O meio ambiente precisa ser protegido. Da simplicidade dessa frase ecoam-se diversas discussões e debates acerca da proteção ao meio ambiente, bem ainda da legalidade e proporcionalidade com que esse objetivo é realizado.
De um lado, é de conhecimento comum que o patrimônio ambiental brasileiro conta com ampla proteção legislativa e administrativa, isto porque é preciso também conviver em um meio ambiente naturalmente sustentável. O entendimento se completa pelo teor do artigo 225 do texto constitucional, e com aparato repressor ambiental, disciplinado pela Lei 9.605/1998.
Contudo, não é a relevância da preservação ambiental que confere todo ferramental legal e organizacional dispostos em sua proteção ao meio ambiente que afastará os atos dos órgãos e agentes governamentais a observância da legalidade estrita, prevista na Constituição Federal de 1988, bem ainda a observação dos princípios constitucionais e penais sobre cada ato fiscalizatório e de persecução penal, decorrente da atuação desses órgãos administrativos.
Por vezes, as multas, os autos de infração e as acusações penais acerca dos crimes contra o meio ambiente fogem à regra legal, quando são abusivas ou desproporcionais à pessoa fiscalizada. Segundo Edis Milaré, princípio é o que vem por primeiro, designando um começo, um início, um ponto de partida[1]. Nesse passo, pode-se argumentar que um princípio para o Direito é um valor, é um esteio, é mais do que uma regra, quando não, antecede a ela, porque esta nasce/surge de um princípio[2].
Assim, os princípios, quanto ao conteúdo, são normas que traduzem valores a ser preservados ou alcançados, deixando espaço para o intérprete identificar, dentro de referida norma, os delineamentos desses valores para concretização no momento de sua aplicação, enquanto as regras se limitam a traçar uma conduta[3].
Em apego à verdade, a proteção ambiental é amparada por inúmeros instrumentos legais do Poder Público, aí incluso o Direito Penal Ambiental. Contudo, tal instrumento repressor não pode estar sob a mera deliberalidade da política ambiental.
Com efeito, o Direito Penal existe para proteger os cidadões e também para prover a pacificação social e evitar a vingança privada. No entanto, conforme defendido por célebres juristas como Luiz Flávio Gomes, o Direito Penal existe sim para essas finalidades, mas para proteger bens jurídicos relevantes (como a vida, a integridade física, a liberdade individual, a liberdade sexual, etc.), por isso se diz que a proteção penal é fragmentária e subsidiária[4].
Deste modo, o meio penal-ambiental só deve ter em vista comportamentos absolutamente inaceitáveis em sociedade. É nesse contexto que pode se configurar o princípio da insignificância dos crimes ambientais. Luiz Regis Prado leciona que o princípio da insignificância foi formulado inicialmente por Hans Welzel, segundo o qual uma conduta só será considerada típica se subsumir ao modelo legal, mas não será considerada típica se não for socialmente adequada ou assim reconhecida pela sociedade[5].
Ao que se extrais da leitura de Prado, para haver crime não é necessário apenas a tipificação penal, mas também a consideração em grau e proporção do ato praticado, a fim de aferir se o resultado da conduta ilícita ofendeu ou não o bem jurídico protegido pela finalidade da norma, bem ainda, para se saber se a sociedade foi ou não prejudicada. Caso não, também não há que se configurar o fato típico.
Argumenta que o mesmo raciocínio se aplica em matéria penal-ambiental. Isto porque não basta apenas a configuração do dano ambiental para que o agente seja punido, mas a gravidade e a repercussão do dano, para fins de apuração da penalidade a ser imposta.
Contudo, embora não previsto expressamente o corpo da lei reguladora e repressora em matéria penal ambiental, o princípio da insignificância, matéria de penal geral, também se aplica aos crimes ambientais. Com apoio nos julgados do Supremo Tribunal Federal a respeito. Vejamos o fragmento do acórdão e teor decisório da AP 439/SP:
Ementa: CRIME - INSIGNIFICÂNCIA - MEIO AMBIENTE. Surgindo a insignificância do ato em razão do bem protegido, impõe-se a absolvição do acusado. Decisão: O Tribunal, por unanimidade, nos termos do voto do relator e do revisor, ministro Gilmar Mendes (presidente), julgou improcedente a ação. Ausente, justificadamente, o senhor ministro Joaquim Barbosa. Plenário, 12.06.2008[6].
O julgado acima trata-se de julgamento de Ação Penal proposta pelo Ministério Público do estado de São Paulo, que ajuizou ação em face do ato do réu, capitulado no artigo 40 da Lei 9.605/1998, que havia posto fogo em área de 0,0653 hectares, equivalente a 653 metros quadrados, em que o custo para recuperação do terreno é de R$ 130.
A defesa pugnou pela imposição da pena de multa, em substituição à privativa de liberdade, bem como por outra substitutiva de direitos, por se tratar de menor potencial ofensivo. O procurador-geral da República (PGR) pugnou pela absolvição do réu, tendo em vista a presença do princípio da insignificância.
No julgamento do feito, os ministros da corte máxima concluíram que o ato praticado não consubstancia tipicidade suficiente para levar a cabo a Ação Penal, razão pela qual seguiram o entendimento do PGR e absolveram o réu ao julgar improcedente a Ação Penal contra ele imposta. Julgados como esse servem como exemplo para basilar a aplicação do princípio da insignificância dos crimes ambientais.
Destarte, não obstante a aplicação de penalidades assuma o escopo de proteção ambiental como forma de viabilizar a qualidade de vida em meio a um ambiente ecologicamente equilibrado, cujo efeito reporta as ações de fazer e de não fazer para com o meio ambiente, sua aplicação está sujeita ao princípio da legalidade para aferição da mais apropriada medida punitiva dentro do rol das cabíveis em espécie.
Por certo que a preservação ambiental é assunto comum na pauta dos governantes, juristas e da sociedade como um todo. Isto porque no atual século XXI, recebemos como “herança” um meio ambiente fragilizado. A razão aponta para a degradação ambiental provocado pelo modo de vida capitalista de produção que não tem por preocupação o desenvolvimento sustentável, mas exploratório e predador.
Em razão disso, atualmente há um conjunto de medidas destinadas à preservação do meio ambiente e sua proteção. Contudo, não obstante todo o arcabouço jurídico e instrumental e postos à proteção do meio ambiente, não poderá o Estado-Juiz ou seus agentes da fiscalização ambiental desrespeitar os princípios da legalidade e proporcionalidade de seus atos para com os danos causados para com o meio ambiente.
Com efeito, para cada ato danoso aos recursos naturais caberá uma medida punitiva. Mas essa medida deverá ser proporcional ao dano causado, fato que, a depender da irrelevância do mal ao meio ambiente, será desnecessário uma punição penal, mas sim uma medida alternativa como a obrigação de reparar o dano cumulado ou não com uma pena de multa.
É preciso fazer valer o princípio da insignificância dos crimes ambientais. Pois, embora haja o dano, o agente causador do mesmo e o nexo de causalidade entre ambos, é imprescindível a análise da insignificância do crime cometido em cada caso concreto, fato que, em sendo constatado a insignificância delitiva, caberá ao juízo substituir a aplicação da pena por outra medida (como a obrigação de reparar o dano e a pena de multa), também a ser avaliada em cada caso concreto.
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