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segunda-feira, 28 de março de 2011

Genocídio do Araguaia: “Recebemos ordem para matar todos. E matamos"


Por Celso Lungaretti em 28/03/2011


“A ordem era atirar primeiro, perguntar depois”
Merece nosso reconhecimento a revelação, na edição dominical da Folha de S. Paulo (27/03), das diretrizes da Marinha ordenando a eliminação dos guerrilheiros do Araguaia.
Mas, justiça seja feita, foi a combativa revista IstoÉ quem primeiramente trouxe a comprovação irrefutável de que as Forças Armadas brasileiras haviam executado, de forma sistemática,  os guerrilheiros do Araguaia já rendidos, em sua edição nº 2036 (12/11/2008).
Tratou-se da reportagem A Tropa do Extermínio, baseada em documentos secretos fornecidos e entrevista concedida por José Vargas Jiménez — que, como sargento, participara da chamada Operação Marajoara.
Eis os trechos mais marcantes:
Pela primeira vez surge um documento do Exército brasileiro comprovando que os militares enfrentaram os militantes do PCdoB no Araguaia (1972/1975) com ordem para matar. Chamado de Normas Gerais de Ação – Plano de Captura e Destruição, o documento, de 5 de setembro de 1973, elaborado pelo Centro de Informação do Exército (CIEx), ao qual IstoÉteve acesso, relaciona os ‘terroristas traidores da nação’ que deveriam ser ‘destruídos’.
Em outubro de 1973, este documento estava na mochila do então 3º sargento José Vargas Jiménez, quando desembarcou de um avião militar Hércules C-130, na base militar de Marabá (PA), e subiu em um caminhão do Exército rumo ao quilômetro 68 da Rodovia Transamazônica para combater na Operação Marajoara – a terceira e derradeira fase da Guerrilha do Araguaia. O verbo ‘destruir’ redigido no documento, segundo Vargas, hoje 1º tenente da reserva, é um eufemismo para matar. ‘A ordem era exterminar’, afirmou Vargas à IstoÉ.
Os papéis agora revelados pelo tenente da reserva José Vargas Jiménez mostram como os militares montaram a Operação Marajoara para destruir totalmente os guerrilheiros do PCdoB no Araguaia.
Primeiro, eles prenderam e torturaram os camponeses que moravam nas diversas localidades relacionadas no documento. Com isso, reuniram informações e ‘ganharam’ apoio da população na luta contra os insurgentes.
O Vargas de 1973 e o documento
secreto que ele entregou à IstoÉ
A seguir, os militares entraram na mata sem uniforme para caçar e exterminar os comunistas.  (…) Primeiro foram mortos os comandantes da guerrilha.
Em 14 de outubro de 1973, os militares deram início ao que Vargas chama de ‘fase do extermínio’. No documento que o então sargento carregava, agora revelado por IstoÉ, está detalhado quem era quem no esquema insurgente. “Tínhamos um álbum de fotos, nomes e área (região) onde atuavam, além de seus destacamentos”, lembra o militar.
Chamado de Plano de Captura e Destruição, o relatório, na primeira página, identificava os grupos de guerrilheiros que deveriam ser abatidos, por prioridade. A chamada comissão militar da guerrilha deveria ser dizimada em primeiro lugar. ‘Eles eram prioridade 1′, diz Vargas.
Com a relação nas mãos, os militares se embrenharam na floresta e a matança começou. ‘Numa caminhada pela região de Caçador, encontrei três corpos de guerrilheiros abandonados na mata. Um deles era o André Grabois, filho de um dos líderes dos comunistas. Um outro, um mateiro, um de meus soldados decepou-lhe o dedo, tirou a carne, e colocou o osso num colar’, afirma o tenente da reserva.
Vargas também se recorda que em 24 de novembro, depois de um tiroteio, outros corpos foram abandonados. ‘Como não conseguimos identificar um deles, recebemos ordens pelo rádio para decapitar e cortar as mãos do inimigo, para identificação. Os outros corpos foram abandonados por lá. É claro que os animais os comeram. Nós não tínhamos obrigação de carregar corpo de guerrilheiro e nem de enterrá- los’, diz. Segundo Vargas, quando as fotos não eram suficientes para identificar os abatidos, suas cabeças e mãos eram cortadas para posterior reconhecimento na Base de Marabá.
O Vargas de 2008 ainda
justificava a tortura
No dia de Natal de 1973, um combate exterminou oito integrantes da comissão militar do PCdoB. (…) Um mês depois, em São Domingos das Latas, Vargas capturou  Piauí, como era conhecido o estudante de medicina Antônio de Pádua Costa. Piauí havia assumido o comando do principal destacamento dos guerrilheiros depois do massacre do Natal. ‘
Esse eu peguei na mão, depois de uma luta’, conta o militar. ‘Eu o entreguei vivo ao CIEx. Mas ele consta na lista de desaparecidos políticos’, afirma.
A caçada final aos comunistas começou em 1º de outubro de 1973. (…) A tropa de Vargas embarcou rumo a Bacaba, uma das duas bases militares na região, situada ao norte da área de combate, as margens da Transamazônica. A outra base militar era a de Xambioá, ao sul, próximo ao atual Estado do Tocantins. Partindo das duas bases, fizeram um cerco aos moradores e guerrilheiros.
Entrando de casa em casa, os militares colecionaram prisões de camponeses. (…) Nas bases militares, os camponeses eram submetidos a todo tipo de tortura. ‘Eles eram colocados descalços em pé em cima de latas, só se apoiando com um dedo na parede, tomavam telefones — tapas nos ouvidos — e choques elétricos’, conta o militar. “Prendi mais de 30″, contabiliza. “Um deles eu coloquei nu em um pau-de-arara, com o corpo lambuzado de açúcar, em cima de um formigueiro.
A crueza na descrição da carnificina prosseguiu na entrevista de Vargas, da qual constam estas outras  pérolas:
“A ordem era atirar primeiro, perguntar depois. Recebemos ordem para matar todos. E matamos. Se algum guerrilheiro sobreviveu à terceira fase, foi porque colaborou com a gente e ganhou uma nova identidade”.
A denúncia da IstoÉ foi lembrada em protesto
contra assassinatos do Morro da Providência
“Primeiro, prendemos todos os homens da região. Criamos um Grupo de Autodefesa , formado por moradores bem remunerados, que nos ajudavam entregando os comunistas. Depois que matamos os comandantes da guerrilha, os outros ficaram perambulando famintos pela selva. Numa tática de desmoralização, quando eles eram capturados, eles eram amarrados pelo pescoço e expostos pelas ruas dos vilarejos. (…) Desfilamos com o corpo de Oswaldão, o líder máximo deles, dependurado num helicóptero. Foi o fim do mito”.
“Torturar é normal numa guerra. Para obter informações, você tem que apelar, fazer uma tortura, senão o cara não conta. Não existe lei numa guerra. Você mata ou morre. A tortura nunca vai acabar. É assim que funciona”

Fonte: http://www.consciencia.net/ 

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