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quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Ex padre versus Igreja - Decisão interessante

APELAÇÃO CÍVEL, Nº 156806-3, DE CURITIBA 3ª VARA CÍVEL.
APELANTE : PEDRO MARQUETTI FEDALTO
APELADO : ROQUE WENDT
RELATOR : DES. AIRVALDO STELA ALVES




INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. PADRE. DESLIGAMENTO DO ESTADO CLERICAL CATÓLICO. FUNDAÇÃO DE NOVA IGREJA. COMENTÁRIOS, DO ARCEBISPO, PUBLICADOS EM JORNAL E REVISTAS CATÓLICAS, ESCLARECENDO A SITUAÇÃO DO EX-SACERDOTE PERANTE A IGREJA CATÓLICA, SEGUNDO O CÓDIGO DE DIREITO CANÔNICO. OBSERVAÇÕES SÓBRIAS, SEM ATAQUE A HONRA E DIGNIDADE DO AUTOR, PESSOA LIGADA À MÍDIA. INEXISTÊNCIA DE DANO MORAL. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO.
1. Como é da própria essência da reparação civil, aquele que pretende uma indenização, por suposta lesão moral, deve fazer prova da violação de um dever jurídico, pelo agente lesador, não bastando a mera potencialidade do fato, tido como lesivo, a que ficou exposto.
2. A intimidade e o resguardo à imagem é um direito de qualquer pessoa, que tem a prerrogativa de esconder suas fraquezas; mas, se expõe publicamente, inclusive com a ajuda da mídia, não pode, depois, queixar-se de eventuais reações indesejáveis, advindas de seu comportamento.
3. A ofensa à honra, ao bom nome, à dignidade, hão de ser aferidas pelo juiz não só pela análise da conduta do agente, mas, também, pelo conceito do lesado na comunidade que vive e convive, segundo os valores cultuados, pois sobre ele recaem os influxos de seu comportamento, aquela imagem que reproduziu na comunidade, não na que faz de si mesmo.
4. É erro imaginar que tudo que se fala, tudo que se faz, acarreta dano moral indenizável, mesmo no contexto da filosofia capitalista, onde toda honra tem seu preço estipulado em pecúnia, olvidando que o risco faz parte integrante do nosso modo de viver em sociedade. Não fosse assim, o relacionamento entre os homens ficaria a mercê de uma contenda incessante, de incongruência com o mundo real, fazendo crescente o esgarçamento entre eles, em prejuízo da convivência social.


Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível, sob nº 156806-3, da Comarca de Curitiba, em que é apelante Pedro Marquetti Fedalto e apelado Roque Wendt.


1. Roque Wendt, sob a afirmação de ser Bispo da Igreja Católica Carismática e Arquidiocesana de Curitiba, ajuizou ação de indenização por danos morais em face de Pedro Marquetti Fedalto, expondo que, após seu pedido de exclusão da Igreja Católica Apostólica Romana, e excardinação da Arquidiocese, administrada por este, sofreu prejuízos de ordem imaterial, em razão de manifestações feitas, em jornais e revistas, com ofensa à sua imagem religiosa e social, requerendo a procedência do pedido visando ser ressarcido na quantia de R$ 300.000,00.
O MMº Juiz atendeu parcialmente a pretensão do autor e condenou o ex adversus em R$ 50.000,00 a título de danos morais.
Inconformado, o sucumbente apelou sustentando, preliminarmente, cerceamento de defesa, pela não realização de instrução processual para prova dos fatos e, no mérito, não ter se comprovado nenhum dano moral porquanto suas manifestações retratam apenas esclarecimentos de que o ex-Padre não mais poderia ministrar sacramentos da Igreja Católica Apostólica Romana, sem haver, em suas palavras, qualquer gravame moral à pessoa mencionada. Insurge-se, também, contra o quantum arbitrado, postulando, ao final, o provimento do recurso, para anular a sentença ou, então, julgar improcedente a ação, ou, caso não seja este o entendimento da Câmara julgadora, reduzir o valor da indenização e a distribuição dos honorários advocatícios.
O apelado, em contra-razões, refuta as alegações do apelante e pugna pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

2. Não assiste razão ao recorrente sobre a ocorrência de cerceamento de sua defesa.
A uma, ao se manifestar acerca da especificação das provas, reconheceu que a relação processual instaurada já está madura para julgamento conforme o estado do processo, vez que os fatos da causa são amparados por robusta prova documental produzida pelo réu (fl. 76). A duas, invocando o princípio da eventualidade, requereu a produção de prova testemunhal, sem, no entanto, especificar sua necessidade ou utilidade, tal como determinado no despacho de fl. 69. A três e principalmente , os fatos, tidos como ofensivos à honra do autor, consistem em declarações emitidas pelo recorrente, estampadas em jornais, como em revistas religiosas, juntados na exordial (fls. 11/18).
E, conforme expressamente consignado na sentença monocrática, para a solução da lide o MMº Juiz a quo entendeu suficiente a análise dos documentos acostados ao processo, por ambas as partes. Mais não precisava, pois as provas têm como finalidade fornecer elementos suficientes ao julgador para formar sua convicção no julgamento da causa, incumbindo-lhe, por isso mesmo, indeferir as inúteis e protelatórias, segundo o cânone do art. 130 do Código de Processo Civil.
Conduziu-se o ilustre magistrado com absoluta adequação, ao julgar antecipadamente o conflito, pois os fatos são irrefragáveis e restam delineados, com contornos precisos, desde que constam ipsis litteris de jornais e revistas da comunidade católica de Curitiba.
Afasta-se, assim, a argüição de cerceamento de defesa.

3. O caso sub judice traz à discussão aparente colisão dos direitos fundamentais consagrados na Constituição Federal: de um lado, eventual lesão ao direito à honra, que integra o direito de personalidade, de alguém; de outro, o direito à livre manifestação do pensamento, de outrem.
Como visto, os fatos que deram origem à demanda são incontroversos, pois, todos, registrados em publicações de órgãos informativos da Arquidiocese de Curitiba (Voz da Igreja, O Escapulário, etc), bem como em jornais de ampla circulação no Estado do Paraná (Gazeta de Povo e Estado do Paraná).
Cinge-se, pois, o punctum saliens em se estabelecer se os pronunciamentos realizados pelo Arcebispo de Curitiba, na imprensa, dirigidos aos seus paroquianos, causaram algum dano moral indenizável.
Conditio sine qua non para a caracterização do dano moral é a verificação dos pressupostos necessários a reparabilidade civil, no âmbito da responsabilidade aquiliana, ex vi do art. 186 do Código Civil..
E, para isso, indispensável ingressar na quaestio facti e investigar se trata, efetivamente, de ofensa que mereça intervenção do nosso sistema normativo.
O autor foi sacerdote na Arquidiocese de Curitiba, desde 28 de janeiro de 1991 até 25 de janeiro de 2002, quando pediu sua excardinação da Igreja Católica Apostólica Romana, vindo a fundar uma nova, com o título de Igreja Católica Carismática. Narra, na inicial, que após o pedido de excardinação, o réu, passou a fazer considerações a respeito, em jornais de grande circulação e revistas, dirigidas aos católicos, em campanha desmoralizadora, maculando sua honra e imagem.
O apelante, por sua vez, sustenta ter feito meros esclarecimentos, na qualidade de administrador da Arquidiocese de Curitiba, aos seus paroquianos, de que o ex-Padre, a partir de seu afastamento, não mais poderia ministrar os sacramentos da Igreja Católica Apostólica Romana, sem ver aí qualquer desconsideração, ou menoscabo.
Resta, assim, saber se as matérias publicadas se fizeram em contrariedade às normas legais.
E a resposta que se antecipa é negativa.
Os danos morais são ofensas aos direitos da personalidade. Aliás, o patrimônio moral é parte integrante do direito de personalidade. E, com a precisão que sempre o caracterizou, o Prof. René Ariel Dotti observa que na expressão mais simples os direitos da personalidade ...são os que se referem à própria pessoa humana (Proteção da Vida Privada e Liberdade de Informação, Ed. Rev. dos Tribs., 1.980, p. 23), tendo como projeções desse direito a ofensa à honra, ao direito de liberdade, à imagem, ao bom nome.
O art. 5º, X, assegura, é certo, a inviolabilidade do direito da personalidade, mais propriamente, da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, permitindo ao ofendido direito de indenização, material ou moral, pela violação. Mas não é, todo aborrecimento ou constrangimento que gera dano moral indenizável, porque, para nossa lei civil (art. 186), para isso há de existir, anteriormente, uma conduta ilícita do agente que, ao final, venha resultar em lesão do patrimônio ideal do ofendido.
Portanto, sem o binômio ato ilícito + dano não nasce a obrigação de indenizar ou de compensar... (Rui Stoco Tratado de Responsabilidade Civil, Ed. Ver. dos Tribs., 6ª ed., Cap. I, nº 5.02, p. 124), em se tratando de responsabilidade subjetiva. O elemento subjetivo é a reprovabilidade ou a consciência do agente de que poderá causar algum mal à pessoa física ou jurídica, assumindo esse risco ou deixando de prevê-lo, quando devia.
Por isso que o Tribunal de Justiça do Paraná, especialmente esta Câmara Cível, vem afirmando, copiosamente, que, como é da própria essência da reparação civil, aquele que pretende uma indenização, por suposta lesão moral, deve fazer prova da violação de um dever jurídico, pelo agente lesador, não bastando a mera potencialidade do mal a que ficou exposto.
E, como registrado no julgamento da apelação cível nº 130512, desta Sexta Câmara Cível, em que fui relator: Inexistindo ato-fato ilícito, quaestio previae da responsabilidade civil, inexiste, por conseqüência, o dever de indenizar pelos danos eventualmente causados.
Actori incumbit onus probandi.
E, no caso sub judice, já de início, não se evidencia qualquer prova da ocorrência de ato-fato ilícito.
Pelo quadro fático, verifica-se, às fls. 11, que o Padre Roque Wendt:
...procurou o Arcebispo Dom Pedro Fedalto, entregando-lhe uma carta, dizendo-lhe que se desligaria do estado clerical e das obrigações inerentes ao sagrado oficio, bem como o desligamento da Arquidiocese de Curitiba.
Termina sua carta: Peço o comunicado desta decisão no boletim diocesano e que se tomem os procedimentos canônicos.
Entregou ao Arcebispo sua carteira de identidade sacerdotal, as alfaias de culto e vestes litúrgicas.
Diante deste documento, o Arcebispo Dom Pedro Fedalto o suspendeu do uso de ordens, não podendo celebrar missa, batizar, ungir doentes e abençoar noivos.
Que essa suspensão seja publicada para conhecimento de todos na Arquidiocese de Curitiba.

Por sinal, o pedido de ...desligamento do estado clerical e das obrigações inerentes ao sagrado ofício... ocorreu em 25 de janeiro de 2002, onde Wendt só reclama da Diocese auxílio para moradia e alimentação, conforme previsão do Direito Canônico, até conseguir emprego e moradia própria e, aduz, por derradeiro: Peço o comunicado desta decisão no boletim diocesano... (fls. 53).
E, embora o postulante diga que contra ele foram assacadas ofensas sórdidas, publicadas em todos os jornais e revistas, não destaca nenhuma.
Todavia, o MMº Juiz a quo, para a resolução condenatória, encontrou respaldo na justificativa de que Dom Pedro Fedalto não deixou demonstrado que, segundo os procedimentos canônicos, a comunicação pública da suspensão do queixoso, do estado clerical, importou também na sua proibição de celebrar missa, batizar, ungir doentes e abençoar noivos.
Confundem-se aí coisas inconfundíveis.
Certamente, o impedimento para celebrar missa, batizar, ungir doente e abençoar noivos decorre, rigorosamente, da Resolução do Arcebispo de Curitiba, ato oficial da Arquidiocese, que suspendeu Roque Wendt do Uso de Ordens, jamais de qualquer notícia jornalística. E essa Resolução permanece hígida, nunca atacada, formal ou substancialmente.
Nem se pode descurar do fato de ter sido o próprio autor quem se desligou do estado clerical e das obrigações inerentes ao sagrado ofício, para ingressar na vida comum leiga, tanto é verdade que entregou, de imediato, sua carteira de identidade sacerdotal, as alfaias de culto e vestes litúrgicas.
Afastado, não poderia, mesmo, ministrar sacramentos em nome da religião Católica Apostólica Romana, até porque já tinha criado uma nova igreja e, inclusive, ordenado um diácono e um padre casado (fls. 18).
Lendo com atenção todas as publicações vê-se que Dom Pedro Fedalto, cingiu-se, cuidadosamente, em situar a posição religiosa do Padre Roque Wendt perante os fiéis da Igreja Católica Apostólica Romana, depois de seu desligamento. Nenhum dos artigos e informativos absolutamente nenhum - contém ataque pessoal à sua honra ou dignidade.
Sem embargo disso, a sentença monocrática condenou Dom Pedro Fedalto entendendo que, pelos artigos, o autor ...passou a ser apresentado como excomungado, criador de problemas e ainda de conduta moral duvidosa.
Afirmação que não encontra ressonância na prova dos autos.
Foi dito coisa diversa: que ele criou sérios conflitos com os paroquianos. Mas isso é reconhecido até por Roque Wendt, na carta remetida ao Arcebispo, aos Bispos Auxiliares de Curitiba, e ao Conselho de Presbíteros da Arquidiocese, onde admite, após seu envolvimento com o movimento Renovação Carismática não ter conseguido se irmanar com o clero e a diocese, e pede perdão a Dom Pedro ...pela dureza com que o tratei. Por fim, entregou-lhe um artigo de desculpas para ser publicado nos jornais, a seu critério, por algumas atitudes, críticas e entrevistas, contrárias às diretrizes do Arcebispado de Presbíteros e aos mandamentos da Igreja Católica. (fls. 56 e 57).
Mais ainda: revela ter tomado atitudes sem autorização do Bispado (fls. 56, item 3), criticado os Bispos (item 4), e, ainda, que seus seguidores, no jornal O Profeta, ...usaram de momentos infelizes que tive, em entrevistas passadas, dizendo que só obedeceríamos ao Papa (item 9).
Em síntese: o autor era mesmo, segundo sua própria versão, um causador de problemas, embora isso não conste de nenhum dos artigos publicados pelo Arcebispo.
Destituída de higidez, também, a assertiva de que o Arcebispo tenha apresentado o ex-Padre como de conduta moral duvidosa. Não há menção a respeito, nos informativos, ainda que de forma subliminar.
Resta, por fim, a reprovação, no decisum, da afirmação de que Roque Wendt estava excomungado da Igreja.
Essa declaração, tida como lesiva à esfera jurídica ideal do autor, consta do jornal O Escapulário, na edição de abril de 2003, literalmente:
Um sacerdote da Igreja Católica Apostólica Romana que se ordena Bispo sem a nomeação pelo Papa, sem ter a Bula Pontifícia, isto é, o Decreto de sua eleição, incorre ipso facto em excomunhão reservada ao Papa. Não sou eu que estou afirmando isto. É o Código de Direito Canônico em seu cânon 1382. Para que não haja dúvidas, vou apresenta-lo em latim: Episcopus qui sine pontifício mandato aliquem consecrat in Episcopum, itemque qui abe o consecrationem recipit, in excommunicationem látea setentiae sedi Apostolicae reservatum incorrunt. Em sua tradução em português: O Bispo que, sem mandato pontifico, confere a alguém a consagração episcopal e, igualmente quem dele recebe a consagração incorrem em excomunhão.
A excomunhão é a pena mais forte que existe na Igreja. Quem é excomungado está colocado fora da Igreja visível. Por isso, são suspensos todos os direitos à participação de qualquer ato na Igreja.
A excomunhão latae sententiae é automática. Não precisa de nenhuma declaração do Bispo e do Papa.

Onde está, aqui, eventual lesão ao patrimônio ideal do autor?
O Arcebispo não apresentou o ex-Padre como excomungado, mas, sim, demonstrou, quantum satis, que, consoante o Código de Direito Canônico, a circunstância dele ter-se afastado sponte sua da Igreja Católica Apostólica Romana e, depois, criado e se auto-intitulado Bispo da Igreja Católica Carismática e Arquidiocesana de Curitiba, deixava-o, automaticamente, em estado de excomunhão.
E, efetivamente, prescreve o art. 1382 do Código de Direito Canônico, em sua edição em espanhol, verbis:. El bispo que confiere a alguien la consagración episcopal sin mandato pontifício, asi como el que recibe de él la consagración, incurre en excomunión latae sententiae reservada a la Sede Apostólica.
E esse pronunciamento foi oportuno e necessário porquanto, segundo a visão do autor (item 9 da inicial), o múnus de Padre é eterno, pois não existe ex-Sacerdote, e, uma vez ordenado, recebe um sinal indelével na alma, que nunca se apaga (item 9).
Ora, se o múnus de Padre é eterno, como quer, se o sinal que recebe nunca se extingue, se não existe ex-Padre, mister era, mesmo, que a autoridade eclesiástica competente fizesse uma explicação aos seguidores, informando-lhes que aquele múnus eterno não se aplicava mais à Igreja Católica Apostólica Romana. Não se pode esquecer que o sinal sacerdotal, que não se apaga, ele recebeu da Igreja Católica.
Tudo se transcorreu de forma sóbria, sem sensacionalismo. Dom Fedalto não cometeu nenhum abuso, em suas declarações, ou qualquer ato ilícito, não excedeu os limites impostos pela sua administração episcopal, nem atuou de má-fé, ou contra os bons costumes.
E, como diz Rui Stoco, louvando-se em lição de Caio Mário: quem usa de um direito seu não causa dano a ninguém.
Na idéia de ato ilícito exige-se o procedimento anti-jurídico ou da contravenção a uma norma de conduta preexistente, de modo que não há ilícito quando inexiste procedimento contra direito (Tratado da Responsabilidade Civil, Ed. Rev. dos Tribs., 3ª ed., nº 7.01., p. 182).
É o que basta pela ausência de ato ilícito - para afastar a pretensão do autor.

4. Sem embargo disso, visto na outra ponta, constata-se também não emergir da situação fática qualquer dano moral.
O autor era pessoa exposta, pública e aparecia demasiadamente, na mídia.
Como retrata o jornal O Estado do Paraná (fls. 18), ...fazia o melhor noticiário da mídia impressa e eletrônica, por conta de suas chamadas missas de cura, em Fazenda Rio Grande. Tinha estreita ligação com os meios de comunicação, seja escrita, pois o jornal O Escapulário era feito por sua equipe, e falada, com programas radiofônicos na Radio Iguaçu.
E, Certamente as barras divisórias das esferas da vida privada não deverão ser rígidas, e sim, pelo contrário, flexíveis e elásticas. Desse modo, sua maior ou menor amplitude poderá depender da categoria social à qual pertençam os respectivos titulares (Paulo José da Costa Júnior, in Agressões à Intimidade - O Episódio Lady Di Malheiros, São Paulo, 1977, pg. 27).
Com efeito, se o autor era pessoa notória no meio religioso e até fora dele - por força de sua vibrante atuação sacerdotal, intensificada pela mídia, o grau de resguardo e de tutela de sua intimidade, à evidência, não pode ser o mesmo de um homem comum, recatado, contrário à exposição pública.
Nessa linha posiciona-se Carlos Alberto Bittar: Excepciona-se da proteção a pessoa dotada de notoriedade desde que no exercício de sua atividade, podendo ocorrer a revelação de fatos de interesse público, independentemente de sua anuência. Entende-se que, nesse caso, existe redução espontânea dos limites da privacidade (como ocorre com os políticos, atletas, artistas e outros que se mantêm em contato com o público com maior intensidade).
A intimidade e resguardo à imagem é um direito, pois todos têm a opção de esconder suas fraquezas; mas quando uma pessoa se expõe, na política, nas artes, nos esportes, na literatura, no seu ofício religioso, inclusive, não pode, depois, queixar-se de eventuais reações indesejáveis, por seu comportamento.
Fazendo o autor o melhor noticiário da mídia impressa e eletrônica, por conta de suas chamadas missas de cura e essa afirmação é de jornal, não do Arcebispo - não pode, agora, como se nenhuma culpa tivesse, passar por cima de todos os incidentes que causou, por ele mesmo tornados público, chegar ao Poder Judiciário, escondendo suas falhas, sua desobediência às normas canônicas, seus desencontros com o Arcebispo, com os Bispos, com a comunidade católica, e apontar, candidamente, do alto de sua pretensa imunidade, a responsabilidade de outrem, por invasão à sua vida privada.
Quem não quer exibir sua vida íntima, não se expõe.

4.a. Além do mais, a ofensa à honra protege o prestígio social da pessoa contra falsas imputações de fatos ou qualidades desabonadoras, expondo-a ao menoscabo social.
E dessa diretriz não se pode afastar sob pena de se considerar dano moral, pequenos incômodos e desprazeres que fazem parte do cotidiano, que todos devem suportar em nome da convivência social.
Há de se ter presente, sempre, a lição de Pontes de Miranda, feita há mais de sessenta anos, que, dentro de sua genialidade, invocando o Código Suíço das Obrigações, afirmava exigir, como pressuposto comum da reparabilidade do dano não patrimonial, incluído aí o dano moral, a gravidade, além da ilicitude (Tratado de Direito Privado, Ed. Rev. dos Tribs., 1984, Tomo XXVI, § 3.108, nº 2, p. 34).
Não se verifica, no caso, nenhuma conduta reprovável grave ao agente do ato tido como ofensivo. A maior censura sobre a vida religiosa do autor decorre de seu comportamento inusitado, fora da ortodoxia católica, que, por isso, como visto, veio a pedir perdão ao seu Bispo, inclusive entregando-lhe, para ser publicado, a seu critério, um pedido de desculpas (fls. 56).
Assim, para uma justa conclusão dos conflitos indenizatórios, o julgador há de passar, também, pelo procedimento do suposto ofendido.
A partir do momento que o Padre Roque integrou-se na comunidade religiosa de Arquidiocese de Curitiba, dela fazendo parte, passou a receber seus influxos interferentes, inclusive quanto a sua estima social, seu bom nome, sua honra e credibilidade. Em se descurando da preservação de sua intimidade e tendo se exposto abertamente às suas tendências pessoais, suas aspirações, não pode, agora, reclamar de eventual baixo valor e estima que lhe cerca, por censura ou desaprovação de outras pessoas.
A ofensa à honra, ao bom nome, à dignidade, há de ser aferida considerando os valores do lesado em harmonia com os cultuados na comunidade em que vive e convive, pois recai sobre o que a pessoa representa no mundo real, naquela imagem que reproduziu na sociedade, não naquela que faz de si mesmo.
A vida em sociedade não pode deixar o Juiz fugir do dilema de personalizar não só o causador do ato, como aquele que recebe sua conseqüência danosa, mormente agora, dentro da lógica intrínseca do capitalismo, onde a honra passou a ter seu preço, estipulado em pecúnia.
Daí porque, se alguma lesão adveio ao demandante, se negativado o seu conceito entre os paroquianos, tudo é mero efeito de sua tumultuada conduta religiosa, e na renitência no descumprimento dos seus deveres com a Igreja Católica Apostólica Romana.
É erro imaginar que tudo que se fala acarreta dano moral indenizável, no mesmo contexto da filosofia capitalista, olvidando que o risco se fez parte integrante do próprio modo de viver em sociedade.
É nesse plano que a responsabilidade por danos morais deve ser analisada. Assim não fosse, o relacionamento entre os homens ficaria a mercê da obscuridade, da incongruência com o real, fazendo crescente o esgarçamento de suas relações, em prejuízo da convivência social.
Não se pode eleger como elegeu o autor - meros contratempos do cotidiano, parte integrante do nosso modo de ser em sociedade, como motivo de reivindicação de preço a pagar pela honra ofendida, mormente quando esse contratempo é mero efeito reflexo da própria conduta.
Passando assim as coisas, há de se concluir que a pretensão do autor não procede.
Por todos os fundamentos expostos, é de se dar provimento ao recurso, para julgar improcedente a ação indenizatória, ficando o sucumbente condenado no pagamento das custas processuais e na verba honorária fixada em R$ 7.000,00 (sete mil reais). Todavia, beneficiado pela assistência judiciária gratuita, fica, nos termos do art. 12 da Lei 1.060/50, isento dos mencionados pagamentos, salvo se, dentro de cinco (5) anos, houver reversão de sua situação patrimonial, isto é, perder a condição de necessitado.


Pelo exposto,
ACORDAM os Desembargadores integrantes da 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, por unanimidade de votos, em dar provimento ao recurso.
Acompanharam o voto do Exmo. Des. Relator, os Exmos. Des. Ângelo Zattar, Presidente, e Duarte Medeiros, Revisor.
Curitiba, 06 de dezembro de 2.004.


Des. Airvaldo Stela Alves Relator

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