Estudos científicos relacionam uso constante com aparecimento de câncer bucal e outras doenças.
O Ministério Público Federal (MPF) em Guarulhos ajuizou ação civil pública, com pedido de liminar, para que a justiça obrigue a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a exigir imediatamente dos fabricantes de enxaguantes bucais com álcool em sua fórmula que informem em seus rótulos e embalagens a existência de estudos que apontam riscos à saúde, inclusive a gênese do câncer de boca, causados pelo uso diário e indiscriminado do produto.
Uma revisão científica conduzida pela Academia Dental Australiana, que compilou vários estudos de diversos países, encontrou uma relação entre o uso frequente dos enxaguantes bucais com álcool em sua fórmula e uma possibilidade maior de se desenvolver câncer bucal.
Outro estudo realizado no Brasil e publicado pela Revista de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) em 2008 mostrou também que o uso regular de enxaguantes bucais com álcool em suas fórmulas estavam entre os fatores associados ao câncer oral, independente de tabagismo e consumo de bebidas alcoólicas.
Outro dado preocupante é o aumento de 2.277%, entre 1992 a 2007, do uso desse tipo de produto no Brasil. O levantamento também foi realizado pela USP, baseado em dados fornecidos pela própria Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos.
Segundo os pesquisadores, o álcool não é o causador do câncer por si só, mas uma enzima do organismo humano o transforma em acetaldeído, que tem a capacidade de alterar células da boca e causar tumores. Outro problema do uso diário de enxaguante bucal alcoólico é que ele não dá margem de tempo suficiente para que as células danificadas na mucosa bucal regenerem-se.
Para apurar essas informações e o risco à saúde da população, o MPF em Guarulhos instaurou um inquérito civil público, no qual informou à Anvisa sobre os estudos e requereu quais medidas o órgão pretendia tomar para a proteção dos consumidores, considerando as incertezas dos efeitos nocivos que os enxaguantes bucais com álcool poderiam causar à saúde.
Em resposta, a agência reguladora limitou-se a informar, em parecer superficial, que a literatura científica pesquisada até o momento não fornecia dados suficientes para estabelecer o uso dos enxaguantes alcoólicos e a ocorrência de câncer de boca. Questionada novamente, a Anvisa concluiu que não havia necessidade de elaborar nota sobre o assunto.
Para o procurador da República Matheus Baraldi Magnani, autor da ação, os estudos disponíveis apresentam indícios fortes sobre o uso constante de enxaguantes bucais alcoólicos e o aparecimento de câncer de boca e outras doenças. "Não é sustentável que a Anvisa diga que não há elementos consistentes sobre a relação do uso do produto com álcool e câncer, pois o próprio estudo que deu origem às investigações contém tal informação", diz.
Para Magnani, a posição da Anvisa é no mínimo negligente diante da gravidade dos fatos. "Está configurada a situação de dúvida, e o direito constitucional à saúde exige a aplicação do princípio jurídico da precaução que impõe às autoridades a obrigação de agir em face de uma ameaça de danos irreversíveis, mesmo que os dados científicos disponíveis não confirmem totalmente o risco".
Segundo o procurador, o princípio jurídico da precaução não exige a certeza de um dano para que se alerte a população sobre os riscos decorrentes do utilização de um produto qualquer. "Os estudos brasileiros e estrangeiros fizeram a associação entre o uso dos enxaguantes bucais alcoólicos e o aparecimento do câncer de boca, por isso a sociedade deve ser alertada sobre os possíveis riscos do uso diário e ininterrupto desse tipo de produto", afirmou.
ACP nº 0002730-52.2011.403.6119 distribuída à 4ª Vara Federal de Guarulhos
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