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quinta-feira, 31 de março de 2011

O VELHO FOGÃO A LENHA SOB FOGO CERRADO

Proteção climática através do cozimento inteligente

  

Fornos e fogões eficientes melhoram a vida da população nos países em desenvolvimento e ainda protegem o meio ambiente. A economia nas emissões carbônicas possibilita até mesmo ganhar dinheiro.

Seja na África ou na América do Sul, quando se trata do preparo de comida, frequentemente as famílias economicamente menos favorecidas enfrentam o mesmo problema: as cozinhas são equipadas com fogões à lenha ou improvisados, cuja fumaça é inalada pelos familiares sentados próximos ao fogo, enquanto a fuligem tinge as paredes de preto.
Em diversos lares, a cena se repete: as crianças tossem e as mulheres apresentam problemas respiratórios. Por serem elas, geralmente, as responsáveis pela comida, as mulheres acabam inalando ainda mais a fumaça vinda do forno e desenvolvem doenças como bronquite, asma ou mesmo câncer de pulmão. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, cerca de 1,5 milhão de pessoas morrem todos os anos em decorrência de doenças respiratórias ligadas à queima de lenha – a quantia supera, por exemplo, o número de vítimas da malária.

Círculo vicioso do fogo à lenha

Quase metade da população mundial – por volta de três bilhões de pessoas – utiliza resto de plantas, esterco, carvão vegetal e principalmente madeira como material de combustão para cozinhar. É um círculo vicioso, que prejudica tanto a economia quanto o meio ambiente. Começa com o desmatamento, necessário para a obtenção da lenha, por exemplo, e que implica o aumento da erosão. Desprotegidos, solos que até então eram férteis são danificados pela chuva e as plantações acabam prejudicadas.
A ausência de floresta causa alterações no clima, que se torna mais seco com tempo. Muitas das pessoas que cozinham da maneira convencional também estão em desvantagem, pois perdem tempo útil de trabalho para coletar a lenha – o que contribui para a miséria. E, para completar o cenário, a fumaça vinda dos fornos também polui o meio ambiente. Somente no setor doméstico, a queima da lenha é responsável por 17% das emissões globais de CO2. Esses são os problemas que levam os técnicos e profissionais de auxílio ao desenvolvimento a defender mundialmente o aumento do uso de fogões e fornos mais eficientes. "Eles são um fator chave para o desenvolvimento rural, pois reduzem a pobreza e as doenças, e preservam o clima", explica Verena Brinkmann, do Hera, programa da Sociedade Alemã de Cooperação Técnica (GTZ, do alemão) voltado à energia doméstica.
Num cenário familiar, a utilização otimizada de um fogão novo poderia diminuir pela metade a demanda por materiais de combustão e evitar a emissão de 1,5 tonelada de CO2 dentro do período de um ano.
Cozinhando com o "poupa-lenha"
Fogões e fornos eficientes são ainda mais fáceis de construir, garante Svane Bender, da Nabu, organização alemã de proteção à natureza, que prepara um projeto nesse âmbito para a Etiópia. "Essa é uma vantagem sobre os fogões solares, cujas peças frequentemente precisam ser importadas." Os mais diferentes modelos já estão em uso ao redor do mundo.
Tamanha variedade é justificada por fatores regionais distintos, como o tipo de combustível comumente utilizado ou a espécie de comida preparada na localidade, o que determina uma melhor aceitação do produto em cada mercado específico. "Os etíopes consomem um pão achatado e redondo, portanto, foi desenvolvido um fogão adequado para isso", conta Bender.
Em muitos projetos é possível aprender a construir os tais fogões, que normalmente são feitos de argila, metal ou tijolos. A sua eficiência é garantida por câmaras de combustão bem isoladas e, muitas vezes, também por uma proteção contra o vento, que mantém o ar frio longe da panela.

A maior parte dos fogões modernos encontra-se na China, onde o governo promoveu intensamente a disseminação dessa tecnologia ecológica. A situação é semelhante também na Índia. "Importante para se obter sucesso é o poder de compra. E isso existe nesses dois países emergentes, que estão em expansão", explica Brinkmann.
Porém, o setor de fogões eficientes tem progredido mesmo nos países em desenvolvimento – particularmente no leste da África. Assim como a Etiópia e o Quênia, Uganda é um bom exemplo de implementação da técnica. Meio milhão de lares do país já cozinham com o chamado "Rocket Stove", um fogão de cerâmica apelidado de "poupa-lenha" que quase não libera fumaça.
Uma tonelada de madeira é poupada por ano em cada casa que faz uso do modelo, indica a GTZ. A entidade forma, nos vilarejos de Uganda, profissionais capacitados para construir fogões eficientes. Sem esse tipo de envolvimento local, mesmo projetos bem-intencionados acabam fracassando com o tempo.
Preservação ambiental com lucros
Na América Latina, os aparatos modernos de cozinha também são cada vez mais importantes, especialmente na Bolívia e no Peru. O governo peruano, por exemplo, pretende equipar a população do país com 500 mil fogões eficientes. Para isso, o Estado conta com o auxílio de empresas como a Microsol, que podem lucrar com a iniciativa.
Tal vantagem só é possível graças ao Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), previsto nas diretrizes de proteção climática do Protocolo de Kyoto. O MDL permite que empresas sediadas nos países signatários, como a Microsol, obtenham créditos de emissão (carbônica) ao integrar projetos relacionados com a proteção do clima em países em desenvolvimento.
Tais créditos podem ser vendidos para outras empresas ou somados às suas próprias contagens de CO2, as quais eles se comprometem a reduzir. Os RCE (Redução Certificada de Emissões), como são chamados os créditos, são particularmente caros e disputados no caso de projetos classificados como “Padrão Ouro”. Ainda assim, muitas empresas optam justamente por esses, atraídas pela imagem positiva especial que o selo – bastante restrito – acarreta.

Em todo o mundo, até o momento, já estão registrados quatro projetos de fogões eficientes e outros 13 estão sendo examinados por entidades independentes, credenciadas pelo conselho executivo do MDL. No entanto, uma quantidade maior de projetos ainda é necessária, escreveu a GTZ, uma vez que os fogões eficientes até agora não obtiveram sucesso em termos de avanços globais. E os esforços não têm sido poucos: o método já foi incluído até nos planos da Organização das Nações Unidas.
No ano 2000, as Metas do Milênio divulgadas pela ONU definiam que a quantidade de pessoas adeptas dos métodos convencionais para cozinhar deveria ser reduzida pela metade até 2015. Para tanto, seriam necessários 500 mil novos fogões por dia – uma marca utópica. Ainda assim, os técnicos e profissionais de auxílio ao desenvolvimento mantêm esperanças: através de mecanismos como o MDL, eles acreditam que a tecnologia finalmente poderá dispor de uma soma significativa de investimentos privados, que contribuirão para uma disseminação massiva dos fogões eficientes.
"Agora nós estamos vendo, de fato, como o jovem mercado de MDL tem repercutido", diz Verena Brinkmann. "Já está evidente que ele abre um novo potencial de desenvolvimento para o fogão eficiente." Esse também é o objetivo da Aliança Global por Fogões Limpos, uma iniciativa público-privada lançada pela Fundação das Nações Unidas para promover 50 milhões de novos aparelhos nos próximos cinco anos.
Autor: Torsten Schäfer (mdm)
Revisão: Roselaine Wandscheer

Fonte: DEUTSCHE WELLE

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