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terça-feira, 25 de maio de 2010

Crônica sobre Fernando Vallejo

Entre o ódio e o desprezo

23 October 2009 2 Comentários

Fernando Vallejo

Em A Virgem dos Sicários, Fernando Vallejo demonstra sua repulsa ao ser humano

Fernando Vallejo é um escritor colombiano famoso por suas declarações polêmicas. Recentemente, disse que Ingrid Bettancourt era uma das maiores pragas da Colômbia, ao lado da Igreja, de Álvaro Uribe e de Gabriel García Márquez. Como não bastasse, declarou que o vírus da AIDS não serviu para muita coisa, matou apenas 20 milhões de pessoas. A esperança, diz Vallejo, é o vírus ébola: “esse, sim, vai animar um pouco essa festa”. Sua metralhadora verbal tenta chocar os mais castos.

Vallejo parece nutrir um ódio generalizado. Vencedor do prêmio Rómulo Gallegos, em 2003, ele doou os cem mil dólares aos cachorros e gatos das ruas de Caracas. Será este, verdadeiramente, o menosprezo do autor para com a humanidade? No entanto, quando convidado para a FLIP (Festa Literária Internacional de Paraty), o autor não declinou e veio ao Brasil pronto a causar polêmica. Apenas os ingênuos embarcaram em sua fala vazia.

Nascido em 1942, em Medellín, tem uma biografia controversa. Vive no México desde 71 e há dois anos decidiu renunciar à cidadania colombiana e se naturalizou mexicano. Apesar disso, o tema em sua obra continua a ser seu país natal. Além de escritor – entre os livros publicados estão o ciclo El Río del Tiempo e O Despenhadeiro –, Vallejo é cineasta: dirigiu três filmes, todos sem repercussão alguma. Também adaptou A Virgem dos Sicários para o cinema em 2000. A longa teve a direção de Barbert Schroeder, que decidiu filmar com atores não-profissionais. Talvez a escolha por amadores tenha sido inspirada pela qualidade do livro.

Em A Virgem dos Sicários, publicado em 1994, estamos em um mundo em que “a morte anda mais rápido do que a informação”. A história se passa em Medellín, “a capital do ódio”, na Colômbia, “o país mais criminoso da Terra”. As qualificações são estas e o autor não poupa adjetivos para descrever seu ódio em relação ao povo colombiano, à Igreja Católica, a Deus, e a tudo mais que for indigno de sua compaixão – haverá compaixão em Fernando?

Até mesmo a história de amor com Alex, depois com Wílmar, parece excluir aquilo que Milan Kundera chamou de compaixão, “o sentimento supremo na hierarquia dos sentimentos”: o afeto é demonstrado apenas no sexo e nos assassinatos cometidos pelos sicários. As palavras são como balas para o narrador e ele as dispara com a mesma freqüência dos jovens assassinos. A diferença está na pontaria: Vallejo poderia aprender a acertar o alvo com os sicários que vagam por Medellín.

Se há algum fio narrativo, é justamente a história das relações amorosas de Fernando. Com seus sicários, assassinos adolescentes que agem a mando de alguém ou por conta própria, ele percorre as muitas igrejas de Medellín – íntimo das quase cento e cinqüenta que existem na cidade. E nesse percurso, tantas são as mortes que o narrador se insere nessa violência, nesse mundo onde o dinheiro tem mais valor do que a vida humana, que não vale nada: “Foi justo o que Alexis fez com esse último ‘empacotado’, o transeunte de boca suja? Claro que sim, eu aprovo! É preciso ensinar a tolerância a essa gentinha insolente, é preciso erradicar o ódio”.

Violência, pois, vai gerando violência e o narrador cada vez mais cínico, hediondo, não entra em crise de consciência jamais, porque os pecados são dos sicários, não dele. E a culpa é de Deus, óbvio, por permitir que seus filhos ajam assim. Chega a ser risível o fato de a orelha do livro comparar Vallejo a Lautréamont, um dos enfants terribles da literatura francesa, renovador da linguagem poética do século XIX. O segundo podia ser um adolescente – tinha 22 anos quando escreveu Os Cantos de Maldoror, mas sabia o que estava fazendo; o primeiro – para efeito de comparação, Vallejo tinha 52 anos quando lançou este livro – é um daqueles adolescentes chatos, que reclamam de tudo sem ter conhecimento efetivo de nada.

No plano de fundo, as comunas – favelas – são tratadas com repugnância por Fernando, por gerarem mais gente e conseqüentemente mais mortos. Nessa Colômbia caótica e infernal, degradada pela violência e governada pelas drogas, Fernando, um gramático, como Vallejo, mostra-se menos indiferente para com os animais do que para com os humanos. E se a ironia do narrador acerta aqui e ali – “É melhor dormir com tiroteio do que com temporal. A gente se sente tão protegido na cama…” –, falha ao generalizar, jamais restituindo um mínimo de humanidade que seja a qualquer personagem.

Se Vallejo nos brinda com ódio e rancor, por outro lado, em Diário de um Ano Ruim, de J. M. Coetzee, o narrador afirma que os clássicos devem ser lidos para “renovar nossa fé na humanidade, na continuidade da história humana” e termina exaltando Tolstói e Dostoiévski: “Com o exemplo deles somos artistas melhores; e com melhores não quero dizer mais hábeis, mas eticamente melhores”. Aí está uma lição que o autor de A Virgem dos Sicários não parece ter aprendido.

Fernando Vallejo é um escritor polêmico. Aquando da entrega do prêmio Rómulo Gallegos, Vallejo afirmou que “se Cristo é o paradigma do ser humano, a humanidade está perdida”. Bem, lendo seu livro, a impressão é a mesma: com Cristo, sem Cristo, nada poderá nos salvar da ignomínia e da desonra que é participar da humanidade. Quando A Virgem dos Sicários termina, a ironia de Fernando parece se apoderar um pouco do leitor, que poderia dizer tal qual o narrador: não sei se Vallejo me causa mais pena por ser polêmico ou por ser escritor. Talvez este seja o pecado dele: ser humano.

por Gabriel Innocentini



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