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segunda-feira, 26 de julho de 2010

Liberdade ou morte

O lema da república da Macedônia, que serve de título a esta postagem, deveria ser o lema de todo país que se preze.

Curiosamente, a Grécia, considerada "berço da democracia", ao ver que a Macedonia se tornava independente da República Socialista da Iugoslávia, em 19991, opôs-se aos anseios do País que ressurgia, convindo lembrar que já fora independente e muito influente na região.

Como liberdade é um tema que, induvidosamente, agrada a todo ser humano razoavelmente politizado, quero repassar aos meus leitores um episódio que ocorreu entre alguns macedônios , outros gregos e o aludido Alexandre, então todo poderoso e que decidiu implantar certas reverências entre os seus patrícios, além de dar sinais de querer coartar parte da liberdade aà qual, até então, os macedônios, ciosos da sua cidadania, estavam acostumados.

Conta PIERRE BRIANT (in Alexandre, o grande - L&PM Editores) alguns episódios que bem retratam o valor que os povo macedônio e grego davam à liberdade de expressão:

Durante um banquete realizado em Marakanda, por ocasião dos acampamentos de inverno de 328/327 a.C, após as vitórias obtidas em Sogdiana, uma violenta discussão opôs Alexnadre e seu velho companheiro Kleitos, dito "o Negro". Kleitos era íntimo do rei: ele era irmão da ama de leite real, e sempre combatera junto ao rei; depois da morte de Filotas, recebera, juntamente com Hefestião, o comando da cavalaria. Mas a cólera e o furor de Alexandre foram tamanhos que ele tranpassou Kleitos com um golpe de lança.
Os participantes do banquete parecem ter bebido demais; cessada a embriaguez com a morte de Kleitos, Alexandre se arrependeu da violência de seu gesto. Nada disso deve fazer com que se perca de vista o aspecto essencial, ou seja, a continuidade da oposição dos nobres macedônios contra um rei que se conduz cada vez menos como um dos seus.
As críticas que Kleitos fizera a Alexandre no decorrer do banquete demonstram , com efeito, que a execução de Filotas e o assassinato de Parmênio tinham escondido mas não destruído a oposição dos nobres macedônios (de alguns deles, ao menos) à evolução do poder real para a autocracia. Citando Eurípedes, Kleitos com efeito criticara veementemente Alexandre, que considerava as vitórias macedônias como suas próprias, esquecendo, portanto (voluntariamente) o papel de seu pai, Felipe, e de seus próprios generais: as vitórias pertencem a todos os macedônios e a glória não deve, pois, recair unicamente sobre o chefe. Kleitos expressava com isso, publicamente, o que Filotas, no dizer dos antigos autores, já dizia privadamente. Kleitos defendia também a imagem tradicional da realeza macedônia, que não era uma realeza pessoal, mas uma realeza contratual, regida pelos costumes.

Em suas relações com os macedônios, Alexandre devia respeitar certos costumes: não devia governar por ordens tirânicas, mas pela persuasão; em suas relações com o rei, os macedônios tinham direito à igualdade da palavra (isegoria).

Em suma, Kleitos criticava vivamente Alexandre por ele adotar cada vez mais a atitude de um monarca de tipo oriental e por desdenhar os costumes macedônios.

O último caso, o da prosquinese, explodiu em Báctria, em 327 a.C, algum tempo depois do casamento de Alexandre com Roxana.
Dessa vez, a oposição veio de Calistene, sobrinho de Aristóteles, que até então, no entanto, se mostrara um dos cortesãos mais diligentes de Alexandre. É preciso enfatizar que, sendo grego, Calistene expressou em voz alta o que muitos macedônios pensavam baixo.
Nessa data, portanto, Alexandre "ordenou que, exatamente como os persas, os macedônios o saudassem adorando-o e prostrados no chão". Segundo Quinto Cúrcio, essa iniciativa teria sido inspirada ao rei por seus cortesãos gregos. De fato, como nota Arriano, Alexandre não necessitava de ninguém para tomar tal medida que, veremos, não se revestia, de resto, do sentido que lhe atribuem os autores antigos.
Entre os persas, a genuflexão (prosquinese), ou mesmo a inclinação do busto, acompanhada de um gesto com a mão, era uma marca habitual de obediência em relação a um superior: os relevos de Persépolis descrevem bem as modalidades dessa homenagem ao Grande Rei. No gesto, os persas não reconheciam de forma alguma o caráter divino do rei uma vez que, muito ao contrário, o rei não era considerado um deus: ele não era senão o lugar-tenente sobre a terra de Ahura-Mazda.
Para os persas do círculo de Alexandre, o que eles lhes pedia não apresentava nehum caráter excepcional: todos aceitram naturalmente prestar a Alexandre as homenagens que tinham o hábito de prestar ao Grande Rei.

Em compensação, os gregos (e, portanto, os autores que nos falam disso) e os macedônios viam as coisas de uma maneira totalmente diversa, como expõe muito bem Calistene. Eles consideravam esse costume uma marca visível de "servilismo oriental": os gregos da Ásia Menor já tinham conhecido a humilhação de ter de consumar o rito da prosquinese diante dos altos oficiais persas; a obrigação imposta a todos de saudar o Grande Rei dessa maneira tinha também criado problemas de protocolo durante visita de embaixadores gregos à corte persa.

Calistene, aprovado por grandes chefes macedônios, recusou-se portanto a prestar uma homenagem que, dizia ele, era reservada aos deuses. Ele enfatizou também como Kleitos havia feito, que Alexandre, ao exigir o gesto violava a "lei não escrita" (nomos) dos macedônios, segundo a qual, nas suas relações com os macedônios, os reis devem governar "não pela força", mas de acordo com o nomos (Arriano, IV, 11,16).
O rei não perdoou: aproveitou a revelação de uma obscura e escabrosa "conspiração de pajens" para envolver (falsamente) Calistene: este foi preso e mantido durante vários anos a ferros, e talvez crucificado na Índia por ordem de Alexandre.

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O episódio serve para atestar que, quando um povo tem enraizada, na sua cultura política, forte noção de liberdade, não se submete, senão pela morte.

Os cidadãos dizem o que pensam, "na lata" dos poderosos, que eliminam seus corpos, mas não conseguem menosprezar sua altivez, sua dignidade, sua hombridade.

Os tiranos não dão jeito na liberdade de consciência, não conseguem calar as vozes que prezam a autonomia individual e da coletividade, senão valendo-se de fatais gestos de truculência e ferocidade.



Um comentário:

Meggasaber blog disse...

Interessante relato das histórias macedônios antigos