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sábado, 31 de julho de 2010

Viagem de Haroldo Castro - Na Etiópia até o sal é preto?

Viaje pelo mundo com Haroldo Castro. Ele tem mais de 30 anos de experiência como jornalista e fotógrafo e conhece 150 países.

Viagem às profundezas de uma cratera de sal preto

A expedição “Luzes da África” terminou, mas a vontade de contar histórias sobre a jornada continua viva. Talvez seja minha maneira de esticar ainda mais essa viagem inesquecível. A cada dia que passa, me dou conta que as 50 crônicas que já escrevi representam apenas a “pontinha da duna” desse périplo – convenhamos que não dá para usar a metáfora “ponta do iceberg” na África.

Uma das experiências inesperadas na Etiópia foi a visita a uma cratera de um vulcão, no último dia de estadia no país. Chegar ao vilarejo El Sod (o nome vem de “soda”) foi um desafio para nosso “amigo” Odé. Não apenas nosso GPS não conhecia o lugar como cismava em dizer que a estrada (de 15 km, que saia da rodovia principal) não existia. Tivemos de recorrer ao velho sistema de ir perguntando onde ficava o vilarejo. Mesmo sem a ajuda de 10 satélites, chegamos ao local e nossa presença atraiu imediatamente dezenas de crianças, ritual constante na Etiópia.

Esquivando-nos da molecada que oferecia de tudo – até mesmo buscar um refrigerante na vendinha – descobrimos a borda da cratera. Lá embaixo, a uns 350 metros de desnível, um lago escuro. Enquanto discutimos se vale ou não a pena descer – teríamos tempo de atravessar a fronteira ainda hoje? – chega um grupo de adultos.


El Sod é um dos quatro vulcões no sul do país que possui grande quantidade de sal na sua cratera. O lago de 800 metros de diâmetro contem sal preto.

Doba Barako explica que a visita da cratera só pode ser feita, por questões de segurança, com um dos guias da associação criada recentemente com essa finalidade. Aceitamos a proposta, mas insistimos que nosso condutor falasse algumas palavras de inglês para que pudéssemos aproveitar um pouco mais do local. Essa exigência criou certo rebuliço, pois, nessa região isolada do país, raras são as pessoas que falam um idioma ocidental. Doba, um dos chefes da associação, achou que seu inglês chamuscado seria a melhor solução e decidiu fazer conosco a caminhada de 2 km.

A trilha é estreita e dividimos o espaço com dezenas de burros que baixam sem carga, ultrapassando-nos sem piedade. Também encontramos muitos asnos que sobem a encosta, carregando no dorso dois pesados sacos pretos, de 25 quilos cada um. Dentro, uma lama negra, bem pegajosa, com um cheiro forte de minério.


Cada burro transporta duas sacolas de sal preto desde a cratera até o vilarejo, no topo.

À medida que descemos, entendemos melhor a operação. Homens, com bolas de algodão tapando as narinas e os ouvidos, entram na água negra e espessa para retirar enormes pedaços de lama salgada. Eles usam uma longa vara, chamada dongora, para soltar esses fragmentos do fundo do lago e, em seguida, mergulham a 5 ou 10 metros de profundidade para encontrar o produto. Esses “mergulhadores do sal” são chamados de lixu e geralmente fazem seu trabalho sem roupa.

A lama é transportada até a beira do lago em bacias de plástico e depois é ensacada. No fundo da cratera, cada saco de 25 quilos vale 50 birr (menos de 7 reais), mas o mesmo produto é vendido por 17 reais na cidade vizinha. Essa pasta de sal preto é considerada como um excelente alimento para camelos e outros animais domésticos.


Um lixu (ou “mergulhador do sal”) carrega nos braços uma bola de lama salgada. O produto é vendido e ensacado na hora.

Doba Barako explica que, como estamos na época das chuvas, o lago está cheio de água. “Apenas os homens com grande experiência podem descer ao fundo para encontrar o sal preto, misturado com lama e outros minerais”, afirma o chefe da associação de guias. “Mas na época da seca, encontramos cristais brancos do mesmo sal”.

Difícil acreditar que o local possa produzir produtos tão diferentes, mas todos insistem que, quando há pouca água, o local é bem mais acolhedor. “Essa cratera tem sido nossa principal fonte de renda durante muitas gerações. Nossos avós e bisavós tiravam sal daqui”, diz Doba. “Queremos agora que o sal – preto ou branco – possa também trazer visitantes que queiram conhecer o lugar”.


Retirar o sal preto do fundo do lago da cratera é uma atividade tradicional da comunidade El Sod.

O pior momento da viagem foi a picada de um mosquito

Em novembro de 2009, quando sai do Brasil para a expedição “Luzes da África”, vários colegas e amigos me chamaram de louco. “Você vai ser roubado, estuprado, assassinado”, disse um. “Ainda bem que você não vai com uma mulher, pois estaria correndo riscos ainda maiores”, afirmou outro. “A África é terra de ninguém”, avisou um terceiro. “Você vai ser parado por um monte de gente com AK-47 nos ombros.” Ainda bem que eu já conhecia 29 países do continente antes dessa jornada (hoje são 37) e não me impressionei muito com os alertas vermelhos.

Um objetivo essencial da jornada foi desmistificar a selvageria do continente e seus perigos. Nossas crônicas neste blog (em português) e no site Lights of Africa (escritas por Mikael Castro, em inglês) pretenderam mudar uma imagem desmerecida e errada do continente. Um dos trabalhos que mais gostamos de ver publicado na Época foi a reportagem “Existe um Sudão da paz”. O texto mostra o outro lado da moeda do país.

Os desafios que tivemos na África foram bem parecidos aos que encontrei quando fui de Renault 5 da França à Índia (1974-1975) ou quando dei uma longa volta na América do Sul em Kombi (1977-1979). Foram problemas de saúde, com o carro e com furtos.

Viajar 39 mil km pela África e não encontrar nenhum problema pela frente seria impossível. Se considerarmos que Nandi saiu com 220 mil km no velocímetro e retornou com quase 260 mil km, os desafios que passamos foram mínimos. Talvez um dos segredos tenha sido fazer uma manutenção contínua, com troca de óleo e filtros entre 5.000 e 8.000 km. Outro foi dirigir com cuidado e devagar (nossa velocidade de cruzeiro no asfalto era de 100 km/h). Caímos em um buraco de chuva no Quênia, ficamos atolados na Etiópia e furamos o pneu apenas uma vez, no meio do Parque Nacional Serengueti, rodeado de 200 zebras. Mas fora isso, tudo fluiu perfeitamente.


A única vez que atolamos e precisamos de ser retirados por um caminhão foi na estrada no Vale do Omo, na Etiópia. A água estava embaixo da “terra firme” e… afundamos com o peso da Nandi.

Na verdade, os dias mais duros foram mesmo os da malária. Naquela segunda-feira de maio, quando eu estava no escritório do Conselho de Desenvolvimento de Ruanda (RDB), na capital Kigali, comecei a sentir uma leve febre. Depois de algumas horas de espera burocrática, conseguimos nossa autorização para visitar os gorilas do Parque Nacional do Vulcões no dia seguinte. Durante o trajeto de duas horas até Ruhengeri (cidade perto do parque) senti que não conseguia ficar com os olhos abertos. Mikael dirigiu o tempo todo e não melhorei. Será que daria para caminhar e ver os gorilas no dia seguinte? Quando chegamos à pousada, na entrada do parque, saí do carro e comecei a tremer de frio. Nunca tremi tanto na vida, de bater os dentes (e posso aguentar temperaturas baixas vestindo apenas uma camisa). Esses calafrios me deram a certeza que eu estava infetado pelo parasita do paludismo.

A noite foi péssima e tive vários sonhos malucos. Um deles foi sobre futebol e a vitória do Brasil sobre a Coréia do Norte por 7 a 0 no Mundial. As cenas do jogo que ainda estavam por acontecer (a malária ocorreu um mês antes da Copa) reviravam na minha mente. Tive outras alucinações mais confusas que não me deixaram dormir em paz. E toma comprimido de paracetamol para diminuir a febre! Na manhã seguinte, a da visita aos gorilas em Ruanda, Mikael até propôs não irmos mais para o parque. Na verdade, já havíamos visitado um grupo de gorilas em Uganda cinco dias antes. Mas, mesmo com poucas forças, continuei topando o desafio.

Durante a hora que passamos com os gorilas, esqueci totalmente da febre. Só à tarde, quando regressamos à sede do parque, é que o mal estar voltou – e mais forte ainda. Decidimos ir direto ao Hospital de Ruhengeri. Tirei sangue e em 40 minutos veio o resultado: negativo. Eu não tinha malária. Mas mesmo assim o médico, reconhecendo os sintomas, não descartou essa possibilidade. A segunda noite foi horrível, com mais pesadelos ainda.

Passamos o dia seguinte na Nandi, atravessando Ruanda. Achamos melhor não parar na capital, mas sim ir a Butare, uma cidade menor, no sul do país de 100 mil habitantes. Meu estado estava cada vez mais letárgico e, depois de encontrar um hotelzinho confortável, fomos para o hospital. Lá, deitei estatelado em uma cama, fizeram mais um exame de sangue e veio a confirmação: “Oui, monsieur, vous avez le palu”, disse o médico Edgar Gasana, confirmando que eu estava com malária. “Tome quatro comprimidos de Coartem, duas vezes por dia, durante três dias, e você estará curado”, afirmou Dr. Gasana.

A terceira noite foi diferente e encharquei de suor a camiseta de dormir. Depois que ingeri os quatro comprimidos amarelos de Coartem, senti que meu corpo passou a ser um campo de batalha entre as forças do ingrediente artemisinina e as do parasita Plasmodium falciparum. O medicamento, amplamente distribuído na África, é considerado um dos antimaláricos mais eficientes, com 97% de sucesso. Centenas de milhões de cartelas de 24 comprimidos são distribuídas anualmente na África (250 milhões de pessoas são afetadas por ano). O tratamento tem um custo inferior a um dólar! A artemisinina vem da planta artemísia, usada na medicina tradicional chinesa.

Na quinta-feira, segundo dia do tratamento, acordei um pouco menos abatido. Durante o dia, a artemisinina continuou seu ataque frontal e passei o dia na cama. Mas, lentamente, o apetite voltou a aparecer e comi uma massa. Finalmente, no terceiro e último dia de tratamento, voltei a existir. O desafio havia sido vencido.


Ainda faltando uma dose final do tratamento, consegui sair do quarto e até mesmo fazer essa cara de tartaruga adoentada para colocar uma foto no FaceBook.

Depois do episódio da malária, durante as próximas duas semanas, qualquer conversa com locais começava invariavelmente com a frase “Você já teve malária?” Como as respostas eram sempre positivas – não encontrei ninguém entre Ruanda e Moçambique que não tivesse sido contaminado pelo paludismo, minha nova pergunta passou a ser “Quantas vezes você já teve malária?”. Essas respostas, sim, variavam de uma vez a mais de 10 vezes.

É impressionante como um mosquito infestado pode causar tanto impacto negativo no planeta. A OMS calcula que 2 milhões de pessoas morrem por ano de paludismo. Na África, um milhão de crianças não consegue sobreviver à doença – a cada 30 segundos, uma criança morre de malária no continente. Hoje, graças aos novos medicamentos e seus preços baixos, a malária pode ser curada com menos dificuldade.

E, afinal, o que é uma mordidinha de mosquito em mais de oito meses na África?
Omega Megog, protetor dos viajólogos…
Na verdade, sinto que o continente nos recebeu de braços abertos e que fomos protegidos pelas divindades de todas as religiões locais. Obrigado! E um obrigado especial a

“Luzes da África”: termina jornada de 39 mil km por 18 países

A cada dia que passa, as Luzes da África passam a ficar mais tênues. Minha cabeça já começa a se conectar de volta com o Brasil. A cobra morde seu rabo e o ciclo de nossa aventura africana chega ao final.

Mikael e eu passamos mais de oito meses no continente e conseguimos realizar uma viagem fascinante!
Desde que saímos de Hermanus (uma cidadezinha a 100 km da Cidade do Cabo), foram 201 dias de viagem; rodamos 39 mil km por 18 países. Visitas curtas em algumas nações pequenas, como Lesoto, Suazilândia e Burundi; longas semanas de descobertas no Quênia (39 dias), na Tanzânia (um mês), na Namíbia e na Etiópia (23 dias em cada). Sem contar nosso país anfitrião, a África do Sul, onde ziguezagueamos de cabo a rabo por mais de 6.000 km, o país onde percorremos a maior quilometragem foi a Etiópia (5.850 km).

Se eu transpusesse o desenho do trajeto percorrido na África para o continente americano, nosso périplo seria como ter saído de Buenos Aires (34º Sul, latitude semelhante a Cidade do Cabo) e chegado até Guadalajara, no México (21º Norte, a mesma latitude no norte do Sudão). Ida e volta! Essa comparação é a que mais me impressionou, foi muito chão mesmo!

Das 201 noites, dormimos 89 na barraca em cima do teto do carro (44%), 51 em pousadas de luxo como convidados, 38 na casa de amigos e 23 em hoteizinhos bem econômicos. Foram sete meses de granola e banana como café-da-manhã e de sanduíches de queijo com abacate e tomate como almoço. No início da viagem, cozinhamos bastante e preparamos alguns pratos vegetarianos deliciosos. No final, perdemos o pique, qualquer coisa serve.

Mikael clicou 38 mil fotos e eu 40 mil.
Deu uma média de uma imagem por quilômetro, para cada um. Os países mais fotografados foram a Tanzânia (15 mil no total entre os dois), a Etiópia (13 mil) e a Namíbia (12 mil). Nem tudo foi um mar de rosas com o equipamento: perdemos uma câmera Nikon com objetiva para ladrões na Zâmbia e três lentes deixaram de funcionar.

E quais foram os melhores momentos?
Em cada uma de nossas 15 etapas de viagem, fizemos uma lista das cinco experiências mais ricas e também das três mais desagradáveis. Temos, assim, dezenas de situações memoráveis. As que deixaram as melhores marcas e renderam as melhores imagens foram:


SUDÃO: conhecer as pirâmides e os templos da cultura faraônica do norte do país, às margens do grandioso Nilo.


ETIÓPIA: passar a Páscoa nas igrejas escavadas na pedra, em Lalibela, e compreender os rituais da igreja ortodoxa etíope.


UGANDA e RUANDA: caminhar na mata para encontrar um grupo de gorilas de montanha e passar uma hora a sete metros de distância dos animais.


TANZÂNIA: visitar os belíssimos parques Serengueti, Ngorogoro, Selous e Ruaha e assistir a cena raríssima de uma impala perdida ser devorada por sete leões famintos.

Houve também momentos mais difíceis. Além do roubo na Zâmbia, um mosquito me pegou de mal jeito em Uganda e, duas semanas depois, tive um acesso de malária em Ruanda.
Fui bem tratado por um médico local, mas estive fora do ar durante quatro dias (e meio devagar por outros quatro). Minha melhor medicação: uma semana em um paraíso no norte de Moçambique. A pousada Nuarro, ao norte de Nacala, foi meu porto seguro. A beleza do local e a comida saudável me deram as forças que eu havia perdido com a crise da malária. A pousada é fruto da criatividade da brasileira Laura Carneiro, junto com seu parceiro inglês Steve e sua irmã Heloisa. Além de ser um lugar perfeito para descansar, Nuarro é também um paraíso para mergulhadores (os recifes estão em perfeito estado) e para os que buscam uma lua-de-mel fora do planeta Terra.

MOÇAMBIQUE: O vilarejo Baixo do Pinda fica a 3 km da pousada Nuarro e a vista do alto do farol compensa o esforço de subir os degraus.

Fonte: ÉPOCA


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