Há vinte anos, a queda do Comunismo no Leste Europeu parecia provar o triunfo do capitalismo. Mas teria sido uma ilusão?
Os constantes choques no sistema financeiro
internacional nos últimos anos levou a BBC a perguntar a uma série de
especialistas se eles acham que o capitalismo ocidental fracassou.
O capitalismo fracassou?
Neste texto, José Antonio Ocampo,
colombiano, economista, ex-secretário-geral adjunto da ONU e
ex-secretário-executivo da Cepal, diz que o problema era a visão de que o
capitalismo tinha de ser um sistema não regulado:
O economista colombiano José Antonio
Ocampo, professor da Universidade de Columbia, em Nova York, não crê que
o capitalismo como modelo geral tenha fracassado. No entanto, em sua
opinião, o que se mostrou como fracasso foi a visão mais neoliberal do
capitalismo.
"O que fracassou foi a ideia de que o
capitalismo tinha de ser um sistema não regulado", diz Ocampo, que
trabalhou como secretário-geral adjunto da ONU para Assuntos Econômicos e
Sociais, além de secretário-executivo da Comissão Econômica para a
América Latina e o Caribe (Cepal).
"O capitalismo funciona bem quando faz parte de
um sistema social mais amplo. Mas quando se pretende que o mercado
esteja por cima das relações sociais ou políticas, o capitalismo falha",
afirma Ocampo.
"A visão neoliberal foi um grande equívoco de
todos os lados, que respondeu a interesses econômicos particulares
fortes, e não a uma agenda social sustentável, como foi demonstrado ao
fim no mundo em desenvolvimento, primeiramente, e no próprio mundo
industrializado, depois", diz.
"Hoje, na América Latina, por exemplo, temos um
capitalismo com muitíssimos mais graus de intervenção do que tínhamos
nos anos 1990", afirma o economista, que pesquisou a história econômica
da região e sustenta que a crise da dívida latino-americana e a crise
asiática levaram à volta das diversas formas de intervenção.
América Latina
"A América Latina é uma região dinâmica, mas não é um motor" -
José Antonio Ocampo
Ocampo diz que a crise teve um impacto muito
forte na América Latina, especialmente pela recessão de 2009. Mas, por
outro lado, ele afirma que a região saiu ganhando.
"Percebe-se os ganhos no fato de que não houve
crise financeira nacional em nenhum país, tampouco colapsos na balança
de pagamentos (embora na Venezuela tenha ocorrido algo parecido) e não
houve novos estouros inflacionários", diz.
Para o colombiano, a América Latina saiu da
recessão muito rapidamente. "Mas nisso creio que atuaram fatores
internacionais favoráveis, em particular dois", afirma.
"Primeiramente, que a crise foi contida pela
intervenção maciça dos bancos centrais e dos governos dos países
industrializados, assim que, em termos de seu impacto financeiro, a
crise durou somente um ano", diz.
"O segundo fator foi a recuperação muito rápida dos preços de produtos básicos, um processo que foi balizado pela China."
Assim sendo, essa recuperação ajudaria a
explicar por que alguns países em desenvolvimento, entre os quais o
Brasil, aparecem em uma posição tão forte, podendo inclusive ajudar
financeiramente a Europa?
Sobre isso, Ocampo tem uma visão que ele mesmo qualifica de "pessimista".
"A periferia adquiriu certos graus de autonomia,
mas esses graus são, no entanto, limitados. Em outras palavras, a
periferia não tem a capacidade de impulsionar a economia mundial
suficientemente quando as principais economias estão em crise. Isso é o
que estamos vendo agora", afirma o economista.
"A economia mundial está em vias de
reestruturação, mas hoje, e eu diria isso de forma categórica, não temos
uma autonomia total em relação ao mundo industrializado. A América
Latina é uma região dinâmica, mas não é um motor."
Mudanças
Para Ocampo, esse processo de reestruturação após a crise financeira teve pelo menos três consequências.
A primeira foi a ratificação de novos centros
econômicos importantes, notadamente a China, a quem qualifica, "sem a
menor dúvida, de motor da economia mundial".
A segunda é que, segundo Ocampo, as crises
proporcionam uma oportunidade para reforçar os trabalhos das
instituições financeiras internacionais. Nesse sentido, houve "mudanças
notáveis", de acordo com o colombiano.
"O FMI de hoje é muito diferente do de antes da
crise, e ainda que fale muito a fazer, creio que ele vá adiante. Os
bancos multilaterais de desenvolvimento foram apoiar os países em
desenvolvimento em proporções poucos esperadas antes da crise. E há um
novo impulso para algumas instituições regionais, como a Unasul", diz.
Finalmente, a volta a uma visão mais intervencionista não está ocorrendo em todo o mundo.
"O debate nos Estados Unidos é contrário à visão
intervencionista, e creio que vai fracassar, porque o capitalismo sem
uma boa intervenção do Estado não é um sistema suficientemente
sustentável."
Fonte: BBC
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