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Advogado - Nascido em 1949, na Ilha de SC/BR - Ateu - Adepto do Humanismo e da Ecologia - Residente em Ratones - Florianópolis/SC/BR

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sábado, 26 de março de 2011

Questionado o dízimo: Igreja Universal condenada pelo TJ/RS por COAÇÃO MORAL - “A liberdade de aderir a uma religião não constitui salvo conduto para que as igrejas recebam dádivas vultuosas..”


RESPONSABILIDADE CIVIL. DOAÇÃO. COAÇÃO MORAL EXERCIDA POR DISCURSO RELIGIOSO. AMEAÇA DE MAL INJUSTO. PROMESSA DE GRAÇAS DIVINAS. CONDIÇAO PSIQUIÁTRICA PRÉ-EXISTENTE. COOPTAÇAO DA VONTADE. DANO MORAL CONFIGURADO. INDENIZAÇÃO ARBITRADA. 



1. ANÁLISE DO ARTIGO 152 DO CÓDIGO CIVIL. CRITÉRIOS PARA AVALIAR A COAÇÃO. A prova dos autos revelou que a autora estava passando por grandes dificuldades em sua vida afetiva (separação litigiosa), profissional (divisão da empresa que construiu junto com seu ex-marido), e psicológica (foi internada por surto maníaco, e diagnosticada com transtorno afetivo bipolar). Por conta disso, foi buscar orientação religiosa e espiritual junto à Igreja Universal do Reino de Deus. Apegou-se à vivência religiosa com fervor, comparecia diariamente aos cultos e participava de forma ativa da vida da Igreja. Ou seja, à vista dos critérios valorativos da coação, nos termos do art. 152 do Código Civil, ficou claramente demonstrada sua vulnerabilidade psicológica e emocional, criando um contexto de fragilidade que favoreceu a cooptação da vontade pelo discurso religioso. 



2. ANÁLISE DOS ARTIGOS 151 E 153 DO CÓDIGO CIVIL. PROVA DA COAÇÃO MORAL. Segundo consta da prova testemunhal e digital, a autora sofreu coação moral da Igreja que, mediante atuação de seus prepostos, desafiava os fiéis a fazerem doações, fazia promessa de graças divinas, e ameaçava-lhes de sofrer mal injusto caso não o fizessem. No caso dos autos, o ato ilícito praticado pela Igreja materializou-se no abuso de direito de obter doações, mediante coação moral. Assim agindo, violou os direitos da dignidade da autora e lhe casou danos morais. Compensação arbitrada em R$20.000,00 (vinte mil reais), à vista das circunstâncias do caso concreto. 

3. MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ AFASTADA. 

4. REDEFINIDA A SUCUMBÊNCIA. 


RECURSO DA AUTORA CONHECIDO EM PARTE, E NESSA PARTE, PROVIDO PARCIALMENTE. PREJUDICADO O RECURSO DA RÉ. UNÂNIME. 


Apelação Cível 


Nona Câmara Cível 

Nº 70039957287 


Comarca de Esteio 

SÍLVIA MASSULO VOLKWEIS 


APELANTE/RECORRIDO ADESIVO 

IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS 


RECORRENTE ADESIVO/APELADO 


ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos os autos. 

Acordam os Desembargadores integrantes da Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em conhecer em parte do recurso da autora, e nessa parte, dar parcial provimento e julgando prejudicado o recurso da ré. 

Custas na forma da lei. 

Participaram do julgamento, além da signatária (Presidente), os eminentes Senhores Des. Túlio de Oliveira Martins e Des. Leonel Pires Ohlweiler. 

Porto Alegre, 26 de janeiro de 2011. 

DES.ª IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA, 

Relatora. 



RELATÓRIO 

Des.ª Iris Helena Medeiros Nogueira (RELATORA) 

Adoto o relatório da sentença, aditando-o como segue. 



SÍLVIA MASSULO VOLKWEIS, qualificada nos autos, ajuizou Ação de Indenização contra IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS, também qualificada. Alegou que enfrentava uma crise conjugal, a qual culminou na sua separação, quando passou a frequentar a Igreja requerida. Disse que estava em tratamento psiquiátrico e que havia perdido seu juízo crítico, oportunidade em que foi ludibriada pelos prepostos da ré. Aduziu que todo o seu patrimônio foi revertido em doações mediante o uso de coação e a promessa de que seria “curada por Deus”. Asseverou que penhorou jóias e vendeu bens para contribuir com o dízimo e as “doações espontâneas”. Sustentou que hoje vive em situação de miserabilidade. Pretendeu a condenação da ré a indenizar o prejuízo material e moral, este a ser arbitrado em valor não inferior a 1.500 salários mínimos, bem como os lucros cessantes. Acostou documentos. 

Deferida a AJG. 

Citada, contestou a ré suscitando, preliminarmente, ilegitimidade passiva, falta de interesse processual e inépcia da inicial. Pugnou pela observância do ato jurídico perfeito, invocando o direito constitucional à liberdade de crença e apontando a ausência de vício de consentimento a ensejar a anulabilidade das pretensas doações. Salientou a inexistência de prova das doações e o não preenchimento dos requisitos da responsabilidade civil. Referiu que os pedidos de dano material e lucros cessantes não foram quantificados, reputando elevado o valor pretendido a título de danos morais. Postulou o acolhimento das preliminares e, alternativamente, a improcedência (fls. 100/147). Juntou documentos. 

Sobreveio réplica (fls. 166/170). 

Designada audiência de conciliação, a composição restou inexitosa. Rejeitadas as prefaciais de falta de interesse de agir e de inépcia da inicial, a ré interpôs agravo retido (fl. 178). 

Encaminhada a cópia do inquérito policial instaurado para apurar o crime em tese de estelionato supostamente praticado pela ré (fls. 196/253). 

A parte autora prestou depoimento pessoal (fls. 256/260) e foram inquiridas sete testemunhas (fls. 303/324, 360/361, 370/373, 381/390). Da oitiva do filho da autora, João Batista, a requerida interpôs agravo retido, o qual foi recebido e a decisão mantida. 

As partes juntaram documentos (fls. 392/407 e 409/414). 

A empresa RBS Telecomunicações encaminhou DVD contendo cópia da matéria jornalística que foi referida na ocorrência e no inquérito policial (fl. 422). 

Manifestaram-se as partes (fls. 424/435 e 436/437). 

Encerrada a instrução, as partes apresentaram memoriais reafirmando seus argumentos (fls. 440/441 e 442/455). 

Vieram os autos conclusos para sentença. 


A pretensão indenizatória foi julgada improcedente e ambas as partes recorreram. 

Recurso da Autora. 

Sustentou a reforma da sentença, sob os seguintes fundamentos: (1) a prova dos autos, particularmente a testemunhal, demonstrou sobejamente a coação moral exercida pela ré, cujo resultado foi a atual situação de dificuldades financeiras vivenciada pela autora; (2) o tipo de coação exercido pela Igreja ocorria nos cultos, quando o pastor provocava os fiéis a doarem tudo o que tinham e podiam para “alcançarem as graças” de Deus, sob pena de sofrer males injustos; (3) a miserabilidade atual da autora foi demonstrada a partir dos depoimentos das testemunhas que acompanharam a evolução de sua história junto à Igreja Universal. 

Afirmou que sua situação está infensa à regra do art. 548 do Código Civil de 2002, pois as doações realizadas esvaziaram seu patrimônio, não permanecendo bens de raiz nem rendas. Referiu que a “liberalidade” prejudicou a “renda suficiente para sua subsistência”. 

Salientou que vivia um momento crítico de sua vida quando foi procurar a Igreja, haja vista que seu casamento tinha acabado, sua parceria comercial foi desfeita, e ainda, fora internada por doença psiquiátrica. Nesse contexto, foi buscar na fé alento e uma motivação para a vida. 

Alegou não ser possível preservar a suposta liberalidade das doações porque, na realidade, houve abuso de direito por parte da Igreja, que se aproveitou de sua fragilidade emocional para extorqui-la, mediante coação moral. 

Requereu aplicação de pena de má-fé e o provimento do recurso. 

Recurso Adesivo da Ré. 

O recurso circunscreveu-se ao pedido de majoração da verba honorária. 

Contra-arrazoados, subiram os autos a essa Corte, e vieram conclusos para julgamento em 19.11.2010. 

É o relatório. 


VOTOS 

Des.ª Iris Helena Medeiros Nogueira (RELATORA) 

EMINENTES COLEGAS: cuida-se de examinar uma nova situação de responsabilidade civil. Trata-se de pedido de indenização por danos materiais e morais cuja causa de pedir baseia-se na alegação de coação moral exercida pela Igreja Universal do Reino de Deus contra uma de suas fiéis, aproveitando-se de sua fragilidade emocional e psicológica, sob ameaça de mal injusto, que acabou resultando na doação de boa parte de seu patrimônio. 


I - INOVAÇÃO RECURSAL. 

Inicialmente, considero importante fazer uma pequena distinção. É que da leitura da petição inicial e do apelo desenvolvidos pela autora, percebi que parte da argumentação contida no recurso não coincidia exatamente com àquela declinada na inicial. 

Com efeito, à fls. 463-5 do apelo, a autora argumentou sobre o vício de consentimento existente nos atos de doação, e requereu a decretação de nulidade desses negócios jurídicos de ofício (fl. 465). 

Porém, essa causa de pedir e pedido não integraram a inicial. São, em verdade, inovações recursais, que não podem ser enfrentadas pelo Tribunal, sob pena de ferir o princípio do duplo grau de jurisdição e as garantias do contraditório e da ampla defesa. 

Necessário sopesar que durante a instrução a ré não articulou defesa em face dessa causa de pedir, e sim, apenas quanto à alegação de prática de ato ilícito, consistente no abuso de direito por incentivar atos de doação mediante coação moral. 

Por isso, com base no § único do art. 264 do Código de Processo Civil (CPC), combinado com o disposto no art. 294 do mesmo diploma legal, não conheço do recurso nesse ponto. 


II – DA SECULARIDADE DO DÍZIMO. 

O dízimo é uma prática religiosa secular, há anos arraigada nos mais diversos sistemas religiosos. 

Consoante lição de Gustavo Castro Afonso e Pablo Ricardo Guimarães Teixeira[1], o termo dízimo é derivado do latim “decima”, que traz a ideia de décima parte, ou, como é geralmente conhecido, 10% (dez por cento). Em linhas bem gerais, cultiva-se a ideia de que o praticante desta ou daquela religião colabore com o respectivo templo religioso por meio da entrega, via de regra, da décima parte de seus rendimentos, ou, excepcionalmente, de qualquer quantia que o fiel se disponha ou possa ofertar. 

A propósito desse instituto religioso, o eminente Des. José Geraldo Jacobina Rabello, do Tribunal de Justiça de São Paulo, ao julgar caso análogo mencionou o seguinte: 


O dízimo é contribuição sagrada e benzida como ato de liberalidade em prol de uma causa sublime, até porque se acredita que as igrejas arrecadam para manter a continuidade dos cultos e assistir os pobres miseráveis, material e espiritualmente (Apelação Cível n. 273.753-4/8, julgada em 31/01/2008, 4ª Câmara de Direito Privado do TJSP). 


De onde concluímos que é possível considerar que na noção de dízimo estão incluídas as doações de quantia e bens realizadas pelos fiéis à Igreja onde professam sua fé, tratando-se, pois, de prática religiosa consagrada, a qual – quando exercitada espontaneamente pelos fiéis – merece tutela jurídica. 

Portanto, ao menos sob o ponto de vista do Direito em tese, trata-se de uma atividade não vedada pelo ordenamento jurídico brasileiro, e que, a priori, constitui exercício regular de direito, salvo prova de abuso (inciso II, art. 5º da Constituição Federal de 1988, combinado com o art. 188, inciso I, parte final, do Código Civil 2002). 


III - ENQUADRAMENTO JURÍDICO DA FIGURA DO DÍZIMO. 

O caso dos autos demanda a análise do instituto da doação, pois a base da causa de pedir repousa justamente na alegação de que as doações – dízimos - efetuadas em favor da ré estão inquinadas do vício de coação moral. 

A doação está disciplinada nos artigos 538 até 564 do Código Civil vigente (CC/02). Contudo, ao exame do caso, interessa especialmente o disposto no art. 538, CC/02: 


Art. 538 - Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra. 


À vista dessa regra, não tenho dúvidas de que o dízimo se enquadra tipicamente no instituto jurídico da doação, a par suas singularidades histórico-religiosas. 

É incontestável que a doação de parte dos rendimentos e/ou bens - feita pelos devotos ao templo pode ser aferida a partir do disposto no art. 538, CC/02, sendo usualmente feita de forma verbal, haja vista não ser comum a realização de contratos solenes para atos dessa natureza[2] (isto é doações religiosas). 

A principal característica do contrato de doação é o pressuposto da liberalidade. 

E é sob essa perspectiva que se devem avaliar os atos de doação praticados pela autora, pois ficando comprovada a coação moral alegada, o pressuposto da liberalidade sucumbe. 

A ideia de liberalidade significa que a pessoa doa porque quer doar (possui “animus donandi”), não existindo qualquer disposição expressa ou influência sobre sua vontade que lhe obrigue a tanto. 

Nesse sentido, como bem definiram Gustavo Castro Afonso e Pablo Ricardo Guimarães Teixeira, as doações religiosas são atos de disposição voluntária, praticados pelos fiéis, e voltados à colaboração com o templo religioso de que participam[3]

Dessarte, penso que o dízimo caracteriza uma doação pura, pois “consiste em mero benefício e na qual o devedor é movido pelo exclusivo espírito de liberalidade.”[4]

Contudo, muito embora a tônica da doação seja o espírito de liberalidade, a Lei não admite a doação patrimonial irrestrita. Por isso, impõe uma série de restrições legais ao instituto da doação, as quais são perfeitamente aplicáveis ao dízimo, “in verbis”: 


Parágrafo único, art. 541 - A doação verbal será válida, se, versando sobre bens móveis e de pequeno valor, se lhe seguir incontinenti a tradição. 


Art. 548 - É nula a doação de todos os bens sem reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência do doador. 


Art. 549 - Nula é também a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento. 


Com essas considerações, partimos ao exame do caso concreto. 


IV - DAS PREMISSAS SENTENCIAIS. 


O juízo sentenciante inicia o exame do caso a partir de duas premissas corretas. 

A primeira é a de que o Estado brasileiro é um Estado laico. Isto é, o constituinte originário reconheceu a separação entre Estado e Igreja, sob a forma de garantia da inviolabilidade de consciência e de crença. 

Aliás, isso está claramente garantido de várias maneiras, e em mais de um dispositivo da Constituição Federal: 


Art. 5º, inciso VI da CF - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; 


Art. 19 da CF - É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: 

Inciso I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, 


§ 1º, art. 210 da CF - O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental. 


A segunda é a de que, não obstante a garantia da inviolabilidade de crença e consciência, o Estado Brasileiro também garante aos seus cidadãos a inafastabilidade da Jurisdição. 


Art. 5º, Inciso XXXV da CF - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; 


De onde se conclui que os atos praticados pela Igreja não estão imunes ou isentos do controle jurisdicional. Nesse sentido: 


“A liberdade de aderir a uma religião não constitui salvo conduto para que as igrejas recebam dádivas vultuosas..” 


(Apelação Cível n. 273.753-4/8, julgada em 31/01/2008, 4ª Câmara de Direito Privado do TJSP). 



Na realidade, diante de questões como a representada nos autos, o grande desafio do Estado, na figura do Poder Judiciário, é identificar quando condutas individuais - praticadas no interior dos núcleos religiosos – se transformam em efetiva violação de outras garantias jurídico-constitucionais. 

Por isso estou destacando a adequação do enfoque declinado na decisão recorrida, particularmente quando diz ser inaceitável a situação de uma pessoa que, em situação de vulnerabilidade emocional, disponha de todo seu patrimônio disponível doando-o a uma entidade religiosa mediante verdadeira coação moral (verso da fl. 457). 

Assinalo que não comungo com o entendimento manifestado no precedente anexado pela ré à fls. 427-35, em que o juízo federal de São Paulo entendeu não caber ao “Estado analisar se a Igreja explora ou não seus fiéis” (fl. 433). 

É que não se pode desconsiderar que - assim como o Estado brasileiro garante a liberdade de crença e de consciência - ele também coíbe e tutela as figuras do abuso de direito e do enriquecimento sem causa. 

Além disso, não é justo e tampouco jurídico deixar de tutelar e proteger a conduta de pessoas vulneráveis que decidem desfazer-se de seu patrimônio, ao arrepio das restrições legais[5], acreditando na promessa de mal injusto e de bênçãos sagradas. Aliás, esse tipo de tutela jurídica não é novidade no Direito, haja vista a tutela dos bens do pródigo, por exemplo. 

Sendo assim, uma vez caracterizado que a conduta religiosa – na sua individualidade - subsumiu-se ao disposto nos arts. 187[6] e 884[7] do CC/02, torna-se imperativa a apreciação da questão pelo Poder Judiciário. 


V - DO CASO CONCRETO. 



Alega a autora que a Igreja Universal do Reino de Deus praticou ato ilícito porque, em momento de extrema fragilidade emocional e psicológica, exerceu coação moral sobre sua consciência, e induziu-a a efetuar doações patrimoniais relevantes, sob a promessa de graças Divinas e ameaças de mal injusto. Assim agindo, alega que a ré cometeu abuso de direito. 

A Igreja, em contrapartida, não nega categoricamente as doações feitas pela autora. Diz apenas que esse fato não está comprovado, argumenta sobre a secularidade da figura do “Dízimo”, e alega que se trata de exercício regular de direito. 

Eis os fatos. 

O juízo singular manifestou-se pela ausência de provas cabais sobre (1) a situação de vulnerabilidade emocional; (2) a situação de miséria da autora; e (3) a transferência de patrimônio para a Igreja. 

Todavia, não foi esse o sentimento que a leitura da prova dos autos provocou sobre meu convencimento. 

Com efeito, não obstante concorde com a abordagem inicial exposta na sentença, entendo que a valoração da prova conduz a solução diversa. 


VI - DA SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE EMOCIONAL E PSICOLÓGICA DA AUTORA. 


Nos termos do art. 152 do CC/02[8], consta que a valoração da coação demanda a análise da pessoa do coagido, bem assim de suas condições de vida. 

Deste modo, “in casu”, o exame da figura da doadora é de suma importância para efeitos de avaliar o ato ilícito imputado à ré, porque somente pessoas despidas da prudente reflexão sobre os riscos previsíveis de um ato de doação é que tipificam a hipótese dos autos. 

A autora foi casada por 23 (vinte e três) anos[9], e, juntamente com seu ex-marido, levava uma vida pródiga, pois mantinha um empreendimento comercial familiar bem sucedido (“Telas Gaúcha”). Porém, no ano de 2001, houve a separação do casal, que foi litigiosa. 

Presume-se, pela cronologia de eventos e leitura dos registros médicos de fls. 54-9, que a separação do casal acabou sendo definida pelo episódio psiquiátrico sofrido pela autora em 1999. 

Ocorre que, em dezembro de 1999, a autora esteve internada por conta de “crise maníaca com exposição social” devido a transtorno de humor (fl. 54). 

Na ficha de internação de fl. 54, consta CID – F312, que, segundo DSM-IV, significa: “Transtorno afetivo bipolar, episódio atual maníaco com sintomas psicóticos”. 

Por transtorno afetivo bipolar se entende - um transtorno caracterizado por dois ou mais episódios de alteração do humor onde o nível de atividade do sujeito está profundamente perturbado, sendo que este distúrbio consiste em algumas ocasiões de uma elevação patológica do humor e aumento da energia e da atividade (hipomania ou mania) e em outras, de um rebaixamento patológico do humor e de redução da energia e da atividade (depressão). Pacientes que sofrem somente de episódios repetidos de hipomania ou mania são classificados como bipolares[10]

O DSM-IV classifica o Transtorno Afetivo Bipolar em dois tipos: Bipolar I e Bipolar II. 

A característica essencial do Transtorno Bipolar I consiste em um curso clínico contendo registro de um ou mais episódios maníacos ou mistos. Já o Transtorno Bipolar II caracteriza-se por ter um curso clínico marcado pela ocorrência de um ou mais episódios depressivos maiores, acompanhados por pelo menos um episódio hipomaníaco[11]

De acordo com estudos psiquiátricos, estabeleceu-se que o portador de transtorno afetivo bipolar, quando está na fase maníaca, costuma adotar o seguinte padrão típico de comportamento: “a pessoa apresenta modificações na forma de pensar, agir e sentir, e vive num ritmo acelerado, assumindo comportamentos extravagantes como sair comprando compulsivamente tudo o que vê pela frente”[12]


Transtorno afetivo bipolar - TAB: É uma doença psiquiátrica caracterizada por alternância de fases de depressão e de hiperexcitabilidade. ...O termo mania é popularmente entendido como tendência a fazer várias vezes a mesma coisa. Mania em psiquiatria significa um estado exaltado de humor. 

Fase Maníaca: ... O estado de humor está elevado podendo isso significar uma alegria contagiante ou uma irritação agressiva. Junto a essa elevação encontram-se alguns outros sintomas como elevação da auto-estima, sentimentos de grandiosidade podendo chegar a manifestação delirante de grandeza considerando-se uma pessoa especial, dotada de poderes e capacidades únicas como telepáticas por exemplo. 

Aumento da atividade motora apresentando grande vigor físico e apesar disso com uma diminuição da necessidade de sono. O paciente apresenta uma forte pressão para falar ininterruptamente, as idéias correm rapidamente a ponto de não concluir o que começou e ficar sempre emendando uma idéia não concluída em outra sucessivamente: a isto denominamos fuga-de-idéias.. 

O paciente apresenta uma elevação da percepção de estímulos externos levando-o a distrair-se constantemente com pequenos ou insignificantes acontecimentos alheios à conversa em andamento. Aumento do interesse e da atividade sexual. 

Perda da consciência a respeito de sua própria condição patológica, tornando-se uma pessoa socialmente inconveniente ou insuportável.Envolvimento em atividades potencialmente perigosas sem manifestar preocupação com isso. 

Podem surgir sintomas psicóticos típicos da esquizofrenia o que não significa uma mudança de diagnóstico, mas mostra um quadro mais grave quando isso acontece. 





Essa, portanto, era a condição psiquiátrica da autora no final do ano de 1999, e, portanto, antes de sua separação em 2001. 

Ocorre que, com base nessa cronologia de fatos, o juízo singular entendeu inexistir liame entre as doações (alegadamente feitas pela autora) e sua participação nos cultos religiosos, fundamentando que a autora começou a freqüentar a igreja no ano de 2002, após ter alta da clínica psiquiátrica. 

Porém, não é essa a realidade dos autos. 

Destaco que na fl. 03, da petição inicial, a autora disse ter começado a participar dos cultos quando estava no auge de sua crise familiar, mas não houve indicação de uma data precisa – conforme definiu o juízo de primeiro grau. 

Já, no depoimento de fls. 257-60, a autora não soube dizer com certeza a data que começou a freqüentar os cultos, mas deixou claro que o início coincidiu com a época de sua separação (fl. 257). 

Portanto, segundo declaração da autora e à míngua de prova em contrário, deve se admitir que a autora se tornou fiel da Igreja Universal do Reino de Deus já no ano de 2001. 

Mais a mais, penso que as conseqüências de fatos dessa natureza – isto é, doença psiquiátrica, transtorno emocional por conta de separação litigiosa, rupturas emocionais, inauguração de nova fase de vida – não são estanques. Consabidamente trata-se de eventos humanos com efeitos prolongados, a variar de acordo com cada indivíduo. 

Por isso, não dá para afirmar imperativamente que tão-logo a autora saiu da internação (1999) já estava recuperada. Até mesmo porque o tipo de patologia apresentada por ela (transtorno bipolar) não tem cura e demanda tratamento e controle para o resto da vida. 

Equivocada também foi a valoração reduzida que o magistrado singular conferiu aos registros médicos acostados pela autora. 

Com efeito, afirmar que não houve o diagnóstico de patologia psiquiátrica diante do conteúdo da guia de internação da UNIMED de fl. 54, e demais registros de fls. 55-9, salvo melhor juízo, não representa a melhor interpretação da prova dos autos. 

A meu ver, o diagnóstico de doença psiquiátrica existiu, e foi introduzido nos autos pelos documentos de fls. 54-9, dando conta de que a autora sofre de transtorno afetivo bipolar com episódio maníaco – CID F312. 

Além disso, devo ressaltar que o transtorno afetivo bipolar (TAB) não é uma condição efêmera e transitória. Pelo contrário, trata-se de uma patologia psiquiátrica grave, que – uma vez diagnosticada – precisa ser tratada pelo resto da vida. 

Outrossim, mesmo que o paciente com TAB não apresente episódios maníacos ou depressivos, isso não significa que sua capacidade psíquica esteja íntegra. Ou seja, não é a presença/ausência de surtos maníacos-depressivos que impõem a redução do juízo crítico e do entendimento do paciente. 

É a doença por si. 

Malgrado há de se reconhecer que no auge das crises, a redução da capacidade de entendimento é muito maior. 

E a propósito do tema, saliento que – segundo atestado de fl. 203 -, antes do ano de 2007, a autora não estava tratando o TAB. Portanto, há mais um indicativo relevante a demonstrar que ela não estava com sua capacidade volitiva íntegra. 

Ainda é interessante assinalar que em 2007 o diagnóstico da autora indicava a fase depressiva da doença. E isso se constata a partir do atestado de fl. 203, porque a médica responsável pelo seu tratamento indicou como fundamento para o diagnóstico a classificação CID F33.2, que significa “Transtorno depressivo recorrente, episódio atual grave sem sintomas psicóticos”. 

Nesse contexto, tudo realmente leva a crer que a autora sofre de transtorno afetivo bipolar e na época em que foi procurar assistência religiosa estava afetada por essa condição psiquiátrica. Razão porque julgo incorreta a valoração feita pelo juízo singular, pois, à vista dos elementos de convicção contidos nos autos, entendo que ficou bem caracterizada a situação de vulnerabilidade psíquica e emocional da autora. 

Psíquica em face da presença de doença psiquiátrica hábil a afetar a voluntariedade da autora, mitigando sua capacidade de resistência e discernimento para fazer frente aos “apelos religiosos” da Igreja Universal[13]; e emocional pelo desfazimento do vínculo afetivo-conjugal de mais de vinte anos, que também significou o rompimento de parceria comercial bem sucedida. 

Também considero demonstrado que essa condição pessoal se fazia presente no momento em que a autora foi buscar orientação espiritual junto à ré, justamente porque a natureza do TAB, embora tratável, é perene. A propósito disso, a leitura do depoimento da autora é reveladora, pois a síntese autobiográfica fornecida por ela revela uma pessoa atormentada, e que foi procurar na Igreja um significado para sua vida. 

Esse depoimento revela ainda a total desorganização da autora, aspecto que também ficou nítido na confusa gestão patrimonial que efetuou sobre os bens que lhe competiram após a separação, e no fato de que ela não sabia explicar praticamente nada sobre seu dinheiro e patrimônio. Nesse sentido, também encontramos elementos de convicção nos relatos testemunhais de fls. 306-8, fls. 310-4, e fls. 315-23. 

Por esses fundamentos, considero demonstrada a vulnerabilidade pré-existente da autora, que lhe motivou buscar orientação religiosa junto à Igreja Universal do Reino de Deus, nos termos do art. 152, CC/02. 



VII - DA PROVA DAS DOAÇÕES. 


Da perda patrimonial. No tocante à prova da substancial perda patrimonial sofrida pela autora, temos os depoimentos e as declarações de imposto de renda. 

Inicio com o exame das declarações de imposto de renda que estão à fls. 21-32, e à fls. 282-92. 

Nas fls. 21-32, temos as declarações referentes aos exercícios do período de 2001 até 2006; e nas fls. 282-92, temos declarações referentes aos exercícios de 2007 e 2008. 


- Consta da declaração de renda de fl. 28, que entre 31.12.2001 e 31.12.2002, a autora teve um acréscimo patrimonial relevante de aproximadamente R$438.000,00, o qual coincide com a data de sua separação. 


- Consta da declaração de ajuste de fl. 24, que em 31.12.2002 e 31.12.2003, o patrimônio da autora era de R$462.000,00. 


- Consta da declaração de renda de fl. 31, que em 2004, seu patrimônio foi reduzido para R$456.000,00, e em 2005, houve nova redução para R$436.000,00. 


- Na declaração de fl. 285, observo que em 2006, a autora possuía patrimônio avaliado em R$154.000,00, e em 2007, um patrimônio de R$164.000,00. 


- Esse patrimônio de R$164.000,00, foi preservado no ano de 2008 (fl. 291). 


Com base no crescimento patrimonial de R$10.000,00 (dez mil reais), aferido no ano de 2007, e no fato de que nesse período a autora possuía R$100.000,00 (cem mil reais), em espécie, o magistrado corretamente afastou a alegação deduzida pela autora de que estava vivendo “na mais completa pobreza”. 

E de fato a tese de miserabilidade não ficou comprovada. 

Todavia, a redução substancial do patrimônio no período em que a autora estava participando dos cultos (2001-2007) ficou sobejamente caracterizada pelas declarações de imposto de renda e amparada pela prova testemunhal. 

Ademais, não causa estranheza a circunstância de a autora ter R$100.000,00 (cem mil reais) na sua conta corrente, que pode muito bem ser explicada pelas inúmeras vendas de bens efetuadas ao longo dos anos de 2001-2007, como se pode ver dos contratos de fls. 33-40. 

Parte do produto dessas vendas, ela alega ter doado à Igreja. 

Inconstestável, assim, a redução drástica de aproximadamente R$292.000,00 (duzentos e noventa e dois mil reais) em termos de “bens e direitos” – no patrimônio da autora durante o período em que ela freqüentou a Igreja. 

Da prova das doações. Então, uma vez reconhecida a perda substancial de patrimônio, torna-se necessário verificar se existe prova da transferência desses bens à Igreja. 

Para tanto, de grande valia é a prova testemunhal coligida durante a instrução. 


ADRIANE MARQUES VIANNA (fls. 306-10) – Foi ouvida como informante porque atualmente abriga a autora em sua casa de favor. 

Essa testemunha disse ter visto a decadência econômica e social da autora, uma vez que também freqüentava a Igreja Universal. 

Afirmou também saber das doações feitas pela autora a pedido do Padre Mandela, bem assim da depressão vivida pela autora após a separação. Mencionou, inclusive, o episódio da internação psiquiátrica e confirmou que a autora começou a freqüentar a Igreja após sua separação e referiu ter incentivado a busca da autora por orientação religiosa. 

De acordo com ADRIANE “quando ela saiu da Universal, ela já não tinha mais nada. Hoje ela não tem nada. Tanto é que ela passou dois meses morando comigo ali em casa. Cigarro, roupa pro filho dela ... Tudo fui eu que mantive até agora” (fl. 308). 

Embora reconhecer nunca tenha presenciado uma doação, ADRIANE foi convicta ao estabelecer que acompanhou a decadência da autora, e que antes dela freqüentar a Igreja nunca teve seu nome sujo na praça de Tramandaí, fato que, aliás, era comentado pela cidade. 


JOÃO BATISTA VOLKEIS PEREIRA (fls. 310-5) – é o filho da autora e também foi ouvido como informante. 

Foi chamado para falar sobre a situação financeira de seus pais, e, a respeito disso, declarou que seus pais montaram uma empresa chamada “Telas Gaúcha” que deu muito certo. Com a separação, a empresa se dividiu, e depois que sua mãe entrou para a Igreja, a situação se modificou drasticamente. 

Disse que sua mãe “entrou de cabeça” na vida religiosa porque estava afetada pela separação e pela doença psiquiátrica, a qual ele chamou de “depressão”. 

Afirmou que ela dava e deu para a Igreja tudo o que podia, a despeito das intervenções de seu ex-marido e de familiares. 

Mencionou “a gente ficou com uma casa que ficou na partilha do meu pai, ela que era do lado da empresa, na casa do lado da casa do meu pai, que é uma casa de fundos que ficou pra nós, que a gente foi pra lá por não conseguir saldar o apartamento em que a gente estava aqui no centro. A gente foi pra lá pelo fato de ela dar dinheiro todo para a Igreja.” (fl. 311). 

“A mãe vendia para doar dinheiro para a Igreja” (fl. 312). 

Referiu ter visto a mãe fazer as doações, bem como presenciou dois pastores (Vagner e André) e um fiel (Alexandre) indo a sua casa para buscar o dinheiro das doações. 

Disse que tiveram de viver de caridade da família e amigos, que lhes entregavam alimentação; e confirmou que atualmente viviam de favor na casa de amigos. 


MARIA JANICE DA SILVEIRA DIAS (fls. 315-23) – foi ouvida como informante por ter atendido autora numa sessão de terapia e por terem relação de amizade. 

Afirmou que se conheceram na Igreja, chamando-lhe atenção a assiduidade e a seriedade com que a autora seguia os cultos. 

Perguntada sobre as doações, disse: “Pois é isso que me chamava a atenção. É que ela tinha uma espécie de loucura em fé ... e em minha mente eu falava assim “meu Deus do Céu, que foi que essa pessoa está fazendo”. Mas outros também fazem” (fl. 317). 

Explicou que a igreja provocava subliminarmente os fiéis – inclusive naqueles de mente mais científicas com médicos e advogados – a fazerem as maiores loucuras durante a celebração do culto (fl. 318). 

Perguntada sobre o quis dizer sobre lavagem cerebral – explicou: “é como uma lavagem cerebral. Nós, enquanto fiéis da Igreja, nos somos levados à Fogueira Santa do Monte Sinais ou do monte que for, do Monte Moriá, a colocarmos seja o apartamento, seja o carro, ou, de preferência, vendo para trazer o dinheiro, ou passo direto para a Universal em cartório. E várias pessoas fizeram isso em Cartório, que eu sei, de apartamentos, carros. Mas, em geral, as pessoas vendem e dão no alforje o valor adquirido.” 

Perguntada sobre como funcionava a Fogueira Santa, referiu: “quando eu entrei parecia que era uma purificação a nível espiritual, de uma limpeza tanto na nossa menta, no nosso coração, na nossa alma e no nosso corpo físico. E, realmente, existe algo positivo sim. A gente se joga, a gente se lança nisso. Posso te dizer que estive bastante tempo lá dentro ... hoje estou na Igreja Mundial do Poder de Deus, que não tem fogueira santa.” ... 

“Tu vai e vende as tuas roupas, tu vende o que não tem, o que dá, vende suas roupas, tire tudo o que você tem e dê pra Deus, e coloca o dinheiro no alforje”. ... 

“Quanto mais tu te desfizeres, mais rápido e com certeza tu vais alcançar teu objetivo, que vai ser dado por Deus através do Espírito Santo, através de Jesus Cristo”. 

Expôs que sua vida “explodiu” depois que se juntou à Igreja Universal, por isso trocou de culto. 



A leitura dos relatos da autora e das testemunhas, em comparação com o que assistimos na prova digital - é extremamente crível e verossímil. 

Com base nesses relatos, na prova digital, na natureza dos fatos controvertidos e na “experiência comum subministrada pela observação do que ordinariamente acontece”[14] –, entendo que a autora logrou êxito em demonstrar que efetuou doações em favor da Igreja. Todavia, não se desincumbiu da provar que toda a redução patrimonial observada nas declarações de renda antes analisadas reverteu em benefício da ré. 

Dada a natureza do fato em exame, considero descomedido exigir da autora outro tipo de prova testemunhal que não sejam os relatos das pessoas próximas e que, de algum modo - seja por vínculo de amizade ou de caridade - se envolveram com sua a situação, e, em razão disso, tomaram conhecimento de sua condutas (no caso, as doações para a Igreja). 

Por outro lado, não acredito que a pessoa fanaticamente absorvida pelo exercício religioso vá expor as manifestações dessa fé para terceiros, particularmente as grandes doações de dinheiro, justamente para não ser contrariada ou sofrer alguma espécie de intervenção ou julgamentos. 

Daí porque não mitigo o valor dos depoimentos contidos nos autos pelo fato de as testemunhas terem sido ouvidas como informantes. 

Contudo, como também não há registro documental dessas doações, nem prova de que todos os bens que a autora perdeu ao longo dos anos em que freqüentou os cultos da ré foram efetivamente repassados para o patrimônio da Igreja Universal – julgo temerário acolher a pretensão de indenização por danos materiais deduzida por ela. 

Reconheço que se a autora tivesse declarado ao fisco todas as doações realizadas à Igreja, seria possível acolher sua pretensão de indenização por danos materiais, pois contaríamos com a prova material efetiva da transferência de patrimônio e dos valores repassados à Igreja. Do contrário, é de rigor a rejeição desse pedido. 

Entretanto, também reconheço que há prova nos autos capaz de conferir suporte fático a afirmação da autora de que efetuou doações de dinheiro em benefício da Igreja. 

O Poder Judiciário deve se ater a julgar fatos e atos devidamente provados. No caso dos autos, pelos relatos das testemunhas e indícios fortes e inequívocos do processo, presumo em favor da existência de doações feitas pela autora à Igreja, ainda que não seja possível aferir seu valor efetivo. 

E justifico essa posição por conta de outra característica peculiar do caso concreto, que também ficou bem delimitada na prova testemunhal, e que diz respeito ao modo como a Igreja conduzia seus fiéis a fazerem as doações. 

A esse respeito, três fatos importantes ficaram claros nos depoimentos testemunhais: 

1º. O “modus operandi” da Igreja. 

Via de regra, as doações para a Igreja Universal são feitas em dinheiro, que é colocado em envelopes, como aqueles que estão nas fls. 72-3, sem qualquer identificação, não obstante, também encontrarmos cobrança por boleto bancário como se pode ver do documento de fl. 71. 

2º Do conhecimento prévio dos pastores da Igreja sobre a vida pessoal de seus fiéis. 

A prova testemunhal revelou ser comum a realização de entrevistas pessoais conduzidas pelos Pastores logo que o fiel começava a freqüentar a Igreja, sendo que, nessas conversas, o fiel acabava expondo toda sua situação pessoal aos prepostos da Igreja, que passavam a ter um conhecimento abrangente sobre as condições desta pessoa. 

3º Da instigação ao ato de doar. 

Também havia uma espécie de “desafio” dos Pastores, representantes da Igreja, para que a pessoa doasse aquilo que podia (ou não), sob a promessa de graças e benesses divinas, e ameaças de mal injusto, sendo que esse apelo ainda era maior nos dias da “Fogueira Santa”

A propósito desses fatos, consigno que os depoimentos prestados pelos pastores que foram ouvidos em São Paulo (fls. 371-3, fls. 382-90), negando esse tipo de prática, não merecem crédito diante da realidade apresentada na prova digital. 

Aliás, basta assistir os cultos da Igreja Universal que são transmitidos em rede de TV aberta para se constatar que as práticas referidas pelas testemunhas da autora existem sim, e são largamente utilizadas pelos pastores da Igreja. 

De maneira que, o peso probante desses relatos é ínfimo diante da prova eletrônica acostada aos autos. 

Nesse cenário, considerando a maneira como a Igreja instituía as doações, cria-se um ônus probatório quase que intransponível para o fiel, no sentido de demonstrar o quanto ele efetivamente doou à Igreja. Daí porque, em casos como este, é necessário valorar a prova, sem rechaçar os sistemas de presunção legal e os indícios, sob pena de prejudicar a defesa de um direito legítimo. 

Por isso, estou reconhecendo como existente o fato de que autora doou bens à Igreja, ainda que ela não tenha conseguido provar o valor total das doações. Todavia, o pedido de danos materiais fica prejudicado. 



VIII – DA COAÇÃO MORAL. 



A coação moral está tutelada nos arts. 151 – 155 do Código Civil vigente. Porém, ao caso interessa apenas o disposto nos arts. 151, 152, e 153, do CC/02. 


Art. 151. A coação, para viciar a declaração da vontade, há de ser tal que incuta ao paciente fundado temor de dano iminente e considerável à sua pessoa, à sua família, ou aos seus bens. 


Art. 152. No apreciar a coação, ter-se-ão em conta o sexo, a idade, a condição, a saúde, o temperamento do paciente e todas as demais circunstâncias que possam influir na gravidade dela. 


Art. 153. Não se considera coação a ameaça do exercício normal de um direito, nem o simples temor reverencial. 


Contamos ainda com alguns conceitos de coação moral extraídos de doutrina abalizada[15]


MARCOS BERNARDES DE MELLO salienta que “por força da coação, há uma incoincidência entre a vontade exteriorizada e a vontade real. Não se pode, porém, dizer que fique excluída a possibilidade de decidir do coagido entre ceder à violência moral, praticando o ato que dele se quer extorquir, ou a ela resistir, sofrendo as suas conseqüências danosas. Por isso, coactus voluit, já diziam os romanos, reconhecendo, no entanto, que esse querer do coacto é malformado porque, se não chega a eliminar a liberdade de escolha entre fazer e não fazer (aí incluída a liberdade de dar ou não dar), a coação a limita, injustamente (=ilicitamente).” 


ARNALDO RIZZARDO define a coação como “a pressão física ou moral, ou o constrangimento que sofre uma pessoa, com o fim de ser obrigada a realizar um negócio. Causa a coação medo e temor, elementos que conduzem a praticar o negócio (...). Quem emite a declaração compulsivamente, sob coação, age em desacordo com a vontade, ou não procede livremente. Portanto, é este o vício de consentimento que diz com a liberdade da vontade.” 


CARLOS ROBERTO GONÇALVES diz que a coação “é o vício mais grave e profundo que pode afetar o negócio jurídico, mais até que o dolo, pois impede a livre manifestação da vontade, enquanto este incide sobre a inteligência da vítima.” 


Particularmente sobre a coação moral exercida pela Igreja, Gustavo de Castro Afonso e Pablo Ricardo Guimarães Teixeira afirmam que a possibilidade da ocorrência de coação na prestação do dízimo existe quando, por exemplo, o doador, premido pelo receio de sofrer as sanções religiosas peculiares de seu credo, pratica um ato que, não fosse a coação moral, não praticaria. Nesse caso, advertem os autores, a análise deve se circunscrever ao nível de influência que, via de regra, os donatários do dízimo exercem sobre o ânimo do doador, a tal ponto que o ato seja viciado, destacando, ainda, a linha tênue que separa a liberdade religiosa e a de disposição do indivíduo[16]

À luz dessas regras jurídicas e ensinamentos doutrinários, depreende-se nos relatos testemunhais a afirmação taxativa de que as doações não eram espontâneas, mas sim induzidas através de verdadeira “lavagem cerebral”, desafiando os fiéis a fazerem donativos superiores às suas capacidades econômicas, e ameaçando-lhes de que não seriam abençoados na “Fogueira Santa”, ou ainda, de que estariam “endemoniados”. 

Nesse contexto indago: Se as doações realmente fossem espontâneas, configurando típica liberalidade, como explicar a conduta desafiadora dos Pastores, que provocam os fiéis a doarem tudo o que têm e o que não têm para provarem sua fé?[17]

A propósito dessa afirmação, veja o que disse o Dr. Ricardo Torres Hermann ao julgar um caso análogo: 


A fé não pode ser medida pela quantidade de dinheiro que as pessoas contribuem para a Igreja, qualquer que seja ela. Justamente nesse ponto transparece clara a intenção de coagir os fiéis a fazerem algo que, de livre e espontânea vontade, não o fariam, não fosse o ardil empregado por alguns Pastores da ré, notadamente, àquele que levou o autor a se desfazer de seu automóvel em proveito da demandada[18]


Por conta desse tipo de condução religiosa, entendo facilmente constatável a divergência entre a manifestação de vontade e o íntimo querer do agente no momento da doação porque para mim ficou bem estabelecido que na realidade dos cultos da Igreja Universal muito dos fiéis doam bens (que até nem poderiam doar) pelo temor legítimo de sofrer algum mal injusto/etéreo, e pela promessa de graças divinas. 

E deste ônus a autora se desincumbiu com sucesso, demonstrando que apesar do consentimento externado nos atos de doação, restou ele deturpado pela coação moral e psicológica exercida pela Igreja e pelo temor de sofrer “castigos de Deus". 

Percebo que a autora não manifestou sua vontade forma natural porque sofreu interferência do discurso religioso, o qual, nesses anos todos de culto maníaco, adquiriu aptidão para lhe incutir temor legítimo de sofrer as conseqüências nefastas propaladas pelos Pastores. 

Em outras palavras, a autora foi coagida moralmente, e, por isso, não tinha condições de exercer seu livre arbítrio, nem de fazer frente à pressão incutida pelo discurso dos pastores porque possuía estava vulnerável e possuía condição psiquiátrica pré-existente capaz de mitigar sua voluntariedade. 

A violência psicológica é perigosa porque afeta a voluntariedade da pessoa de maneira mais forte e profunda que a física. E é daí que exsurge toda a sua potencialidade lesiva como componente capaz de anular por completo a sensatez e a voluntariedade de um indivíduo. 

No caso dos autos, a coação psicológica veio revestida pela fé e pelo discurso religioso, o qual, como bem assinalou a testemunha MARIA JANICE DA SILVEIRA DIAS (formada em neurolinguistica), tratava-se de um discurso com fortes mensagens subliminares, caracterizando uma situação de lavagem cerebral. 

Em face do exposto, reconheço que a autora efetuou doações relevantes favor da Igreja, assim como dou por demonstrada sua situação pessoal de vulnerabilidade psico-emocional, e julgo comprovado o exercício de coação moral perpetrado pela Igreja. 


IX - DO ATO ILÍCITO PRATICADO PELA IGREJA. 


O ato ilícito praticado pela ré materializou-se no exercício de coação moral exercida pelos prepostos da Igreja Universal com o fito de fazer a autora doar em seu favor por medo de sofrer castigos, tais como não entrar para o reino de Deus, não atingir a completa purificação, não obter sucesso na resolução de seus problemas. 

A autora doou porque teve medo. Nesse contexto, não se pode reconhecer que a conduta da Igreja ficou adstrita ao disposto no art. 153 CC/02, nem ao disposto no inciso II, parte final, do art. 188 do CC/02, porque a prova da coação moral muda a feição jurídica da cobrança do dízimo e o “desafio” dos fiéis a fazerem doações, transformando-os em atos ilícitos por abuso de direito – art. 187 do CC/02. 

HUMBERTO THEODORO JÚNIOR diferencia as figuras jurídicas do “exercício regular de direito[19]” e do “abuso de direito[20]”: 


A antijuridicidade não está, portanto, na ameaça em si, já que veicula a notícia de que o agente está disposto a exercer um direito que realmente lhe cabe. Está no modo com que o titular do direito ameaça utilizá-lo, transformando-o em meio de pressão para alcançar resultado objetivamente contrário ao direito ou à moral. O desvio do direito de sua natural função torna o seu exercício irregular ou anormal e, assim, a ameaça feita ao devedor, fora dos parâmetros de sua obrigação, se apresenta, sem dúvida como ‘ilícita’ ou ‘contra direito. 

(Comentários ao Novo Código Civil. Volume III, Tomo I. Forense. 2ª ed. Rio de Janeiro. 2003. Pág. 193.) 


E é por isso que estou votando pelo afastamento do pedido de danos materiais, uma vez que não houve a prova material do valor econômico efetivamente repassado a Igreja pelas doações, mas estou acolhendo o pedido de danos morais porque considero que doações ocorreram e foram realizadas mediante coação, consistindo abuso de direito e enriquecimento sem causa. 

Estimo que essa situação toda inegavelmente agravou a condição emocional da autora e – ao contrário da promessa religiosa, que não foi cumprida – a ação da Igreja significou um enorme prejuízo social, financeiro e afetivo, hábil a ferir seus direitos da personalidade. 

Daí exsurge a configuração dos danos morais. 

Ilustro o exame do caso com os seguintes precedentes semelhantes: 


Ressarcimento de danos - Autor que efetuou entrega de numerário para pastor de Igreja, sob a promessa desafie sua vida melhoraria - Provas a indicar induzimento em erro, nas circunstâncias - Devolução do quanto entregue ordenada - Ausência de provas para acolhimento do pedido de condenação em indenizar dano moral - Recurso parcialmente acolhido (TISP - Ap 252 381 4/6-00 - 4a Câmara de Direito Privado – Re. Des José Geraldo de Jacobina Rabello - J 02/08/2007 - Rcg 21/08/2007). 


O ato de liberalidade somente é legítimo quando isento de máculas, sendo que a mais tênue nódoa serve para lhe ensombrar as perspectivas sociais e jurídicas Nem mesmo a moral religiosa é cúmplice de gestos impensados e de doações imprudentes, sabido que o que é doado com peso de consciência nunca será magnânimo, ainda que destinado a custear serviços de benemerência ou capitalizar sacros ministérios (TJSP-Ap 310 6730-00-41 Câmara de Direito Privado –Rel. Des Énio Santarelli Zuliam - J 24/05/2007 - Reg 19/06/2007, pag 3). 



Nesse sentido, também trago jurisprudência do STJ. 

1. ... Cinge-se a controvérsia à pretensão da recorrente de afastar decisão que a condenou a devolver R$ 2.000,00, devidamente corrigidos, a título de danos materiais, e afastou o pedido de ressarcimento por danos morais. Sustenta a violação dos artigos 535, I e II; 128; 131; 458, II e III; 460; e 515, todos do Código de Processo Civil, e dos artigos 90, 159, 160, I e 1523, todos do Código Civil. É o relatório. Decido. 


2. Não há que se falar em violação ao art. 535 do Código de Processo Civil, pois o Eg. Tribunal a quo dirimiu as questões pertinentes, afigurando-se dispensável que venha a examinar uma a uma as alegações e fundamentos expendidos pelas partes. Além disso, basta ao órgão julgador que decline as razões jurídicas que embasaram a decisão, não sendo exigível que se reporte de modo específico a determinados preceitos legais. Outrossim, não pode prosperar a alegada violação dos demais artigos apontados. 


Ao apreciar a matéria o Tribunal de origem deixou registrado: "Embora a ré negue o fato e o cheque de fls. 11 efetivamente não indique que o depósito se deu na conta da Igreja, ficou comprovado, por meio dos depoimentos colhidos, que a quantia de dois mil reais reverteu em favor da apelada. As testemunhas Manoel e João, que acompanharam o autor, presenciaram a confirmação do recebimento dos cheques por parte do representante da Igreja. 


O autor se apresentava, na época dos fatos, com dezenove anos e a exercer funções de motorista. Disse que já sofria algum tipo de influência por parte da Igreja (fls 50), por meio de programas televisivos que assistia. 


Não seria possível se por em dúvida, dentro desse quadro em que se apresentava ele, por conseguinte, como pessoa de fácil cooptação, por meio de palavras e atos praticados por auto-intitulados pastores da Igreja, que o teriam induzido à prática de doação de numerário, com a promessa de que sua vida tomaria outro rumo, a partir dali. 


Não era de se pôr em dúvida também o argumento segundo o qual o pastor o aconselhara a vender o veiculo e a fazer um sacrifício, ou seja, entregar o produto da venda para a Igreja. Sabido, pela experiência comum e por presunção que atitudes como as retratadas nos autos acabam efetivamente por ocorrer e a prova colhida deu boa conta disso. 


O aconselhamento, da forma como se verificou, a repetir o que, como é público e notório se pode ouvir pela televisão, acabou por induzir o apelante, que vinha a sofrer algum tipo de influência, a praticar ato por ele efetivamente não desejado. Não seria aquela a conduta a se esperar por parte de alguém que se denomina pastor, senão apenas mera orientação espiritual. 



Pregação por desfazimento de patrimônio em troca de concessão multiplicada de bens materiais pela Providência pode estimular ao desdobramento no trabalho mas não garante que a promessa ou previsão venha a ocorrer. 


Como afirmado, João Fernandes confirmou sua presença, juntamente com o autor, na Igreja, ali o pastor reconheceu o recebimento dos cheques e devolveu um deles para o autor, no valor de R$ 600,00, que pendia de decurso de prazo para apresentação Manoel (fls. 92) afirmou também ter acompanhado Luciano na ida à Igreja e que um homem restituiu a ele um cheque Luciano lhe disse que, ao fazer a doação, acreditava que seus problemas todos seriam resolvidos. No direito penal, pessoas com essa personalidade são fáceis vítimas do que se chama de estelionato. 


No Direito, não se justifica enriquecimento sem causa de uma parte em desfavor de outra. A indução do autor em erro se revelou manifesta no caso, quer pelas condições em que se deu, quer pela extensão do risco a que se expôs. ... (AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1.076.386 - SP RELATOR: MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO, julgado em 10 de fevereiro de 2009 - grifei) 


Sendo assim, entendo configurados os pressupostos da conduta ilícita (abuso de direito, enriquecimento sem causa, e coação), do dano moral (violação de direito da personalidade), e nexo causal (liame lógico e dedutivo a partir dos elementos anteriores), razão porque acolho o pedido de danos morais e passo a arbitrar o valor da indenização. 


X – ARBITRAMENTO DOS DANOS MORAIS. 


Com efeito, a fixação do valor indenizatório deve-se sempre ponderar o ideal da reparação integral e o da devolução das partes ao status quo ante. Estes princípios encontram amparo legal no art. 944 do Código Civil de 2002, e no art. 6º, VI do Código do Consumidor. 

No que se refere aos danos morais, como não é possível proceder-se à restitutio in integrum - em razão da impossibilidade material da reposição, existe a necessidade de se transmudar a natureza da obrigação indenizatória, que deixará de ser uma obrigação de reparar, para se assumir feições de uma obrigação de compensar. 

A doutrina e a jurisprudência atribuem a complexa e multifacetária tarefa ao prudente arbítrio judicial (vide REsp nº 108155/RJ, Rel. Min Waldemar Zveiter, j. em 04.12.97, publicado no DJU de 30.3.98, Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça), e também fornecem subsídios para que se proceda a fixação do montante indenizatório. 

Quanto aos critérios objetivos para a fixação do montante indenizatório, infelizmente, o sistema legal pátrio não possui cláusulas legais expressas, hábeis a auxiliar o magistrado a cumprir esta árdua tarefa. Assim, os operadores de direito necessitam lançar mão da regra geral do arbitramento, prevista no art. 1.553 do CC/1916. 

O valor da indenização precisa atender determinados vetores, que dizem respeito à pessoa do ofendido e do ofensor, partindo-se do padrão sócio-cultural da vítima, avaliando-se a extensão da lesão ao direito, a intensidade do sofrimento, a duração do constrangimento, as condições econômicas do ofendido e as do ofensor, e a suportabilidade do encargo fixado. Deve-se, ainda, valorar a gravidade do dano e o caráter pedagógico-punitivo da medida. 

Todavia, a real dimensão externa da ingerência do ato lesivo no âmbito psicológico da vítima é que deflagrará o quantum indenizatório devido. Para tanto, temos de sopesar que, nesta esfera eminentemente subjetiva, existe a interferência direta do meio social, dos sujeitos envolvidos, das especificidades do objeto, o lugar, o tempo, e, finalmente, os efeitos jurídico-econômicos da indenização imposta. 

No caso dos autos, penso que o valor de R$20.000,00 (vinte mil reais), seja a quantia suficiente e adequada a compensar o sofrimento emocional causado pela ré à autora. 


XI - DA PENA DE MÁ-FÉ. 


Não merece acolhimento o pedido de aplicação das penas de litigância por má fé porque a autora não comprovou os pressupostos legais necessários, consoante arts. 16 e 17 do Código de Processo Civil. 


XII - DO PEDIDO DE MAJORAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA. 


O recuso da ré não prospera porque diante do acolhimento parcial da pretensão indenizatória da autora, impõe-se redefinir todo o ônus da sucumbência. Assim, fica prejudicado o recurso da ré. 


DISPOSITIVO. 


Pelo exposto, CONHEÇO EM PARTE DO RECURSO da autora, e, nessa parte, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao apelo, ao efeito de condenar a requerida ao pagamento de R$20.000,00 (vinte mil reais), a título de compensação por danos morais, em favor da autora, que deverão ser acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, e correção monetária pelo IGP-M, ambos a contar da data desse Acórdão. 

JULGO PREJUDICADO O APELO DA RÉ. 

Diante do novo resultado, necessário redefinir a sucumbência. 

Considerando que a autora efetuou dois pedidos (danos materiais e morais), e ganhou somente um, divido o pagamento das custas pela metade entre as partes, nos termos do art. 21 do CPC. 

Então a ré deverá pagar os honorários advocatícios do procurador da autora, que fixo em R$2.000,00 (dois mil reais), e a autora pagará ao advogado da ré, honorários de R$1.000,00 (um mil reais), cuja exigência fica suspensa porque a requerente litiga ao abrigo da assistência judiciária gratuita. 

É o voto. 


Des. Leonel Pires Ohlweiler (REVISOR) 


Senhora Presidente, Desembargador Túlio, esta questão que estamos julgando hoje realmente não é, até pelo precedente do Superior Tribunal de Justiça referido, absolutamente inédita, mas é uma questão extremamente controvertida e interessante. Confesso aos colegas. Quando comecei a revisão deste processo, a minha decisão foi fruto de uma profunda meditação sobre o tema pelo caráter, para nós, ao menos aqui, inédito e pela complexidade. 


A primeira imagem, a primeira compreensão que surgiu foi a de que, se vivemos em um Estado laico, qual o papel do Estado em fazer esse tipo de ingerência na liberdade religiosa? No entanto, meditando sobre a questão, cada vez mais me convenço que não há instituição no Brasil, seja ela civil, militar, benemerente, religiosa, imune à eficácia da nossa Constituição e de um elemento que para mim é muito caro na Constituição Federal: o Estado Democrático de Direito. Portanto, mesmo instituições como a ré também estão submetidas ao nosso texto constitucional, no qual consta, por exemplo, no art. 1º, inc. III, o princípio da dignidade da pessoa humana, e, no art. 3º, uma série de objetivos da sociedade que devem ser alcançados por todos, seja Poder Público ou instituição de caráter religioso. 


São históricas as razões pelas quais houve a separação entre Estado e Igreja, exatamente pela ingerência da Igreja nos assuntos de Estado, nos assuntos relacionados com os cidadãos. Isso que foi relatado neste processo seria motivo suficiente para uma atuação do Estado nos assuntos da Igreja? 


Penso que sim, porque, quando os cidadãos do Estado brasileiro são atingidos em qualquer dos seus bens jurídicos constitucionais, é um assunto de Estado, é um assunto constitucional. Portanto, quando o art. 5º, inc. VI, Constituição Federal, referido no projeto, fala que é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias, há um direito fundamental, uma garantia fundamental, que se dirige não apenas para o Estado respeitar os seus cidadãos, mas também deve ser aplicado nas relações entre particulares, nas quais as instituições religiosas se encontram. 


Com efeito, entendo que – e parabenizo o voto da Relatora – a inviolabilidade de crença aqui foi olvidada, pois a ré não respeitou a liberdade de crença da autora, impondo-lhe uma condição de fé quando estava comprovadamente fragilizada pela doença psiquiátrica. Então, se temos um direito fundamental que foi violado, que é um bem jurídico de caráter constitucional, a indenização, seja por danos materiais ou morais, é consequência lógica. 


Com relação à prova dos autos, li atentamente o feito e o projeto de Vossa Excelência, Senhora Presidente, e também verifiquei a ocorrência do abuso de direito. O que quero dizer com isto? Não há a menor dúvida, como referi, que a Igreja Universal tem a liberdade de culto, a liberdade de religião, desde que não sejam violadas regras e princípios constitucionais e do Código Civil. E, no Código Civil, que é uma legislação com uma forte dimensão protetiva, temos a normatização quanto à manifestação de vontade e a proibição do exercício abusivo dos direitos. 


Qualquer cidadão deste País pode exercer os seus direitos desde que não seja de forma abusiva. À voz corrente, como, inclusive, consta no projeto, e basta fazer uma pesquisa na Internet, basta assistir a canais de televisão em que cultos religiosos são veiculados, verificamos - e isto é um fato notório - a tentativa de atingir aquilo que muitas vezes é mais sagrado para o cidadão, a sua dimensão psicológica. Então, ressaltei no início do meu voto, o caráter inusitado deste feito, porque é a primeira vez que verifico essa materialização em um processo e entendo, como Vossa Excelência, realmente está perfeitamente identificada a figura do abuso de direito. 

Também destaco, pois foi referido da tribuna, não visualizo qualquer má-fé da autora, mas, sim, a coragem de uma cidadã que ousou ir contra a Igreja Universal do Reino de Deus. Não é um tipo de demanda muito comum, porque sabemos muitas vezes das consequências aos cidadãos que a enfrentam na sua comunidade, e ela teve a coragem de dizer que isto está errado. 


Portanto, Senhora Presidente, parabenizo mais uma vez pela precisão da análise, pelo caráter da decisão que Vossa Excelência está proferindo e estou de pleno acordo. 


Des. Túlio de Oliveira Martins 

Li com muito cuidado o voto da Desembargadora Íris, muito erudito, profundo e particularmente bem articulado, eis que Sua Excelência buscou a sequência de elementos culturais e fáticos que redundaram neste fato. Prestei muita atenção também no que Vossa Excelência aduziu aqui no momento do julgamento e apenas faço uma observação. 

A Igreja Universal do Reino de Deus, como todas as igrejas evangélicas, pentecostais, alternativas ou apenas diferentes, na verdade não faz nada em termos de arrecadação que não seja muitíssimo conhecido. A grande escola foi a Igreja Católica, que sempre procedeu dessa maneira para formar patrimônio. Então, parece-me que captar dinheiro não é uma circunstância particular das igrejas menos afortunadas do ponto de vista da tradição. 

Contudo – e aqui me parece que é o ponto decisivo para o julgamento da causa –, a capacidade de compreensão e de discernimento dessa senhora em relação à Igreja, era reduzidíssima, pois estava doente, o que fez com que com que a sua vontade se tornasse particularmente vulnerável. 

Faço apenas esse breve acréscimo, Senhora Presidente, aderindo integralmente a todos os fundamentos do voto de Vossa Excelência com as achegas do Desembargador Leonel. 


DES.ª IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA - Presidente - Apelação Cível nº 70039957287, Comarca de Esteio: "APELO DA AUTORA CONHECIDO EM PARTE, E NESSA, PROVIDO PARCIALMENTE, PREJUDICADO O APELO DA RÉ. UNÂNIME." 



Julgador(a) de 1º Grau: LUCAS MALTEZ KACHNY 


[1] O primeiro autor é mestre em Direito Difusos e Coletivos pela Universidade Metropolitana de Santos – Unimes/SP. Advogado; e o segundo autor é bacharel em Direito pela Universidade do Estado de Minas Gerais. Advogado e consultor jurídico. Ambos escreveram um artigo jurídico sobre o tema ora examinado, cujo título é “Dízimo e Coação Moral”, sendo que esse artigo pode ser acessado mediante internet através do seguinte endereço eletrônico:http://www.cacb.adv.br/Pdf/D%CDZIMO%20E%20COA%C7%C3O%20MORAL.pdf – acesso em 24.11.2010.
[2] Embora, como observamos na fl. 71, dos autos, parte do sistema de cobrança de dízimo adotado pela ré seja feito mediante boleto bancário.
[4] RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil, V. III, Dos contratos e das declarações unilaterais da vontade. 30ª. Ed., São Paulo: Saraiva, 2004 – p. 203.
[5] Parágrafo único do art. 541; art. 548; e art. 549 todos do CC/02.

[6] Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

[7] Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.
[8] Art. 152 - No apreciar a coação, ter-se-ão em conta o sexo, a idade, a condição, a saúde, o temperamento do paciente e todas as demais circunstâncias que possam influir na gravidade dela.

[9] Certidão de fl. 15.
[10]Conforme definição extraída do site “Portal de Psiquiatria”, Fonte: http://virtualpsy.locaweb.com.br/dicionario.php?ltr=B, acesso em 24.11.2010.

[11]Idem.
[13] Como se observa da prova digital existente nos autos.
[14] Art. 335, Código de Processo Civil.
[15] Retirados do artigo jurídico intitulado como “Dízimo e Coação Moral”, que pode er acessado na internet através do seguinte endereço eletrônico:http://www.cacb.adv.br/Pdf/D%CDZIMO%20E%20COA%C7%C3O%20MORAL.pdf – acesso em 24.11.2010.

[16] Idem.

[17] Afirmação feita com base na prova digital anexada, através da qual se revela genuinamente a conduta e a intenção dos Pastores da Igreja Universal ao desafiarem seus fiéis a doarem sob a promessa de graças Divinas.

[18] Apelação cível n. 71000983379, julgada em 10.08.2006, pela Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais.
[19] Parte final do inciso II, art. 188 do CCB/02.
[20] Art. 187 do CCB/02.

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