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quinta-feira, 1 de julho de 2010

A FIFA E NEGÓCIOS SUSPEITOS

A ficha deles não é limpa

01/07/2010 11:08:04

Paolo Manzo

Desde a presidência de João Havelange, a Fifa faz negócios suspeitos enquanto alega 'fair-play'

Os números nunca enganam. Pode-se até experimentar alterá-los, mas antes ou depois a realidade sempre aparece. E assim pode acontecer uma descoberta: o mundo dourado dos clubes de futebol não é tão dourado como parece, não apenas no Brasil, onde suas dificuldades financeiras há muito tempo não representam uma novidade, mas também na velha Europa.

Os clubes mais prestigiosos do Velho Mundo estão atolados em dívidas e envolvidos na desesperada procura de novas fontes de financiamento. De qualquer origem, mas que cheguem em tempos rápidos. O Manchester United, de Sir Alex Ferguson fica na liderança da classificação dos times à beira da falência, pela astronômica importância de 820 milhões de euros de dívidas. Na Espanha, o Real Madrid, conhecido pelas desvairadas aquisições de Florentino Perez, apresenta um déficit de 800 milhões de euros. Pouco melhor está o Barcelona, que deve a bancos e credores meio bilhão de euros.

Na Itália, os balanços da bola encontram-se em vermelho perene, a começar pela Internazionale de Milão, que, apesar de vencedor da Champions League, do Campeonato Italiano e da Copa Itália, encerrou o ano de 2009 com mais de 430 milhões de dívidas. De propriedade de Massino Moratti, que ganhou da família petroleira o brinquedo que o mantém longe dos negócios em proveito da tranquilidade dos parentes, o clube ainda conta com o apoio financeiro de Marco Tronchetti Provera, presidente da Pirelli e membro da Comissão de Administração da Inter. Já o magnata russo Roman Abramovitch teve de desembolsar 600 milhões de dólares para sustentar seu Chelsea em dificuldade. Mesma conversa em relação ao sultão da Itália, Silvio Berlusconi, que, para o seu Milan, hoje com 380 milhões de dívidas no lombo, paga de seu bolso para cobrir os buracos.

“O modelo do futebol inglês não funciona mais”, explica o diretor da McKinsley & Company, Alberto Marchi. Enquanto “a liga espanhola polarizou seu futebol entre dois grandes clubes, os dois atolados em dívidas, a França vai de mal a pior”. Os clubes da Primeira Divisão da Itália reúnem 1,8 bilhão de euros de dívidas e nos últimos dez anos sofreram perdas acima de 2 bilhões. O que provoca esse desastre contábil é quase exclusivamente o item “ordenados” dos jogadores. A média da incidência dessas retribuições para os vários Kakás, Cristianos Ronaldos e Drogbas sobre as despesas dos clubes europeus é de 65% e está em constante crescimento em relação às entradas.

Em alguns casos – e é o da Inter –, para cada euro que entra de várias formas (direitos de tevê, entradas para jogos, assinaturas e merchandising) 85 centavos de euros servem para pagar os ordenados de seu cast de jogadores. “O problema principal é que as remunerações dadas pelos clubes não são elásticas”, explica Marchi, “mas deveriam ser proporcionais aos resultados.” Difícil dizer por quanto tempo esta situação poderá permanecer, porque a crise econômica tem gravíssimos efeitos na Europa. Alguns presidentes magnatas começam a encontrar dificuldades, o primeiro deles Berlusconi, cujos filhos, que estão na chefia de seu império midiático, não escondem a preocupação diante das despreocupadas despesas paternas.

O modelo é aquele do Liverpool e Arsenal, outros dois top team que navegavam em águas financeiramente border-line,- para não sofrer o mesmo fim do Porth-smouth, finalista este ano da Copa da Inglaterra, mas rebaixado por causa da falência financeira, agarraram-se, como se fossem salva-vidas, a capitais exóticos que chegavam do Uzbequistão, Rússia, Emirados Árabes e até da África. Além do mais, como já diziam os latinos: Pecunia non olet, o dinheiro não tem cheiro.

Se as sociedades futebolísticas europeias passam por situações penosas, os donos do primeiro motor do futebol, ou seja, os chefões da Fifa, nunca foram tão ricos. Segundo a interpretação do jornalista investigativo britânico Andrew Jennings ( leia entrevista) a estrutura da Fifa é comparável àquela de uma organização mafiosa. “Quando se analisa a definição acadêmica do crime organizado, há sempre um líder forte, o compromisso de usar sistemas ilícitos e criminais para produzir dinheiro e uma forte proteção.” O líder forte antes era João Havelange e hoje é Joseph Blatter, que foi o melhor aluno do antecessor. O sistema de lavagem de dinheiro para dispensar propinas foi garantido pela ISL, explica Jennings, a sociedade que nos anos 90 geria marketing e direitos de tevê por conta da Fifa.

A única diferença é que a proteção aqui é diferente em relação à máfia tradicional. E para percebê-la é suficiente ver as fotografias de Blatter com Obama, Putin, Sarkozy, Angela Merkel, Gordon Brown etc. etc. A melhor proteção que qualquer mafioso gostaria de ter, enfim. Sabemos perfeitamente que se alguém paga propinas para corromper e em seguida é descoberto fica em maus lençóis. O mafioso não, porque tem a proteção. “Justamente por isso – diz Jennings –, ao constatar que os senhores da Fifa agem às soltas, eu vejo todos os elementos, no caso deles, para falar de uma organização criminal no sentido mais tradicional do termo. Estou escrevendo há anos isso, e até agora nunca ouvi nada por parte dos advogados da Fifa. Estranho, porque se trata de uma acusação bastante séria.”

De todo modo, os números falam, n-úmeros que despertariam a inveja de qualquer um. Pela primeira vez, a Fifa superou o bilhão de dólares de entradas em 2009. Um recorde absoluto e a demonstração de uma administração financeira “impecável” e “clarividente”, anotam os porta-vozes da Federação de Blatter. Recorde também quanto aos lucros, que chegam pela primeira vez a 169 milhões de euros. O business dourado da Fifa baseia-se quase que exclusivamente em dois itens do balanço: os patrocinadores dispostos a desembolsar importâncias milionárias para ver associado seu logotipo àquele das manifestações organizadas por Blatter, Mundiais em primeiro lugar, e os direitos televisivos.
Somente para os direitos do Sul da África 2010, os grandes networks da mídia mundial fizeram escorrer nos caixas da Fifa algo em torno de 2,5 bilhões de dólares, mais que o dobro do mundial alemão de quatro anos atrás. Um recorde absoluto. Um dos tantos. Enquanto a publicidade recua em todo o setor, o bando de Blatter concedeu-se o luxo de selecionar previamente as multinacionais da indústria desejosas de ascender à posição de sponsor oficial do Mundial sul-africano. Como? Simples, com uma entrada no mínimo de 125 milhões de dólares. Entre os patrocinadores que aparecem à beira dos gramados, ou com o logotipo oficial “South Africa 2010 Fifa World Cup”, incluídas as figurinhas Panini, ninguém desembolsou menos do que aquela importância.

O dinheiro enfim existe. Para o Mundial sul-africano, a Fifa já recebeu 3,4 bilhões de dólares entre direitos de transmissão e patrocinadores. Mundial no qual os times em disputa do título dividirão um prêmio de 240 milhões de dólares. Destes, 30 milhões caberão ao vencedor, 60% a mais de quanto foi colocado à disposição pela Fifa em 2006. Mesma conversa para a Champions League, cujo jogo final entre Inter-Bayern, em Munique, representou um giro de negócios igual a 351 milhões de dólares geridos pela Uefa.

Permanecem duas perguntas cruciais. O fair-play sustentado pela Fifa é mesmo fair? Se as dívidas dos clubes europeus se devem à incapacidade administrativa daqueles que os dirigem – salários altos demais e não proporcionais aos resultados, contratos a peso de ouro que não deram certo, ou seja, incapacidade em gerir os custos – o lucro recorde de Blatter & Cia. é mesmo devido exclusivamente às grandes capacidades empresariais do menagement Fifa?

Para responder à primeira pergunta seria aconselhável partir de uma frase, pronunciada há pouco tempo por Sepp Blatter: “Nunca corrompi, nunca fui corrompido e nunca o faria”. Uma afirmação que se tornou necessária pelo volume dos boatos de corrupção relacionados com a sua pessoa e com aquela de seu predecessor, Havelange, e acima de tudo a um processo que se deu na cidade suíça de Zug, em 2008, sobre a controvertida falência da ISL em 2001. As acusações da Justiça suí-ça em relação à Fifa eram de corrupção por meio de propinas milionárias destinadas a altos dirigentes do Comitê Olímpico Internacional (COI) e da própria Federação. Certo é que Blatter foi chamado para testemunhar e para pagar boa parte das despesas processuais. Certo ainda que a sentença do tribunal de Zug afirma textualmente: os altos dirigentes da Fifa “sabiam mais do que disseram aos investigadores”, seu comportamento “não foi sempre em boa-fé” e algumas de suas afirmações “não são críveis”.

Condenação não houve, entretanto. Pela legislação suíça da época, era possível pagar até 138 milhões de francos a altos dirigentes do mundo esportivo em consultorias, sem incorrer no crime de corrupção. Segundo Jennings, que assistiu por inteiro àquele processo, e do qual extrairia uma riquíssima documen-tação, as provas da corrupção dos dirigentes da Fifa, entre os quais Havelange e Teixeira por intermédio da ISL nos anos 90, são inequívocas. Depois da clamorosa falência da ISL, os negócios ligados à Copa do Mundo foram assumidos por outra misteriosa operação confiada à sociedade Match Hospitality AG, com domicílio, parece incrível, em Zug, na Suíça. A empresa conta entre seus acionistas a Infront Sports & Media AG, titular dos direitos televisivos da Fifa. E, como segunda casualidade, a Infront Sports & Media AG tem como diretor-geral Philippe Blatter, o adorado netinho de Sepp.

Fair-play financeiro-administrativo deveras surpreendente. Como surpreendente é a figura de Jack Warner, presidente da Confederação de Futebol da América do Norte Central e Caribe (Concacaf) e vice-presidente da Fifa, que mesmo representando a minúscula Trinidad e Tobago em cada apuração de reeleição, para fazer a diferença, traz numa bandeja de prata todos os votos da sua área para Blatter. Warner é um professor de história que com o futebol se tornou milionário. Acusado pela BBC de corrupção, segundo a empresa de auditoria Ernst & Young, movimentada pela mesma Fifa, ele e a sua família lucraram pelo menos 1 milhão de dólares revendendo a preços superfaturados uma avalanche de entradas para os jogos do Mundial 2006.

Logo após um jogo amistoso entre Escócia e Trinidad e Tobago, disputado em 2004, Warner pediu, felizmente em vão, um gordo cheque destinado a si mesmo a quase todos os dirigentes escoceses presentes, a começar pelo presidente da Federação Escocesa de Futebol (SFA), John McBeth, que, incrédulo, denunciou tudo em uma entrevista à BBC. Naturalmente, também Warner, como o netinho de Blatter, continua em seu lugar, e é um dos mais veementes defensores do fair-play made in Fifa.

“Blatter e a gangue que o apoia conhecem o preço de cada coisa e o valor de nada. O mesmo Blatter é um senhor ninguém que ocupa uma cadeira importante.” Não usa metáforas David Yallop, outro jornalista e escritor britânico, contatado por CartaCapital, autor de How They Stole The Game (Como Eles Roubam o Jogo), livro-denúncia escrito dez anos atrás que já acusava diretamente Blatter e a Fifa de corrupção, comparando-a, igual a Jennings, a uma organização mafiosa. “Desde então não mudou mesmo nada”, esclarece Yallop, “pelo contrário a situação piorou.”

O jornalista refere-se a um episódio da Copa Africana de Nações, em Angola, em janeiro passado. O ônibus que levava a delegação do Togo foi atacado por rebeldes. Resultado: um morto e uma dezena de feridos graves. Os jogadores foram ao enterro do companheiro falecido em vez de jogar. A Fifa suspendeu a Federação do Togo por quatro anos e Blatter cancelou a absurda decisão somente às vésperas da Copa. Comenta Yallop: “A enésima demonstração de que o futebol mundial está nas mãos da ralé”.

(Foto: Orlando Barria/Corbis/LtinStock)

Fonte: Revista CARTACAPITAL

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