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quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Um ingênuo enganado por Igreja

DOAÇÃO de automóvel PARA IGREJA na ex­pectativa de recebimento de recompensas na vida terrena. doador culturalmente vulnerável. ausência de vontade consci­ente de doar. induzimento psicológico à prática do ato que retira a espontaneidade e consciência da doação. danos morais pe­didos e reconhecidos em primeiro grau. va­lor mantido, como sucedâneo dos danos materiais. recurso desprovido. 
A doação representa ato de liberalidade que exige elevado grau de consciência, que é comprometida quando se vislumbra atos de captação da vontade, especialmente quando o doador é pessoa vulnerável. Nulidade das doações universais, cujo conceito pode ser ampliado para abranger hipóteses como a dos autos, em que o donatário fez doação do único bem de certo valor que possuía.


Recurso Inominado

Terceira Turma Recursal Cível
Nº 71000809327

Comarca de Porto Alegre
IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS

RECORRENTE
CRISTIANO SANTOS BERNY DE OLIVEIRA

RECORRIDO

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Juízes de Direito integrantes da Terceira Turma Recursal Cível  dos Juizados Especiais Cíveis do Estado do Rio Grande do Sul, à unanimidade, em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.
Participaram do julgamento, além do signatário, as eminentes Senhoras Dra. Maria José Schmitt Sant anna (Presidente) e Dra. Kétlin Carla Pasa Casagrande.
Porto Alegre, 04 de abril de 2006.

DR. EUGÊNIO FACCHINI NETO,
Relator.

RELATÓRIO

Cuida-se de indenização por danos morais. Alega o autor que foi ludibriado pela ré, que o induziu a doar bens à Igreja, em troca de bênçãos divinas que se manifestariam na forma de progresso econômico na vida terrena.  Requer o reconhecimento dos danos morais e o ressarcimento de valor equivalente ao do automóvel.
Em contestação a demandada invocou o direito Constitucional à liberdade de crença, a inocorrência de ato ilícito, tampouco de coação. A doação foi feita por livre e espontânea vontade, não podendo ser revogada. Pugna pela inexistência de danos morais.
A sentença acolheu o pedido do autor, razão pela qual recorre a demandada.

VOTOS
Dr. Eugênio Facchini Neto (RELATOR)
Tenho que a sentença deve ser mantida, embora por fundamentos um pouco diversos.
É inquestionável que o Brasil é um Estado laico, e, como tal, há plena liberdade religiosa, podendo o cidadão optar pela crença que melhor lhe aprouver. Cada religião tem seus dogmas, fundamentos e práticas, às quais os fiéis livremente aderem. Do ponto de vista jurídico, não há superioridade de uma ou outra religião. Não é isso, porém, que está em discussão nesse processo.
O que está em debate, neste processo, é a validez da doação efetuada pelo demandante. Restou evidenciado que o autor é camelô e que doou seu praticamente único patrimônio disponível – um automóvel - para a Igreja. Também ficou claro que tal gesto de liberalidade estava vinculado a uma expectativa de receber em troca bênçãos divinas, na forma de progresso econômico na vida terrena.
Não é criticável alguém que doe seus bens por convicta e consciente liberalidade, demonstrando seu desapego às coisas materiais e sua busca por uma maior espiritualidade.
Visivelmente não é caso dos autos, em que o demandante, com tal gesto, buscava apenas receber uma recompensa divina na forma de maior progresso econômico nessa vida.
O autor certamente sentiu-se ludibriado ao perceber que nada em sua vida mudara após a doação, exceto que ficou consideravelmente mais pobre.
Ora, parece evidente que o autor estava fadado à frustração, pois pertence ao domínio público a notícia de que a Igreja ré costuma arrecadar muitas contribuições de seus fiéis, praticamente todos oriundos de uma camada social e econômica de baixa renda e de baixa escolaridade – que mesmo após as doações continuam ocupando o mesmo lugar na escala social e econômica – apenas mais pobres (do ponto de vista puramente patrimonial, ainda que possam sentir-se mais rica espiritualmente).
Tenho que, em tais circunstâncias, faltou ao autor o elemento essencial de uma verdadeira doação, qual seja, o espírito de liberalidade. Tanto essa não houve que pouquíssimos meses após a doação o autor bateu às portas da Justiça, buscando recuperar o prejuízo sofrido.
Por outro lado, restou claro o induzimento psicológico levado a efeito pelos prepostos da ré, a caracterizar verdadeira captação da vontade, a ponto de retirar a espontaneidade e consciência do ato.
Além disso, o art. 548 do CC estabelece que “é nula a doação de todos os bens sem reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência do doador”. Ora, afirmou o autor ser camelô e que o automóvel doado consistia praticamente em todo o seu patrimônio. Em tais condições, o gesto do autor configura verdadeira doação universal, tradicionalmente vedada em nosso ordenamento jurídico.
A solução jurídica do litígio, portanto, consistiria na desconstituição da doação efetuada. Todavia, esse não foi o pedido, pois o autor pleiteou apenas danos morais, que foram concedidos.
Na verdade, uma desconstituição da doação seria ineficaz a essa altura, uma vez que o automóvel já foi novamente transferido pela requerida, consoante documentos juntados aos autos. Assim, não podendo a desconstituição atingir terceiros de boa-fé, a solução alternativa consistiria em conceder o valor equivalente ao veículo.
Destarte, tenho que o valor atribuído na sentença corresponde aproximadamente ao prejuízo efetivamente sofrido pelo autor, devendo a sentença ser mantida, muito embora com fundamentos parcialmente diversos daqueles esposados na decisão de primeiro grau.

VOTO, pois, EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, mantendo a sentença recorrida.

Suportará a recorrente os ônus sucumbenciais, fixando-se os honorários advocatícios em 20% sobre o valor da condenação.

NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. UNÂNIME.

Dra. Kétlin Carla Pasa Casagrande - De acordo.
Dra. Maria José Schmitt Sant anna (PRESIDENTE) - De acordo.


Juízo de Origem: DISTRIBUIDOR DO FORO PORTO ALEGRE - Comarca de Porto Alegre

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