Pesquisas indicam o aumento da migração religiosa entre os brasileiros, o surgimento dos evangélicos não praticantes e o crescimento dos adeptos ao islã
Rodrigo Cardoso
Fonte: Rev. ISTOÉ INDEPENDENTE
Conheça em vídeo a história de Silvio Garcia, que era pastor da igreja evangélica e hoje é pai de santo :
Acaba de nascer no País uma nova categoria religiosa, a dos evangélicos não praticantes. São os fiéis que creem, mas não pertencem a nenhuma denominação. O surgimento dela já era aguardado, uma vez que os católicos, ainda maioria, perdem espaço a cada ano para o conglomerado formado por protestantes históricos, pentecostais e neopentecostais. Sendo assim, é cada vez maior o número de brasileiros que nascem em berço evangélico – e, como muitos católicos, não praticam sua fé. Dados da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelaram, na semana passada, que evangélicos de origem que não mantêm vínculos com a crença saltaram, em seis anos, de insignificantes 0,7% para 2,9%. Em números absolutos, são quatro milhões de brasileiros a mais nessa condição. Essa é uma das constatações que estatísticos e pesquisadores estão produzindo recentemente, às quais ISTOÉ teve acesso, formando um novo panorama religioso no País.
Isso só é possível porque o universo espiritual está tomado por gente que constrói a sua fé sem seguir a cartilha de uma denominação. Se outrora o padre ou o pastor produziam sentido à vida das pessoas de muitas comunidades, atualmente celebridades, empresários e esportistas, só para citar três exemplos, dividem esse espaço com essas lideranças. Assim, muitas vezes, os fiéis interpretam a sua trajetória e o mundo que os cerca de uma maneira pessoal, sem se valer da orientação religiosa. Esse fenômeno, conhecido como secularização, revelou o enfraquecimento da transmissão das tradições, implicou a proliferação de igrejas e fez nascer a migração religiosa, uma prática presente até mesmo entre os que se dizem sem religião (ateus, agnósticos e os que creem em algo, mas não participam de nenhum grupo religioso). É muito provável, portanto, que os evangélicos pesquisados pelo IBGE que se disseram desvinculados da sua instituição estejam, como muitos brasileiros, experimentando outras crenças.
É cada vez maior a circulação de um fiel por diferentes denominações – ao mesmo tempo que decresce a lealdade a uma única instituição religiosa. Em 2006, um levantamento feito pelo Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais (Ceris) e organizado pela especialista em sociologia da religião Sílvia Fernandes, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), verificou que cerca de um quarto dos 2.870 entrevistados já havia trocado de crença. Outro estudo, do ano passado, produzido pela professora Sandra Duarte de Souza, de ciências sociais e religião da Universidade Metodista de São Paulo (Umesp), para seu trabalho de pós-doutorado na Universidade de Campinas (Unicamp), revelou que 53% das pessoas (o universo pesquisado foi de 433 evangélicos) já haviam participado de outros grupos religiosos.
Isso só é possível porque o universo espiritual está tomado por gente que constrói a sua fé sem seguir a cartilha de uma denominação. Se outrora o padre ou o pastor produziam sentido à vida das pessoas de muitas comunidades, atualmente celebridades, empresários e esportistas, só para citar três exemplos, dividem esse espaço com essas lideranças. Assim, muitas vezes, os fiéis interpretam a sua trajetória e o mundo que os cerca de uma maneira pessoal, sem se valer da orientação religiosa. Esse fenômeno, conhecido como secularização, revelou o enfraquecimento da transmissão das tradições, implicou a proliferação de igrejas e fez nascer a migração religiosa, uma prática presente até mesmo entre os que se dizem sem religião (ateus, agnósticos e os que creem em algo, mas não participam de nenhum grupo religioso). É muito provável, portanto, que os evangélicos pesquisados pelo IBGE que se disseram desvinculados da sua instituição estejam, como muitos brasileiros, experimentando outras crenças.
É cada vez maior a circulação de um fiel por diferentes denominações – ao mesmo tempo que decresce a lealdade a uma única instituição religiosa. Em 2006, um levantamento feito pelo Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais (Ceris) e organizado pela especialista em sociologia da religião Sílvia Fernandes, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), verificou que cerca de um quarto dos 2.870 entrevistados já havia trocado de crença. Outro estudo, do ano passado, produzido pela professora Sandra Duarte de Souza, de ciências sociais e religião da Universidade Metodista de São Paulo (Umesp), para seu trabalho de pós-doutorado na Universidade de Campinas (Unicamp), revelou que 53% das pessoas (o universo pesquisado foi de 433 evangélicos) já haviam participado de outros grupos religiosos.
ALÁ
Nogueira, muçulmano há um ano: no Rio, os convertidos
saltaram de 15% da comunidade para 85% em 12 anos
Em sua dissertação de mestrado sobre as motivações de gênero para o trânsito de pentecostais para igrejas metodistas, defendida na Umesp, a psicóloga Patrícia Cristina da Silva Souza Alves verificou, depois de entrevistar 193 protestantes históricos, que 16,5% eram oriundos de igrejas pentecostais. Essa proporção era de 0,6% (27 vezes menor) em 1998, como consta no artigo “Trânsito religioso no Brasil”, produzido pelos pesquisadores Paula Montero e Ronaldo de Almeida, do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). Para Patrícia, o momento econômico do Brasil, que registra baixos índices de desemprego e ascensão socioeconômica da população, reduz a necessidade da bênção material, um dos principais chamarizes de uma parcela do pentecostalismo. “Por outro lado, desperta o olhar para valores inerentes ao cristianismo, como a ética e a moral cristã, bastante difundidas entre os protestantes históricos”, afirma.
Em busca desses valores, o serralheiro paraibano Marcos Aurélio Barbosa, 37 anos, passou a frequentar a Igreja Metodista há um ano e meio. Segundo ele, nela o culto é ofertado a Deus e não aos fiéis, como acontecia na pentecostal Assembleia de Deus, a instituição da qual Barbosa foi devoto por 16 anos, sendo sete como presbítero. O serralheiro cumpria à risca os rígidos usos e costumes impostos pela denominação. “Eu não vestia bermuda nem dormia sem camisa, não tinha tevê em casa, não bebia vinho, não ia ao cinema nem à praia porque era pecado”, conta. Com o tempo, o paraibano passou a questionar essas proibições e acabou migrando. “Na Metodista encontrei um Deus que perdoa, não um justiceiro.”
AMÉM
É cada vez mais comum ex-pentecostais, como o atual metodista Barbosa,
que foi pastor da Assembleia de Deus (acima), aderirem às protestantes históricas
A teóloga Lídia sugere que os sistemas simbólicos das religiões evangélica e afro-brasileira têm favorecido a circulação de fiéis da primeira para a segunda. “Há uma singularidade de ritos, como o fenômeno do transe. Um dos entrevistados me disse que muito do que presenciava na Igreja Universal (do Reino de Deus) ele encontrou na umbanda”, diz. Em suas pesquisas, fiéis do sexo feminino foram as que mais cometeram infidelidade religiosa (67%). Os motivos que levam homens e mulheres a migrar de religião (leia quadro à pág. 60) foram investigados pela professora Sandra, da Umesp. Em outubro, suas conclusões serão publicadas em “Filosofia do Gênero em Face da Teologia: Espelho do Passado e do Presente em Perspectiva do Amanhã” (Editora Champanhat).
SALVAÇÃO
Homens pensam em si quando buscam uma nova crença:
Higuti, pastor da Bola de Neve, queria se livrar das drogas
Antes de se fixar na Bola de Neve, Higuti experimentou outras quatro denominações evangélicas. Mobilidades intraevangélicas como as dele ocorrem com aproximadamente 40% dos adeptos de igrejas pentecostais e neopentecostais, segundo a especialista em sociologia da religião Sílvia, da UFRRJ. Os neopentecostais, porém, possuem uma particularidade. Seus fiéis trocam de igreja como quem descarta uma roupa velha: porque ela não serve mais. São a homogeneização da oferta religiosa e a maior visibilidade de algumas denominações que produzem esse efeito. “Esse grupo, antigamente, era o tal receptor universal de fiéis, para onde iam todas as religiões. Hoje, a singularidade dele é o fato de receber membros de outras neopentecostais”, diz Sandra, da Umesp. “Quanto mais acirrada a concorrência, maior a migração.” A exposição na mídia, fundamentalmente na tevê, é a principal estratégia dos neopentecostais para roubar adeptos da concorrente direta. E cada vez mais as pessoas estabelecem uma relação utilitária com a religião. De acordo com a pesquisadora Sandra, se não há o retorno (material, na maioria das vezes), o fiel procura outra prestadora de serviço religioso. Estima-se, por exemplo, que 70% dos atuais adeptos da Igreja Mundial – uma dissidente da Universal – tenham migrado para lá vindos da denominação de Edir Macedo. “Entre os neopentecostais não se busca mais um líder religioso, mas um mago que resolva tudo num estalar de dedos”, diz Sandra. “Essa magia faz sucesso, mas tem vida curta, uma vez que o fiel se afasta, caso não encontre logo o que quer.”
SEM LAÇOS
Lucina não segue nenhum credo, mas quando quer alcançar uma graça
procura algum serviço religioso: 30% fazem o mesmo anualmente
A artesã não cultua santos, crê em Deus, Jesus Cristo e acende vela para anjos. No campo das ciências da religião, manifestações espirituais como as dela são recentes e vêm sendo tema de novos estudos. A migração de brasileiros para o islã é outro fenômeno que cresce no País. O número de convertidos na comunidade muçulmana do Rio de Janeiro, por exemplo, saltou de 15% em 1997 para 85% em 2009. Ex-umbandista que hoje atende por Ahmad Abdul-Haqq, o policial militar paulista Mario Alves da Silva Filho tem um inventário religioso de dar inveja. Batizado no catolicismo, aos 9 anos estreou na umbanda em uma gira de caboclo e baianos. Um ano depois, juntando moedas que ganhava dos pais, comprou seu primeiro livro, sobre bruxaria. Aos 14, passou a frequentar a Federação Espírita paulista, onde fez cursos para trabalhar com incorporações e psicografia. Aos 17 anos, trabalhou em ordens esotéricas ao mesmo tempo que dava expediente na umbanda. O policial, mestrando em sociologia da religião na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), decidiu se converter ao islã quando fazia um retiro de padres jesuítas. Em uma noite, sonhou com um árabe que o indicava o islã como resposta para suas dúvidas. Aos 29 anos, ele entrou em uma mesquita e disse que queria ser muçulmano. Saiu dela batizado e, desde então, faz cinco orações e repete frases do “Alcorão” diariamente. “Descobri que sou uma criatura de Deus e voltarei ao seio do Criador.”
MECA
Migração atípica: o policial Filho, de currículo
religioso extenso, trocou a umbanda pelo islã
Assistente financeiro, o paulista Luan Nogueira, 23 anos, tornou-se muçulmano há um ano. Por indicação de um amigo, passou a pesquisar o islã e descobriu que o discurso estigmatizado criado após o 11 de setembro, que relacionava a religião à intolerância e à violência, não era verdadeiro. “Encontrei na mesquita e no “Alcorão” a ética da boa conduta”, diz. “Me sinto mais próximo de Deus no islã.” Para o professor Frank Usarski, do Centro de Estudo de Religiões Alternativas de Origem Oriental, da PUC-SP, o atrativo do islã é o fato de não ter perdido, diferentemente de outras religiões, a competência da interpretação completa da vida. “Ele oferece um guarda-chuva de referências para esferas como economia e ciência”, diz Usarski.
ORIXÁS
Ex-liderança evangélica, Garcia largou os cultos cristãos (abaixo) para se tornar pai de santo
É cada vez mais comum, no País, fiéis rezando com a cartilha da autonomia religiosa. Esse chega para lá na fé institucionalizada tem conferido características mutantes na relação do brasileiro com o sagrado, defende a professora Sandra, de ciências sociais e religião da Umesp. “Deus é constituído de multiplicidade simbólica, é híbrido, pouco ortodoxo, redesenhado a lápis, cujos contornos podem ser apagados e refeitos de acordo com a novidade da próxima experiência.” Agora é o fiel quem quer empunhar a escrita de sua própria fé.
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