Pablo Uchoa
Mitt Romney tentará traduzir em votos encontro com principais lideranças israelenses
Após uma passagem polêmica pela Grã-Bretanha, o candidato republicano à presidência americana, Mitt Romney, começa neste domingo uma visita a Israel, como parte de um giro que busca mostrar as habilidades do aspirante à Casa Branca no terreno da política externa.
Depois de se envolver gratuitamente em uma polêmica sobre o preparo de Londres para receber os Jogos Olímpicos, o próximo desafio dele será tentar traduzir em votos o seu encontro com as principais lideranças políticas e de partidos israelenses.
A maior dificuldade para os republicanos é que a comunidade judaica dos EUA é considerada um reduto liberal tradicionalmente identificado com o Partido Democrata, do presidente Barack Obama. Nas eleições de 2008, Obama recebeu 80% do voto desse eleitorado.
Agora, defende um número crescente de intelectuais judeus americanos, a comunidade está se afastando do "discurso pró-guerra" de Israel – nas palavras de um analista –, o que tira ainda mais apelo da viagem de Romney.
"É muito improvável que Romney vá conseguir um apoio significante entre os eleitores judeus com essa viagem", disse à BBC Brasil o intelectual americano judeu Norman Finkelstein, para quem a atitude "pró-guerra" da liderança israelense está por trás desse descolamento.
"Por outro lado, é uma comunidade que contribui de maneira desproporcionalmente alta em eleições. Representa 2% da população americana, mas responde por cerca de 60% das doações para o Partido Democrata e de 25% a 30% para o caixa do Partido Republicano. É nisso que Romney está de olho."
'Descolamento'
A viagem do republicano põe lenha na fogueira do debate já existente sobre o apoio americano às ações de Israel no Oriente Médio.
Em um livro recém-lançado – Knowing Too Much: Why The American Jewish Romance With Israel Is Coming To An End ("Sabendo demais: Por que o romance judeu-americano com Israel está chegando ao fim", em tradução livre) – Finkelstein argumenta que hoje há muitas evidências de ações ilegais de Israel no Oriente Médio, o que deixa a comunidade judaica dos EUA cada vez menos inclinada a oferecer seu apoio incondicional para a liderança israelense.
"Não acho que seja uma mensagem difícil de entender. Há um sentimento disseminado entre os judeus americanos, por exemplo, de que os assentamentos (judeus na Cisjordânia) são ilegais. Há um vago mas existente apoio para que Israel regresse às fronteiras pré-1967", disse o intelectual.
"Precisamos achar algum tipo de solução (para o conflito no Oriente Médio) que passe por Israel se comportar de maneira normal, de acordo com a lei que todos conhecem."
O coro da insatisfação com a liderança israelense foi entoado pelo trabalho de Peter Beinart, The Crisis of Zionism (“A crise do zionismo”), lançado três meses atrás. Beinart expôs a tese de que o comportamento de Israel nas questões regionais está pondo a sua própria democracia em risco, e prejudicando os laços com os judeus liberais nos EUA.
Em menor ou maior grau, a ideia está presente em uma série de organizações judaicas americanas nascidas recentemente.
"Estamos atolados numa situação que não é sustentável", disse à BBC o diretor de uma delas – J Street – , Steven Krubiner. O grupo defende a criação de uma solução de paz que envolva a coexistência lado a lado de um Estado israelense e um Estado palestino.
"Do ponto de vista da segurança, se não chegarmos a uma solução de dois Estados urgentemente, Israel não vai sobreviver, ou pelo menos não como um Estado judeu democrático."
Linha-dura
O espelho do establishment israelense nos EUA é o Comitê Americano-Israelense de Assuntos Públicos (Aipac, na sigla em inglês), o lobby mais poderoso – e mais linha-dura – da comunidade em Washington.
Em março, durante o seu Congresso anual, a entidade recebeu tanto Obama quanto Romney, que, falando para aquela plateia, tiraram da cartola suas frases mais fortes.
À época, afloravam tensões por conta do programa nuclear iraniano e Obama fez um discurso fortemente centrado na cooperação militar americano-israelense. "Nos momentos mais arriscados", disse o presidente, "estarei vigiando as costas de Israel".
Romney, por sua vez, criticou o governo Obama, dizendo que "se distanciou de Israel e se aproximou visivelmente da causa palestina".
"Fortaleceu a causa palestina", disse Romney em tom acusador. "Como presidente, vou tratar nossos aliados e amigos como amigos e aliados."
Steven Krubiner, da J Street, reconhece que entidades como a Aipac ainda são as que mais influenciam o governo americano, sobretudo desde a virada para a direita do Congresso nas eleições legislativas de 2010.
Entretanto, pondera Krubiner, "há agora uma nova voz na comunidade pró-Israel que reflete uma opinião diferente".
"Ser pró-Israel não significa ser antipalestino", defende. "Apoiar o Estado, o povo e a democracia de Israel não significa dar apoio incondicional, que é o que a maioria das organizações faziam no passado. Antes só existia uma voz (na comunidade judaica americana), e essa voz estava representando mal a comunidade."
Lucro
A Conferência dos Presidentes das Maiores Organizações Judaicas Americanas, um guarda-chuva de entidades, reúne 54 organizações com diferentes bandeiras e planos de ação.
A variedade é tamanha que o debate às vezes sai do estritamente geopolítico e entra em temas que, para muitos críticos, pouco tem a ver com Israel.
Recentemente, por exemplo, a organização Liga Antidifamação (ADL, na sigla em inglês) foi criticada por se desviar do seu foco original – combater o preconceito contra judeus – e apoiar causas como o casamento entre pessoas do mesmo sexo e a legalização de imigrantes indocumentados.
Esses são temas em que as posições recentes do governo Obama irritaram a ala mais conservadora do eleitorado americano.
Seguindo a queda na aprovação do presidente entre a população geral – majoritariamente atribuída ao seu desempenho na economia –, o apoio de Obama na comunidade judaica caiu de 80% para cerca de 65%.
Para os partidários de Mitt Romney, no atual cenário de disputa apertada, qualquer voto tradicionalmente democrata que conseguir tirar do seu adversário será lucro.
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