe, aos vinte e três anos, seu Tratado da Natureza Humana, editado em Londres, em 1739. A obra não foi bem aceita. Esse fracasso deu a Hume a idéia de escrever livros curtos, brilhantes, acessíveis ao público mundano. Seus Ensaios Morais e Políticos (1742) conhecem vivo sucesso. Hume se esforça por simplificar e vulgarizar a filosofia de seu tratado e publica então os Ensaios Filosóficos sobre o Entendimento HumanoInvestigação sobre o Entendimento Humano. A obra obtém sucesso, mas não deixa de inquietar os cristãos, e Hume vê lhe recusarem uma cadeira de filosofia na Universidade de Glasgow. Ele acabará por fazer uma bela carreira na diplomacia. De 1763 a 1765 ele é secretário da Embaixada em Paris e festejado no mundo dos filósofos. Em 1766 ele hospeda Rosseau na Inglaterra, indispondo-se com ele em seguida. Em 1768, ele é Secretário de Estado em Londres. Nesse meio tempo, publicou uma Investigação sobre os Princípios Morais (1751), uma volumosa História da InglaterraHistória Natural da Religião (1757). Somente após sua morte (1776) é que foram publicados, em 1779, seus Diálogos sobre a Religião Natural. (1748), cujo título definitivo surgirá em edição seguinte (1758): (1754-1759) e uma

Grande parte dos teólogos e filósofos dos séculos XVII e XIII afirmavam - ecoando São Tomás de Aquino - que há somente duas maneiras de se justificar doutrinas religiosas ou posições teológicas: através de um apelo à razão humana ou através de um apelo à revelação (isto é, basicamente, um apelo à Bíblia). John Locke, por exemplo afirmou isto, defendendo sua posição no livro IV de Um Ensaio acerca do Entendimento Humano. Estas duas maneiras, porém, se reduziam, basicamente, a uma só, a primeira, para grande parte dos filósofos e teólogos deste período pela seguinte razão: se alguém procura justificar uma doutrina religiosa ou uma posição teológica através de um apelo o fato de ela ver sido revelada por Deus na Bíblia, pode se muito bem redargüir afirmando não haver razões para aceitar a Bíblia como revelação divina. Para que o apelo à Bíblia possa ser persuasivo, é necessário que seja acompanhado de argumentação que mostre ser a Bíblia realmente revelação divina ("a palavra de Deus", como se costuma dizer).

A resposta geralmente dada no período em questão, a este tipo de problema, afirmava que o caráter revelacional da Bíblia, sua origem divina, era comprovada ("garantindo", dizia-se) pelos inúmeros que supostamente acompanharam estas revelações. Já São Tomás quatro séculos antes afirmava que "a autoridade da escritura é divinamente confirmada por milagres" (Summa Contra Gentiles, I: 9: 2), e John Locke reitera: "Os santos de antigamente ao receberem revelações divinas, ... receberam também sinais externos que tinham o propósito de convencê-los de que Deus era o autor destas revelações" (Ensaio, IV; 19: 15). Na ausência destes, sinais nada poderia servir para distinguir revelações divinas de fantasias alucinatórias. Obviamente, Locke está pressupondo que a crença na ocorrência desses milagres seja racionalmente justificável. "A razão", afirma ele "deve ser nosso juiz supremo e nosso guia em tudo" (Ensaio, IV: 19: 14) - , pois de outra forma o argumento não seria muito convincente.

Foi com este cenário em vista que Hume escreveu sua obra de crítica à religião. Sistematizando os resultados desta crítica teremos:

1) Em primeiro lugar Hume apresentou um argumento objetivamente mostrar a irracionalidade de crença na ocorrência de milagres, eliminando assim a suposta justificação racional para aceitação da Bíblia como revelação divina;

2) Em segundo lugar Hume procurou mostrar que os tradicionais argumentos para existência de Deus (o argumento ontológico, o cosmológico, e o teológico, ou do desígnio) eram inconvincentes e que, portanto, não existia justificação lógica e racional para se acreditar que Deus - O Deus do cristianismo tradicional - existisse: a crença em sua existência seria, portanto, gratuita. É interessante notar que nem Locke nem outros defensores do cristianismo deste período, atentaram à natureza circular desta argumentação: a ocorrência de milagres atesta, segundo eles, a genuinidade da Bíblia como revelação divina; com tudo só sabemos da ocorrência desses milagres através de relatos encontrados na própria Bíblia!

3) Em terceiro lugar ao discutir o problema do mal Hume sugeriu que a existência do sofrimento no mundo é incompatível com a existência do Deus do cristianismo tradicional, isto é, com a existência de um ser que tudo sabe e pode e que também é infinitamente bom. Se este argumento for aceito a crença em Deus deixa de ser simplesmente gratuita e torna-se irracional a menos que se negue a existência do mal e do sofrimento do mundo. Assim sendo, após tentar destruir os argumentos para existência de Deus, Hume apresenta um argumento para não existência desse mesmo Deus.

O problema do mal, como ele é colocado no capítulo X dos Diálogos, se apresenta, de forma sistematizada, da seguinte maneira:

(1) Deus é um ser onipotente, onisciente infinitamente bom;

(2) Um ser onipotente e onisciente pode eliminar todo mal e sofrimento do mundo, e sabe como fazê-lo;

(3) Um ser infinitamente bom deseja eliminar todo o mal e sofrimento do mundo;

(4) Se Deus existe, não há mal e sofrimento no mundo;

(5) No mundo há mal e sofrimento;

(6) Conseqüentemente Deus não existe.

Qual o significado desta crítica à religião para a história do pensamento cristão? Hume é a primeira figura de destaque na história intelectual moderna a fazer um ataque devastador à religião e à teologia. Embora mesmo alguns teólogos (como, por exemplo, William de Ockham e Martinho Lutero) houvessem, antes de Hume, afirmado que doutrinas religiosas e posições teológicas não podem ser justificadas racionalmente, e embora os Deístas do século XVIII houvessem rejeitado a racionalidade da crença na revelação, nunca uma figura de destaque na história intelectual moderna havia, sistematicamente rejeitado ambas as maneiras tradicionais de se justificar doutrinas e posições religiosas, razão e revelação, concluindo não só que inexistem razões para se crer nas principais doutrinas do cristianismo mas afirmando também existirem razões para não se crer nelas. Se alguém discorda da posição de Hume, esta pessoa precisa refutar suas críticas, como teólogos católicos romanos têm tentado fazer, ou então, como teólogos protestantes liberais têm feito, procurar uma nova maneira de se encarar a religião tirando a ênfase de seu aspecto cognitivo e a colocando em seu aspecto moral ou experiencial. Por causa disto, a crítica de Hume à religião se coloca em uma das mais importantes marcos na história do pensamento moderno.


BIBLIOGRAFIA

1) SOUZA, Hélio José dos Santos. HUME E A CRÍTICA À RELIGIÃO NATURAL, Revista de Iniciação Científica da FFC, v. 4, n. 2, 2004,

2) HUME, D. Investigação acerca do entendimento humano. In: Os Pensadores. São Paulo, Nova Cultural, 1989.

3) DESCARTES, René. Discurso do Método. In: Os Pensadores. Nova Cultural. RJ, 1996.

4) GAARDER, Jostein. O Mundo de Sofia. Cia. das Letras. São Paulo, 1998

Ao usar este artigo, mantenha os links e faça referência ao autor:
A IDÉIA DE DEUS EM DESCARTES E HUME - UMA TENTATIVA DE COMPARAÇÃO publicado 12/07/2009 por Ana Carolina Dias Espelho em http://www.webartigos.com


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O uso dos meios informáticos que os neo-ateus usam para difundir suas idéias obrigam-nos a
reconhecer nossa timidez na hora de testemunhar nossa fé na sociedade secularizada
Luís González-Quevedo

Luís González-Quevedo

O neo-ateísmo Itaici, Brasil - Na história da humanidade, crenças e descrenças evoluem de acordo com o tempo em que estão inseridas. Cada século apresenta diversas formas de manifestar a fé em Deus ou a negação Dele, que chamamos de “ateísmo”. O século XVIII foi chamado de “Século das Luzes”, mas para a fé cristã foi um século de duras provas, suportadas apenas pela paciência dos santos. Naquele século, a negação do Deus da revelação judaico-cristã fez-se em nome da Razão. O século XIX foi palco da luta política e ideológica entre a Restauração e a Revolução. A negação de Deus fazia-se em nome do Progresso da ciência e da Igualdade social. Para o cientista Pierre Simon Laplace, Deus era uma hipótese desnecessária, enquanto Karl Marx, iniciador do “socialismo científico”, desprezava a religião como “ópio do povo”. No século XX, ao ateísmo cientificista e ao desprezo marxista pela religião veio unir-se a suspeita freudiana de que a idéia de Deus seria mero produto da nossa mente e a religião não passaria de “uma ilusão”. Atacada por todas as frentes do pensamento moderno, a crença em Deus parecia condenada à inexorável desaparição. No entanto, na primeira metade do século XX, alguns intelectuais observaram que “a fé estava renascendo” no berço da Revolução, a França. E o filósofo espanhol José Ortega y Gasset declarava que Deus estava “a la vista”. O progresso da física moderna (especialmente a mecânica quântica e o princípio de indeterminação) tornaram obsoleta a visão determinista do cientificismo. Na segunda metade do século passado, as novas descobertas da astronomia e da cosmologia favoreceram a teoria de que o universo teve um começo e terá um fim (contra a teoria materialista). O fim do “muro de Berlin”, com a queda dos regimes comunistas na Europa, esvaziou a utopia marxista. E os discípulos de Freud reconheceram que as idéias anti-religiosas do fundador da psicanálise é a parte menos consistente da sua obra. Por outro lado, é inegável a influência que os “mestres da suspeita” exerceram no próprio pensamento religioso. Nos anos 1960, a Teologia abriu-se para reconhecer o fenômeno da secularização. Tomando de empréstimo um tema de Nietzsche, alguns autores laçaram a “Teologia da Morte de Deus”, de efêmero sucesso. A filosofia marxista influenciou novas formas de fazer teologia, especialmente no Terceiro Mundo. E a psicanálise freudiana foi acolhida com entusiasmo em alguns mosteiros e conventos. No último quadrante do século XX, contrariando o anúncio do “eclipse do sagrado”, houve uma inesperada primavera do espiritualismo e do fervor religioso. O fenômeno pentecostal, surgido no protestantismo norte-americano, a popularidade do papa João Paulo II, na Igreja católica, e o triunfo da revolução iraniana, comandada pelo aiatolá Khomeini, no mundo islâmico, mostraram que a religiosidade não iria acabar tão cedo. No dia 11 de setembro de 2001, o incrível ataque do terrorismo islâmico, no coração dos Estados Unidos de América, suscitou duas reações extremas: de um lado, motivou o nacionalismo norte-americano, justificando a guerra contra “o império do mal”; do outro lado, provocou a desconfiança e hostilidade contra o “fundamentalismo” religioso. Esta segunda reação, porém, desembocou, em alguns autores, num “fundamentalismo anti-religioso”. Deixando de lado as obras do filósofo americano Daniel Dennett, Breaking the Spell (Quebrando o encanto. Rio de Janeiro: Ed. Globo, 2006) e do francês Michel Onfray, Traité d’athéologie (Tratado de ateologia, física da metafísica. São Paulo: Martins Fontes, 2007), que não conheço, examinarei as obras de Richard Dawkins, Sam Harris e Christopher Hitchens. Certamente, esses três autores merecem o nome de “neo-ateus” (cf. Tina Beattie. The New Atheists. Londres; Darton, Longman and Todd, 2007), não porque seus argumentos sejam novos, em absoluto, mas porque, numa época que parecia caminhar para a superação da oposição ciência-fé, eles reciclaram a polêmica anti-religiosa de tempos passados. O mais conhecido dos neo-ateus é o biólogo inglês Richard Dawkins, professor emérito de Oxford. Seu livro The God delusion (2006) vendeu mais de um milhão de exemplares. A tradução brasileira (Deus, um delírio. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, 528 p., R$ 54,00) entrou rapidamente na lista dos livros de não ficção mais vendidos no país. Darwinista convicto, Dawkins difunde suas idéias através da Internet e viaja por todo o mundo, numa incansável cruzada em favor do ateísmo. No final do seu livro, em apêndice, inclui uma lista de “endereços úteis para indivíduos que precisem de apoio para fugir da religião” (p. 477-482 da edição brasileira). Tamanho “ardor missionário” levou outro professor de Oxford a denunciar o “fundamentalismo ateísta” de Richard Dawkins (Alister McGrath, O delírio de Dawkins: uma resposta ao fundamentalismo ateísta de Richard Dawkins. São Paulo: Mundo Cristão, 2007). O segundo neo-ateu é o filósofo norte-americano Sam Harris. No seu primeiro livro The End of Faith: Religion, terror, and the future of reason (O fim da fé – religião, terror e o futuro da razão), publicado em 2004, expressava seu desejo de acabar com toda crença religiosa, para o bem da humanidade. Não tendo conseguido seu objetivo, torna ao seu projeto demolidor na sua Letter to a Christian nation (Carta a uma nação cristã. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. 96 p. R$ 29,00). A nação cristã a quem Sam Harris se dirige são os Estados Unidos de América, onde segundo o autor, mais da metade da população “acredita que o cosmos inteiro foi criado há 6 mil anos” (pág. 16). Ele apóia sua incrível afirmação em uma pesquisa Gallup, segundo a qual 53% dos americanos são criacionistas. Falta por demonstrar, porém, que mais da metade dos norte-americanos entendem por “criacionismo” o mesmo que o autor. Sam Harris termina sua carta afirmando que o fato da religião ter podido servir para alguma coisa no passado (por exemplo, para que “grupos de seres humanos pré-históricos adquirissem uma coesão social”) não exclui que, hoje, ela seja “o maior impedimento para a construção de uma civilização global” (p. 85). O terceiro neo-ateu é Christopher Hitchens, jornalista inglês, radicado nos Estados Unidos. No seu livro God is not Great. How religion poisons everything. New York 2007 (trad. brasileira: Deus não é grande: como a religião envenena tudo. Rio de Janeiro: Ediouro, 2007. 288 p, R$ 44,90), Hitchens caricaturiza de tal modo toda atitude religiosa que dificilmente uma pessoa religiosa não fundamentalista se sentirá atingida por seus ataques. Inácio de Loyola negou-se a excluir do sacerdócio e da vida religiosa os descendentes de judeus ou muçulmanos. Só o seu quinto sucessor, o Geral Aquaviva, cedeu à pressão do preconceito da “pureza do sangue”, muito estendido na época. Nas Constituições da Companhia de Jesus não há qualquer alusão anti-semita. O primeiro sucessor de Inácio, Diogo Laínez, era de sangue judeu . Hitchens, porém, escreve: “A Ordem Jesuíta, até o século XX, se recusava, por estatuto, a admitir um homem a não ser que ele pudesse provar que não tinha ‘sangue judeu’ por várias gerações” (pág. 229 da edição brasileira). Outro companheiro de Inácio, São Francisco Xavier, é descrito como “o homem que levou a inquisição à Ásia e cujos ossos ainda são reverenciados por aqueles que escolhem reverenciar ossos” (ib. p. 199-200). E do feito das Reduções guaranis, estabelecidas pelos missionários jesuítas no Paraguai, diz que “conseguiu combinar o máximo de igualitarismo como o máximo de falta de liberdade, e só pode ser sustentado pelo máximo de medo”. Se o leitor insatisfeito com o negativismo do autor procurar a alternativa positiva que Hitchens opõe ao fenômeno religioso, encontrará apenas, na conclusão do livro, uma referência à “necessidade de um novo Iluminismo” (p. 253). E se justifica de ter dedicado mais de duzentas páginas ao combate de todas as religiões, porque “tornou-se necessário conhecer o inimigo, e se preparar para combatê-lo” (p. 259). Como poderíamos justificar a atenção dedicada a esses três neo-ateus? Em primeiro lugar, pelo sucesso editorial que suas obras estão tendo. Para além da atração que o pensamento radical teve sempre, como explicar tal sucesso? Provavelmente, porque muitos dos seus leitores encontram nessas páginas, evidentemente extremistas, vazão para as suas feridas e dúvidas existenciais. Em segundo lugar, creio que as obras dos neo-ateus, como toda a crítica anti-religiosa dos séculos passados, poderão ser purificadoras da nossa fé. Comentando o livro de Hitchens, o pregador do Vaticano, Raniero Cantalamessa, escreve que muitas das críticas feitas à religião “são fundadas e devem ser levadas em consideração para não repetir os mesmos erros do passado. O Concílio Vaticano II afirma que a fé cristã pode e deve tirar proveito também das críticas daqueles que a atacam”. Finalmente, o empenho, a organização e o uso dos meios informáticos que os neo-ateus usam para difundir suas idéias obrigam-nos a reconhecer nossa timidez na hora de testemunhar nossa fé na sociedade secularizada. Segundo pesquisa da Datafolha, “97% dos brasileiros crêem em Deus” (Folha de São Paulo, 6 de maio de 2007). Se examinarmos, porém, o ambiente científico e acadêmico, bem como o mundo das letras e das artes, em geral, constatamos que o 2% de brasileiros que se identificam com o agnosticismo e o 1% dos que se declaram ateus são mais ativos e organizados do que o 97% que dizem acreditar em Deus. Termino com um dado significativo. Ao comprar os livros dos neo-ateus, publicados por editoras laicas, nós pagamos sem queixa R$ 30,00, 40,00 ou 50,00. Mas quando compramos um livro religioso de editora católica, mesmo que seja mais barato, achamos caro e pedimos desconto. Acabo de publicar, pelas Edições Loyola, o livro Um sentido para a vida: Princípio e Fundamento, com 200 páginas, ao prezo de R$ 24,00. Meus colegas jesuítas acharam caro.
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Luis González-Quevedo, S.J. Padre jesuíta, membro do Centro de Espiritualidade Inaciana de Itaici e redator de Itaici. Revista de Espiritualidade Inaciana .



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