Impunidade: Gigante da alimentação provoca rastro de sangue em trabalhadores
Um dos trabalhadores sofreu amputação da perna direita, além de um
corte nas costas e um enorme ferimento, que o rasgou da virilha até o
ânus, expondo suas vísceras. A empresa, que recebeu R$ 10 bi em dinheiro público, silencia
Saturnino teve a perna amputada. JBS Friboi se nega a pagar indenização. Foto: Leonardo Savero |
“A JBS TEM como missão ser a melhor em tudo o que se propõe a fazer”,
diz a página da “maior empresa em processamento de proteína animal do
mundo”. No entanto, será o crime uma missão da JBS Friboi? Esse é o
questionamento que se faz a essa empresa que recebeu R$ 10 bilhões de
dinheiro público do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES). São contundentes relatos de funcionários vitimados pela
superexploração, o ritmo intenso de trabalho e as longas e extenuantes
jornadas que multiplicam os acidentes de trabalho com lesões e
mutilações.
A multiplicação das denúncias e dos protestos vem forçando a Justiça, mesmo que ainda modestamente, a sair da letargia diante do rastro de sangue e dor deixado por essa gigante da alimentação.
A multiplicação das denúncias e dos protestos vem forçando a Justiça, mesmo que ainda modestamente, a sair da letargia diante do rastro de sangue e dor deixado por essa gigante da alimentação.
Sofrimento em carne e osso
Era o dia 12 de novembro de 2002, Saturnino Vogado tinha 24 anos. Estava no final do expediente, por volta de 15 horas e 45 minutos. Ele havia começado a trabalhar às seis da manhã. A máquina não devia estar ligada; mas estava e começou a puxar. “Levou a minha perna e o meu corpo para o meio das ferragens. Gritei para o meu amigo Jeferson, mas ele estava mais nervoso que eu, paralisado. Os supervisores não estavam acompanhando o nosso trabalho. Nós não sabíamos como fazer aquilo parar. Fraturou meu fêmur, esmagou o joelho, quase me partiu ao meio...”
Para
não ter de pagar a indenização pela irresponsável exposição do
funcionário e fugir das suas obrigações com a incapacitação permanente, a
JBS Friboi fez de tudo, denuncia Saturnino. “Inventaram que eu tinha
feito curso, presenciado palestras, que estava plenamente qualificado
para operar a máquina. Disseram até que eu era mecânico, embora não
passasse de auxiliar de frigorífico”. Além disso, conta, falaram para a
imprensa que o acidente havia sido com um caminhão, no embarque, e até
tentaram barrar a entrada dos bombeiros que vieram me socorrer. Buscavam
encobrir a verdade, não queriam que vissem o que realmente aconteceu”.
Ainda
muito novo, desconhecedor do sindicato e dos seus direitos,
Saturnino acabou sendo ludibriado pela JBS Friboi e pelo canto da sereia
da “responsabilidade social”.
Baixou a guarda e acabou sendo completamente driblado e goleado na
ação judicial que o condenou como culpado. Tudo o que aconteceu passou a
ser de sua única responsabilidade. Foi assim que ficou sem um centavo
para fazer frente à adversidade da vida de trabalhador pobre e mutilado,
morador da periferia. “Não ganhei nenhuma indenização da JBS Friboi,
nada, nadinha. Só de Deus: a vida, uma segunda chance de viver. Até para
me aposentar tive que entrar na Justiça. Saiu recém agora, no mês de
agosto”.
Além da amputação da perna direita, Saturnino sofreu um corte nas costas e um enorme ferimento, que o rasgou da virilha até o ânus, expondo suas vísceras, o que lhe obrigou a fazer uma colostomia. (Por meio de uma bolsa se faz a exteriorização do intestino grosso para a eliminação de gases ou fezes). E o tempo passou. Devido à “enrolação” do SUS (Sistema Único de Saúde) em Campo Grande (MS) e à completa falta de solidariedade da Friboi, a operação de reversão da colostomia não foi feita após os três meses do acidente, conforme inicialmente os médicos haviam apontado, mas somente cinco anos depois. Foram quase sessenta meses, longos e intermináveis.
“O SUS estava sempre cheio e a empresa vivia inventando desculpas, dizendo que não podia pagar pela cirurgia. Para fazer a reversão tive de ir de bicicleta, pedalando cerca de quinze quilômetros com a prótese e a bolsa de colostomia. Foi assim que consegui”, relata.
Pai de dois filhos, “se virando” para sobreviver com o salário mínimo que ganha do auxílio-doença, Saturnino fez adaptação numa moto para sair à busca de trabalho. Ele pinta portas e portões para tentar complementar o macérrimo orçamento.
Fazendo das tripas coração
Verônica Benitez trabalhava na triparia tirando o sebo com a tesoura
para cozinhar e embalar. “É questão de segundos e vai caindo tripa e
mais tripa, o que deixa muita gente doente pelo ritmo. Lá dizem haver 70
trabalhadores, mas se tem 40 é muito porque muitos acabam pegando
atestado por não suportar o ambiente ou estão encostados na Previdência.
E aí quem fica ali tem que dar conta do serviço todo e se arrebenta”,
explica.
Passados dois anos, adquiriu um edema, além de “bursite subacromial” e “tendinite do supraespinhal e subescapular” que a incapacitam para o trabalho. “Agora, a JBS diz não ter nada com isso. Mas não foi lá que adquiri as lesões? Se a gente chegava com atestado de 15 dias, tiravam dez e só davam cinco, com o médico da empresa remanejando de função, fazendo as pessoas trabalharem doentes. Então, de quem é a culpa?”, questiona a operária. Recebendo do INSS “auxílio-doença”, já que “a JBS tem como norma não reconhecer o acidente de trabalho”, Verônica vem pagando consultas e remédios do próprio bolso. “Não consigo tirar ou vestir a blusa, pentear o cabelo ou erguer o braço”, desabafa.
Elton Ferreira da Silva também tem recordações traumáticas de um período com excesso de pedidos de “mocotó”, “a pata da vaca”, explica. “Cheguei de manhã, normal. Foi tudo muito rápido. Quando vi já estava com o braço travado dentro da máquina, urrando de dor e pedindo socorro”. “O problema é que tinha uma aglomeração de gente na seção para tocar a produção – milhares de pés por dia. Tudo parecia pingue-pongue, com a gente cagando a alma pela pressão. E o meu braço ficou assim, cheio de pinos”, mostra. O braço engessado ainda dói. O operário deveria ter passado pela avaliação de um médico no dia 23 de agosto. Como não havia quem o atendesse no sistema público de Campo Grande e a JBS não deu qualquer apoio para amenizar o sofrimento numa clínica particular – inviável para quem ficou por conta do INSS – a consulta foi remarcada para o dia 20 de setembro.
O ajudante de produção Ronaldo Teixeira sente o estômago embrulhar toda vez que houve o nome da antiga firma, da qual foi demitido por justa causa, estando com a mulher grávida, por meio de uma grosseira armação. Ronaldo foi posto na rua quando retornou ao trabalho no frigorífico da JBS Friboi na capital do MS, depois de ter ganho ação contra a empresa de R$ 50 mil por danos morais e indenização trabalhista após acidente na linha de produção.
Conforme o laudo do Centro de Atendimento Médico e Pericial do Mato Grosso do Sul, o acidente no frigorífico provocou “anquilose de polegar direito, com deformidade importante decorrente de esmagamento de partes moles e ossos”. “As sequelas estão definitivamente instaladas, sem tratamentos que possam revertê- las”, acrescenta o documento, que assinala a “perda da capacidade de pinça” – já que é o dedo polegar o que faz o aperto, o que segura o punho.
Passados dois anos, adquiriu um edema, além de “bursite subacromial” e “tendinite do supraespinhal e subescapular” que a incapacitam para o trabalho. “Agora, a JBS diz não ter nada com isso. Mas não foi lá que adquiri as lesões? Se a gente chegava com atestado de 15 dias, tiravam dez e só davam cinco, com o médico da empresa remanejando de função, fazendo as pessoas trabalharem doentes. Então, de quem é a culpa?”, questiona a operária. Recebendo do INSS “auxílio-doença”, já que “a JBS tem como norma não reconhecer o acidente de trabalho”, Verônica vem pagando consultas e remédios do próprio bolso. “Não consigo tirar ou vestir a blusa, pentear o cabelo ou erguer o braço”, desabafa.
Elton Ferreira da Silva também tem recordações traumáticas de um período com excesso de pedidos de “mocotó”, “a pata da vaca”, explica. “Cheguei de manhã, normal. Foi tudo muito rápido. Quando vi já estava com o braço travado dentro da máquina, urrando de dor e pedindo socorro”. “O problema é que tinha uma aglomeração de gente na seção para tocar a produção – milhares de pés por dia. Tudo parecia pingue-pongue, com a gente cagando a alma pela pressão. E o meu braço ficou assim, cheio de pinos”, mostra. O braço engessado ainda dói. O operário deveria ter passado pela avaliação de um médico no dia 23 de agosto. Como não havia quem o atendesse no sistema público de Campo Grande e a JBS não deu qualquer apoio para amenizar o sofrimento numa clínica particular – inviável para quem ficou por conta do INSS – a consulta foi remarcada para o dia 20 de setembro.
O ajudante de produção Ronaldo Teixeira sente o estômago embrulhar toda vez que houve o nome da antiga firma, da qual foi demitido por justa causa, estando com a mulher grávida, por meio de uma grosseira armação. Ronaldo foi posto na rua quando retornou ao trabalho no frigorífico da JBS Friboi na capital do MS, depois de ter ganho ação contra a empresa de R$ 50 mil por danos morais e indenização trabalhista após acidente na linha de produção.
Conforme o laudo do Centro de Atendimento Médico e Pericial do Mato Grosso do Sul, o acidente no frigorífico provocou “anquilose de polegar direito, com deformidade importante decorrente de esmagamento de partes moles e ossos”. “As sequelas estão definitivamente instaladas, sem tratamentos que possam revertê- las”, acrescenta o documento, que assinala a “perda da capacidade de pinça” – já que é o dedo polegar o que faz o aperto, o que segura o punho.
Sérgio
Alfonso era “serra fita” – como são chamados os funcionários que seguram
a serra elétrica para dividir o boi ao meio – numa das unidades da JBS
Friboi na cidade.
“O acidente aconteceu na véspera do meu aniversário, no dia 25 de
julho de 2005. Quando coloquei a serra na carcaça do boi, a carretilha
que fecha as pernas do animal escapou do dente da nória (a correia que
transporta o gado pendurado), a fita de aço que garante o corte segurou
no osso. Como os dentes da nória estavam gastos, toda aquela carne
desengatou e me deu um tirambaço. Foi aí que perdi o movimento de três
dedos”.
A tragédia estava anunciada havia tempos. Os operários da seção, assim como Sérgio, já haviam alertado para o desgaste dos equipamentos e a urgência da manutenção. Acontecida a desgraça, recebeu os quinze dias da empresa pelo acidente de trabalho e “tchau e gracias”, nenhuma ajuda nas mais de cem sessões de fisioterapia, o que o obrigou a entrar na Justiça para garantir seus direitos.
A tragédia estava anunciada havia tempos. Os operários da seção, assim como Sérgio, já haviam alertado para o desgaste dos equipamentos e a urgência da manutenção. Acontecida a desgraça, recebeu os quinze dias da empresa pelo acidente de trabalho e “tchau e gracias”, nenhuma ajuda nas mais de cem sessões de fisioterapia, o que o obrigou a entrar na Justiça para garantir seus direitos.
Conforme alegou a JBS, a culpa era única e exclusivamente sua: “cortaram meu salário e até o sacolão de alimentos. Um ano e meio aguardando sem que a empresa ajudasse em nada”. Como a firma economiza com o trabalhador, mas não com bons advogados, recebeu uma indenização de apenas R$ 26 mil pela incapacitação permanente. Atualmente recebe R$ 460,00 da Previdência como auxílio-doença, cerca de metade do valor do salário de um serrafita com a sua experiência, que começava às 5h30 e não tinha hora para acabar. Como acontece ainda hoje.
Adulterando o local do crime
“O
fato é que quando o Ministério do Trabalho mandou um perito para
averiguar a situação no local, eles já haviam mudado os equipamentos.
Substituíram bem rapidinho por uns mais sofisticados. A serra elétrica,
por exemplo, só funciona agora quando estamos segurando os botões com as
duas mãos. Soltou um, ela já desliga automaticamente. Isso dá mais
segurança, principalmente numa ação rápida, que corta um boi pela metade
em menos de minuto”, explica Sérgio.
Vários operários ouvidos pela reportagem foram unânimes em denunciar que a JBS mascara as irregularidades praticadas em Campo Grande com uma equipe de ação rápida, principalmente em relação a condições de higiene, segurança e saúde. Assim que chega a fiscalização, “como o pátio é enorme e da portaria de entrada o fiscal sempre entra em contato com o departamento de Recursos Humanos (RH) e daí para a lavanderia”, trajeto que consome pelo menos uns 20 minutos, “fica fácil acomodar as coisas”. E da lavanderia são mais cinco minutos até a linha de produção. “Neste meio tempo entra em ação a ‘equipe estratégica’ para jatear o chão, fazer a limpeza rápida, diminuir a velocidade da nória, fazendo parecer que o ritmo de trabalho é outro e que tudo está nos padrões”.
Fonte: PRAGMATISMO POLÍTICO
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Vários operários ouvidos pela reportagem foram unânimes em denunciar que a JBS mascara as irregularidades praticadas em Campo Grande com uma equipe de ação rápida, principalmente em relação a condições de higiene, segurança e saúde. Assim que chega a fiscalização, “como o pátio é enorme e da portaria de entrada o fiscal sempre entra em contato com o departamento de Recursos Humanos (RH) e daí para a lavanderia”, trajeto que consome pelo menos uns 20 minutos, “fica fácil acomodar as coisas”. E da lavanderia são mais cinco minutos até a linha de produção. “Neste meio tempo entra em ação a ‘equipe estratégica’ para jatear o chão, fazer a limpeza rápida, diminuir a velocidade da nória, fazendo parecer que o ritmo de trabalho é outro e que tudo está nos padrões”.
Fonte: PRAGMATISMO POLÍTICO
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Um comentário:
Cara, sou funcionário do friboi e trabalho há mais de 4 anos nessa mesma empresa e semana passada levei uma suspensão de 3 dias por não conseguir mais bater a meta estipulada por eles que por sinal é muito abusiva.
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