RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 32.695 - SC (2010/0135604-2)
RELATOR : MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES
RECORRENTE : MANOEL EUGÊNIO BOSSLE E OUTRO
ADVOGADO : JOEL DE MENEZES NIEBUHR E OUTRO(S)
RECORRIDO : ESTADO DE SANTA CATARINA
PROCURADOR : MÔNICA MATTEDI E OUTRO(S)
EMENTA
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. TITULAR E OFICIAL MAIOR DE REGISTRO IMOBILIÁRIO.
DEMISSÃO QUALIFICADA. PRAZO PRESCRICIONAL. LEI ESTADUAL N.º 10.261/68. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA DO ESTADO. NÃO OCORRÊNCIA. CONSELHO DISCIPLINAR DA MAGISTRATURA. COMPETÊNCIA.
1. A jurisprudência pacificada desta Corte de Justiça firmou-se no sentido de que somente quando a autoridade administrativa toma conhecimento inequívoco dos atos tidos por ilegais é que se inicia o prazo prescricional. Na espécie, os atos ilícitos chegaram a conhecimento da autoridade administrativa por meio do recebimento de informações enviadas pela Procuradoria-Geral do Estado à Corregedoria Geral de Justiça, em 30.5.1995. Assim, considerando que a Portaria que instaurou o procedimento administrativo é datada de 18.11.97, não é possível a caracterização da prescrição.
2. O Conselho Disciplinar da Magistratura é competente para aplicar pena de demissão qualificada, com consequente perda de delegação, ao notário/registrador que pratica ato de improbidade administrativa e falsidade documental ideológica.
3. Recurso ordinário em mandado de segurança não provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos esses autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEGUNDA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas, o seguinte resultado de julgamento:
"A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso ordinário, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator, sem destaque."
Os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha, Castro Meira, Humberto Martins (Presidente) e Herman Benjamin votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 22 de março de 2011.
MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES , Relator
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES (Relator):
Trata-se de recurso ordinário em mandado de segurança interposto por Manoel Eugênio
Bossle e outro, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Santa
Catarina, nesses termos ementado (fls. 388/410):
ADMINISTRATIVO, PROCESSUAL CIVIL E REGISTROS PÚBLICOS - TITULAR E OFICIAL MAIOR DE REGISTRO IMOBILIÁRIO - DEMISSÃO QUALIFICADA - PENA IMPOSTA POR CONSELHO DISCIPLINAR DA MAGISTRATURA - INCONFORMISMO - 1) DIREITO LÍQUIDO E CERTO AO PRONUNCIAMENTO DE PRESCRIÇÃO - ATOS PÚBLICOS - TERMO A QUO DE SUA PUBLICAÇÃO - IMPOSSIBILIDADE - PRAZO EXTINTIVO COM INÍCIO A PARTIR DO CONHECIMENTO DO ILÍCITO - PRESCRIÇÃO NÃO CONFIGURADA - 2) INCOMPETÊNCIA DO CONSELHO DISCIPLINAR DA MAGISTRATURA (PODER JUDICIÁRIO) PARA DECRETAR PERDA DE DELEGAÇÃO - DELEGAÇÃO DE SERVENTIAS POR PODER EXECUTIVO - INOCORRÊNCIA - DISCUSSÃO SEDIMENTADA EM JURISPRUDÊNCIA - COMPETÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO PARA APLICAR A SANÇÃO - ARGUIÇÃO REPELIDA - 3) ALEGAÇÃO DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA - INOCORRÊNCIA - DECISÃOADMINISTRATIVA QUE INDIVIDUALIZA CONDUTAS QUE, POR SUA GRAVIDADE, CARACTERIZAM IGUAL INFRAÇÃO - FALSIDADE IDEOLÓGICA DE DOCUMENTO E MANIFESTA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - PRINCÍPIO OBSERVADO - 4) ALEGADA OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO - CORREGEDOR-GERAL DE JUSTIÇA SUBSCRITOR DE PORTARIA INSTAURADORA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO - POSTERIOR PARTICIPAÇÃO DO JULGAMENTO DEFINITIVO, NA CONDIÇÃO DE PRESIDENTE DO TRIBUNAL E, TAMBÉM, DO CONSELHO DISCIPLINAR
DA MAGISTRATURA - VOTAÇÃO UNÂNIME - NULIDADE INCAPAZ DE ALTERAR DECISÃO - DEVER DE OFÍCIO - NULIDADE AFASTADA - OFENSA A DIREITO LÍQUIDO E CERTO INCONFIGURADA - ORDEM DENEGADA.
1) O prazo prescricional da ação disciplinar prevista no Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Estado de Santa Catarina conta-se a partir do conhecimento do ilícito.
2) O Poder Judiciário, através do Conselho Disciplinar da Magistratura é competente para aplicar pena de demissão qualificada, com consequente perda de delegação, ao notário/registrador que pratica ato de improbidade administrativa e falsidade documental ideológica.
3) Individualizadas as condutas dos co-réus na inicial do processo administrativo e na fundamentação de sua decisão final, não importa em afronta ao princípio da individualização da pena concluir pela aplicação de demissão qualificada a ambos os serventuários se as condutas por eles praticadas ensejam mesma sanção administrativa.
4) Sendo distintos os órgãos acusador e julgador, o primeiro singular e o segundo coletivo, não há nulidade no fato de o Corregedor-Geral de Justiça subscrever a Portaria de instauração do Processo Administrativo iniciado por motivação da
Procuradoria-Geral do Estado e, posteriormente, na condição de Presidente do Tribunal de Justiça e membro nato do Conselho Disciplinar da Magistratura, integrar o órgão julgador daquele processo disciplinar, principalmente se o reconhecimento da incompatibilidade e a presunção de que o voto substituído seria
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES (Relator):
Certifico que a egrégia SEGUNDA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
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ÍNTEGRA DE DECISÃO ANTERIOR (TJ/SC)
Processo: Mandado de Segurança nº 1999.017999-0
Relator: Monteiro Rocha
Data: 18/12/2009
Relator: Des. Monteiro Rocha
ADMINISTRATIVO, PROCESSUAL CIVIL E REGISTROS PÚBLICOS - TITULAR E OFICIAL MAIOR DE REGISTRO IMOBILIÁRIO - DEMISSÃO QUALIFICADA - PENA IMPOSTA POR CONSELHO DISCIPLINAR DA MAGISTRATURA - INCONFORMISMO - 1) DIREITO LÍQUIDO E CERTO AO PRONUNCIAMENTO DE PRESCRIÇÃO - ATOS PÚBLICOS - TERMO A QUO DE SUA PUBLICAÇÃO - IMPOSSIBILIDADE - PRAZO EXTINTIVO COM INÍCIO A PARTIR DO CONHECIMENTO DO ILÍCITO - PRESCRIÇÃO NÃO CONFIGURADA - 2) INCOMPETÊNCIA DO CONSELHO DISCIPLINAR DA MAGISTRATURA (PODER JUDICIÁRIO) PARA DECRETAR PERDA DE DELEGAÇÃO - DELEGAÇÃO DE SERVENTIAS POR PODER EXECUTIVO - INOCORRÊNCIA - DISCUSSÃO SEDIMENTADA EM JURISPRUDÊNCIA - COMPETÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO PARA APLICAR A SANÇÃO - ARGUIÇÃO REPELIDA - 3) ALEGAÇÃO DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA - INOCORRÊNCIA - DECISÃO ADMINISTRATIVA QUE INDIVIDUALIZA CONDUTAS QUE, POR SUA GRAVIDADE, CARACTERIZAM IGUAL INFRAÇÃO - FALSIDADE IDEOLÓGICA DE DOCUMENTO E MANIFESTA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - PRINCÍPIO OBSERVADO - 4) ALEGADA OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO - CORREGEDOR-GERAL DE JUSTIÇA SUBSCRITOR DE PORTARIA INSTAURADORA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO - POSTERIOR PARTICIPAÇÃO DO JULGAMENTO DEFINITIVO, NA CONDIÇÃO DE PRESIDENTE DO TRIBUNAL E, TAMBÉM, DO CONSELHO DISCIPLINAR DA MAGISTRATURA - VOTAÇÃO UNÂNIME - NULIDADE INCAPAZ DE ALTERAR DECISÃO - DEVER DE OFÍCIO - NULIDADE AFASTADA - OFENSA A DIREITO LÍQUIDO E CERTO INCONFIGURADA - ORDEM DENEGADA.
1) O prazo prescricional da ação disciplinar prevista no Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Estado de Santa Catarina conta-se a partir do conhecimento do ilícito.
2) O Poder Judiciário, através do Conselho Disciplinar da Magistratura, é competente para aplicar pena de demissão qualificada, com consequente perda de delegação, ao notário/registrador que pratica ato de improbidade administrativa e falsidade documental ideológica.
3) Individualizadas as condutas dos co-réus na inicial do processo administrativo e na fundamentação de sua decisão final, não importa em afronta ao princípio da individualização da pena concluir pela aplicação de demissão qualificada a ambos os serventuários se as condutas por eles praticadas ensejam mesma sanção administrativa.
4) Sendo distintos os órgãos acusador e julgador, o primeiro singular e o segundo coletivo, não há nulidade no fato de o Corregedor-Geral de Justiça subscrever a Portaria de instauração do Processo Administrativo iniciado por motivação da Procuradoria-Geral do Estado e, posteriormente, na condição de Presidente do Tribunal de Justiça e membro nato do Conselho Disciplinar da Magistratura, integrar o órgão julgador daquele processo disciplinar, principalmente se o reconhecimento da incompatibilidade e a presunção de que o voto substituído seria em favor dos impetrantes não são suficientes para acarretar a inversão no resultado unânime pelo Órgão colegiado.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Mandado de Segurança n. 1999.017999-0, da comarca do Tribunal em que são impetrantes Manoel Eugenio Bossle e Edna Elias Bossle, sendo impetrado o Exmo. Sr. Desembargador Presidente do Conselho da Magistratura:
ACORDAM, em Seção Civil, por votação unânime, denegar a ordem. Custas legais.
RELATÓRIO
Manoel Eugênio Bossle e Edna Elias Bossle, em 11 de outubro de 1999, impetraram mandado de segurança contra ato que dizem ilegal do Excelentíssimo Sr. Desembargador Presidente do Conselho da Magistratura do Estado de Santa Catarina.
Ponderam que a Portaria n. 77, de 18 de novembro de 1997, instaurou processo administrativo contra os impetrantes, à época, respectivamente, Titular do Registro de Imóveis e Oficial Maior da Serventia de Santo Amaro da Imperatriz, com base em três fatos distintos: a) fabricação, falsificação ou duplicação de títulos na transcrição de n. 7.801, do Livro 3-H da Comarca de Palhoça; b) transcrição de registro de posse em Livro relativo à propriedade, conforme transcrição imobiliária n. 14/838 do Livro 3-L do Cartório de Palhoça, que veio a ser objeto, em 17 de novembro de 1980, da matrícula n. 1.127 em Santo Amaro e, em razão de venda de parcela da área, também da matrícula 1.128, não obstante tenha sido registrada a totalidade da área, em 25 de outubro de 1988, através da matrícula de n. 6.151; c) existência de matrículas anteriores a 1985 que apresentavam título aquisitivo adquirido antes da vigência do Código Civil brasileiro.
Argumentam que o então Conselho Disciplinar da Magistratura, em decisão unânime, afastou preliminares suscitadas pelos ora impetrantes e, no mérito, condenou-os à "pena de demissão qualificada, prevista no art. 364, §5º, do Código de Divisão e Organização Judiciárias do Estado de Santa Catarina, por infração ao art. 137, incisos I, n. '3', e II, n. '13', da Lei n. 6.745/85 e, por consequência, a pena acessória de incompatibilidade com o exercício de cargo ou emprego público pelo período de 5 (cinco) anos (art. 138 da Lei n. 6.745/85)".
Os impetrantes dirigem a impetração contra esse decisum, publicado em 14 de junho de 1999.
A primeira ilegalidade apontada pelos impetrantes diz respeito à prescrição do direito da Administração questionar os atos praticados pelos impetrantes e mencionados na Portaria 77/97, pois o prazo prescricional, regulado pelo Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Estado de Santa Catarina, é de cinco anos, contados a partir do dia que o fato tornou-se conhecido pela autoridade competente para agir.
Neste passo, argumentam que o último ato questionado na Portaria de 18-11-1997 foi realizado em 25-10-1988, tendo transcorrido mais de 05 anos de sua edição até à publicação da Portaria.
Mencionam que o Conselho Disciplinar da Magistratura reconheceu que o prazo é quinquenal, mas afastou o reconhecimento da prescrição sob o fundamento de que seu termo a quo seria 30-5-1995, quando se tornaram conhecidos (como ilícito) da autoridade competente para agir.
Entretanto, ponderam que o termo a quo deve ser a data de realização dos atos questionados na Portaria 77/97 porque: a) os atos em referência são públicos ab ovo, de domínio e conhecimento geral; b) a regra do art. 150, §1º, a, do Estatuto dos Servidores Públicos Civis é aplicável somente aos casos em que os atos são feitos às escondidas, com propósito de ocultação, o que dizem não ser a hipótese dos atos questionados na referida Portaria; c) todo ano foram realizadas inspeções e correições severas na Serventia imobiliária, com fiscalização dos atos praticados, cuja obrigação é do magistrado titular da comarca; d) os atos praticados eram feitos às claras, de forma pública e os impetrantes nunca os esconderam ou ocultaram.
Como segunda afronta a direito líquido e certo, ponderam que o Poder Judiciário é incompetente para aplicar penalidade de demissão ou impor perda de delegação de serventuários nomeados pelo Poder Executivo, sob o argumento de que o poder de exonerar, demitir ou destituir a delegação é conferida exclusivamente àquele que tem poderes de nomeação, no caso o Governador do Estado de Santa Catarina.
Terceira ilegalidade é apontada pelos impetrantes à decisão do Egrégio Conselho Disciplinar da Magistratura, consistente na ausência de individualização da pena aplicada, apurando-se fatos distintos e sem ligações entre si em um mesmo procedimento.
No tocante à individualização da pena, inocorrente no caso, dizem que: a) a impetrante Edna Bossle, nomeada em maio de 1985, foi responsabilizada pela prática de atos realizados exclusivamente por Manoel Bossle em março de 1985; b) o impetrante Manoel Bossle estava licenciado de suas funções em outubro de 1988 por estar disputando pleito eleitoral, não podendo ser responsabilizado pela transcrição de título de posse em Livro de Propriedade, pois datado de 10/1988; c) a impetrante Edna Bossle não pode ser responsabilizada pelas escrituras havidas por títulos anteriores à vigência do Código Civil, pois não tinha, à época, qualquer vínculo com o Cartório e o impetrante Manoel Bossle, embora Oficial Maior à época desses longínquos fatos, era subordinado e cumpria as ordens do Titular do Ofício.
Argumentam que o Conselho Disciplinar afastou preliminar de ilegitimidade passiva por si aventada sob o fundamento de que o processo administrativo foi único, apurando a responsabilidade de cada um. Entretanto, contra-argumentam, apesar de tal assertiva, não ocorreu a apuração particularizada das condutas supostamente ilícitas praticadas pelos impetrantes.
Assim, dizem que a decisão do Conselho Disciplinar da Magistratura ofendeu direito natural líquido e certo de que a pena seja correspondente à conduta do agente, consagrado como garantia constitucional no art. 5º, XLVI, da Constituição Federal.
Como quarta afronta a direito líquido e certo, dizem os impetrantes que a decisão do Conselho Disciplinar da Magistratura violou o princípio da ampla defesa dos impetrantes, pois o Corregedor-Geral de Justiça que instaurou o processo administrativo, Des. João Martins, funcionou também como presidente do Conselho Disciplinar da Magistratura por ocasião do julgamento, atuando no processo como acusador e julgador, lançando prévia sanção aos impetrantes acusados e condenando-os previamente, impedindo o exercício do direito constitucional à ampla defesa.
Assim discorrendo, requereram a concessão de liminar para suspender os efeitos da decisão administrativa atacada e, ao final, a concessão da segurança em definitivo, declarando a ilegalidade da decisão proferida pelo Conselho Disciplinar da Magistratura e reintegrando-os na qualidade de Titular e Oficial Maior do Registro de Imóveis de Santo Amaro da Impetratriz.
Juntaram documentos.
O pedido de liminar foi postergado para após as informações da autoridade apontada como coatora.
Notificada, a autoridade coatora prestou informações às fls. 149-159, sustentando a legalidade da decisão do Conselho Disciplinar da Magistratura, rebatendo os argumentos da impetração e alertando, ao final, que os impetrantes não ilidiram as provas apuradas no Processo Administrativo, confessando a desídia de suas ações e demonstrando que não têm condições de retornar aos cargos pretendidos.
A liminar foi indeferida pelo então relator, conforme decisão irrecorrida de fl. 161.
Parecer da douta Procuradoria-Geral de Justiça opinou pela denegação da segurança.
O Órgão Especial deste Tribunal de Justiça, em sessão de 5-6-2002 extinguiu o processo sem julgamento de mérito, sob o fundamento de que há no Regimento Interno desta Casa recurso próprio para atacar a decisão do egrégio Conselho Disciplinar da Magistratura (recurso de decisão), sendo inviável o uso do writ constitucional face o contido no art. 5º, I, da Lei n. 1.533/51.
Inconformados, os impetrantes Manoel Eugênio Bossle e Edna Elias Bossle interpuseram recurso ordinário em mandado de segurança, dirigido ao Superior Tribunal de Justiça.
A douta Procuradoria-Geral de Justiça, no parecer de fls. 200/203, opinou pela anulação do julgamento, a fim de que seja apreciado o mérito do writ.
No mesmo sentido, a Procuradoria-Geral da República manifestou-se pelo provimento parcial do recurso ordinário interposto pelos impetrantes, apenas para anular a decisão do Egrégio Órgão Especial deste Tribunal, a fim de que seja julgado o mérito do writ of mandamus.
Os impetrantes interviram no feito para requerer, em caráter acautelatório, a exclusão do Registro de Imóveis da Comarca de Santo Amaro da Impetratriz do rol das serventias disponíveis no concurso público n. 84/07.
O Min. João Otávio de Noronha, em decisão monocrática de fl. 263/267, deu provimento parcial ao recurso ordinário em mandado de segurança, determinando o retorno dos autos a este Tribunal para julgamento do mérito da impetração.
O eminente Des. Edson Ubaldo declarou seu impedimento à fl. 272.
Recebido o processo por redistribuição, determinei a intimação das partes para convalidarem o processado, após o retorno dos autos da Corte Superior.
Os impetrantes manifestaram-se através da petição de fls. 280/286 e a douta Procuradoria-Geral de Justiça, às fls. 289/294, manifestou-se pela denegação da segurança.
À guisa de informação, o impetrante Manoel Eugênio Bossle ajuizou medida cautelar incidental objetivando excluir o Ofício do Registro de Imóveis de Santa Amaro da Imperatriz do concurso de remoção deflagrado pelo Edital n. 84/07, até o julgamento final do aludido mandado de segurança, medida cautelar essa que foi julgada extinta monocraticamente por ausência de interesse processual, porquanto eventual decisão concessiva da segurança tem força jurídica suficiente para satisfazer a pretensão do impetrante.
É o relatório.
VOTO
A decisão irrecorrida de fls. 263-267, subscrita pelo Min. João Otávio Noronha, determinou "o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que seja examinado o mérito do presente writ of mandamus" (fl. 267).
Passo, então, ao exame de mérito das supostas ilegalidades apontadas na impetração.
1) Primeira ilegalidade - prescrição:
Sustentam os impetrantes que prescreveu o direito de a Administração questionar os atos praticados pelos impetrantes e mencionados na Portaria 77/97, pois o prazo prescricional, regulado pelo Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Estado de Santa Catarina, é de cinco anos, contados a partir do dia que o fato tornou-se conhecido pela autoridade competente para agir.
Neste passo, argumentam que o último ato questionado na Portaria de 18-11-1997 (criação da matrícula n. 6.151, fl. 55) foi realizado em 25-10-1988, tendo transcorrido mais de 05 anos.
Mencionam que o Conselho Disciplinar da Magistratura reconheceu que o prazo é quinquenal, mas afastou o reconhecimento da prescrição sob o fundamento de que seu termo a quo seria 30-5-1995, quando os atos ilícitos praticados pelos impetrantes se tornaram conhecidos da autoridade competente para agir.
Os impetrantes não trouxeram aos autos do writ constitucional documento essencial a respeito da suscitada preliminar e, além disso, não há ilegalidade na decisão do Conselho Disciplinar da Magistratura.
Salta aos olhos, ictu occuli, que o termo a quo de prescrição adotado pelo Conselho Disciplinar da Magistratura foi a data de 30-5-1995 porque neste dia os ilícitos - todos os narrados na peça que instaurou o processo administrativo disciplinar - tornaram-se conhecidos da Corregedoria-Geral de Justiça, mediante informações encaminhadas a ela pela Procuradoria-Geral do Estado.
A Portaria que instaurou o processo administrativo disciplinar anuncia que "consta dos autos n. 0210/95 - Pedido de Providências - formulado pelo Estado de Santa Catarina, afirmações da existência de diversas irregularidades praticadas pelo Titular e Oficial Maior do Registro de Imóveis de Santo Amaro da Imperatriz" (fl. 40).
A decisão que aplicou a pena de demissão qualificada aos impetrantes, ao apreciar idêntica preliminar de prescrição, a rejeitou porque "a teor do art. 439 do Código de Divisão e Organização Judiciárias do Estado de Santa Catarina, c/c art. 150, inciso II, §1º, letra 'a', da Lei n. 6.745, de 28 de dezembro de 1985, a prescrição somente começa a correr a partir do dia em que o ilícito se tornou conhecido da autoridade competente para agir. Neste caso, no dia 30-05-95" (fl. 31).
A autoridade apontada como coatora, por sua vez, ao prestar informações, noticiou que "embora sejam constante de documento público, os fatos apenas foram conhecidos pela autoridade competente para apurá-los, ou seja, a Corregedoria-Geral de Justiça, em 30-5-95, quando do recebimento de informações por parte da Procuradoria-Geral do Estado (fls. 31 do Processo Administrativo n. 644)" (fl. 153).
Ora, não se sabe se por desídia ou se intencionalmente, mas o fato é que as aludidas 'informações por parte da Procuradoria-Geral do Estado' não vieram para estes autos de mandado de segurança e eram indispensáveis para aferir o exame da alegada prescrição, porquanto serviram de base ao entendimento sufragado pela decisão do colendo Conselho Disciplinar da Magistratura.
Como se sabe, no mandado de segurança a prova deve ser pré-constituída, ou seja, deve acompanhar o pedido inicial. Neste sentido:
"Quando a lei alude a direito líquido e certo, está exigindo que esse direito se apresente com todos os requisitos para seu reconhecimento e exercício no momento da impetração. Em última análise, direito líquido e certo é direito comprovado de plano. (...)
"(...) As provas tendentes a demonstrar a liquidez e certeza do direito podem ser de todas as modalidades admitidas em lei, desde que acompanhem a inicial, salvo no caso de documento em poder do impetrado (art. 6º, parágrafo único) ou superveniente às informações. Admite-se também, a qualquer tempo, o oferecimento de parecer jurídico pelas partes, o que não se confunde com documento. O que se exige é prova pré-constituída das situações e fatos que embasam o direito invocado pelo impetrante" (MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança: ação popular, ação civil pública, mandado de injunção, 'habeas data'. 21ª ed. Malheiros: São Paulo, 1999, p. 35).
A impetração não veio acompanhada do documento que embasa a ratio utilizada como fundamento pelo egrégio Conselho Disciplinar da Magistratura. Assim, ainda que a impetração invoque a data de publicação dos atos cartoriais como termo a quo da prescrição, data esta demonstrada pelas cópias das matrículas lavradas irregularmente que acompanham a vestibular, era indispensável a cópia das informações encaminhadas pela Procuradoria-Geral do Estado à Corregedoria-Geral de Justiça, a fim de se aferir as razões da autoridade impetrada.
Não bastasse isso, não há ilegalidade na interpretação realizada pelo Conselho Disciplinar da Magistratura.
Os impetrantes invocam a aplicação do disposto nos arts. 150, II, §1º, a, do Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Estado de Santa Catarina (Lei n. 6.745/85), cujo teor é o seguinte:
Art. 150.Prescreve a ação disciplinar:
II - em 05 (cinco) anos, quanto aos fatos punidos com a pena de demissão, de cassação de aposentadoria ou de cassação de disponibilidade, ressalvada a hipótese do art. 151, deste Estatuto.
§ 1º O prazo de prescrição começa a correr:
a) do dia em que o ilícito se tornou conhecido de autoridade competente para agir; (...).
Entendem os impetrantes que os atos são públicos e foram inspecionados - e, assim, ratificados - pelo juiz da Comarca, de sorte que o prazo prescricional deve iniciar a partir da respectiva publicação oficial. Tal raciocínio não prospera porque parte da premissa equivocada de que o ilícito foi conhecido - ou deveria ter sido conhecido - com a publicidade do ato ilegal.
Sustentam ainda os impetrantes que, por se tratarem de atos públicos ab ovo, a autoridade competente para agir deles tomou conhecimento quando de sua publicação. Não há que se confundir tomar conhecimento do ato publicado com tomar conhecimento de que houve o ilícito, ou seja, que aquele ato publicado consistia em prática ilícita.
Por essa razão, inclusive, não procede a assertiva de que 'a regra do art. 150, §1º, a, da Lei n. 6.745/82 é aplicável somente aos casos em que os atos são feitos às escondidas'. Ora, às escondidas ou não, o comando normativo é claro ao adotar como marco inicial a data do conhecimento do ilícito, que se considera a data das informações (ou Pedido de Providências) encaminhadas pela Procuradoria-Geral do Estado à Corregedoria-Geral de Justiça.
Não é crível, aliás, que se queira que o magistrado da comarca e o Corregedor-Geral da Justiça conheçam todos os atos cartoriais editados no Estado a ponto de verificar, por sua simples leitura, que, por exemplo, a matrícula imobiliária de determinado imóvel com área de 82.282m² foi lavrada 'erroneamente' com 182.282m² (cem mil metros quadrados a mais) em nome do sogro do titular do Cartório de Registro de Imóveis, mormente quando o mesmo imóvel é posteriormente transferido ao próprio titular do Cartório imobiliário (vide fl. 41). Ora, é evidente que foi dado conhecimento à sociedade do teor do ato registral quando o mesmo foi publicado, mas o conhecimento do ilícito - acréscimo de cem mil metros quadrados de área - pode ocorrer a posteriori, como de fato veio a acontecer.
Assim, mesmo tendo sido os atos publicados ab ovo e, portanto, às claras, sem que os impetrantes os houvesse escondidos ou ocultados, o fato é que o conhecimento dos ilícitos ocorreu a posteriori pela Corregedoria-Geral de Justiça, após notícia da Procuradoria-Geral do Estado, alterando o termo a quo de início do prazo de prescrição para 30-5-1995 (fl. 31).
Também não impressiona a assertiva de que todos os anos foram realizadas inspeções e correições severas na Serventia imobiliária pelo magistrado titular, rubricando os livros próprios e, com isso, convalidando os atos praticados.
A autoridade competente para agir, conforme consta em lei, não é só o magistrado titular da comarca, mas, também, a Corregedoria-Geral de Justiça.
Assim, o fato de o magistrado não ter visto os ilícitos não pode convalidá-los como querem os impetrantes e não afasta a competência da Corregedoria-Geral de Justiça para, deles tomando conhecimento, promover o respectivo processo administrativo disciplinar e posterior aplicação das sanções correspondentes.
Ademais, no tocante à suposta chancela praticada pelo togado que rubricou os livros em que foram editados os atos fraudulentos (rubrica esta tida por incontroversa, mas que, a bem da verdade, não formaram prova pré-constituída do writ), tem-se as lúcidas ponderações da douta Procuradoria-Geral de Justiça:
"Como sabido, nos atos de inspeção limita-se, a autoridade judicial, na verificação da observância pelo serventuário quanto à existência dos livros prescritos, ordem na sua transcrição, etc; sem detalhamento quanto à existência de irregularidades, práticas delitivas, objeto de aprofundamento através de correições, a partir do noticiamento a respeito da ocorrência das mesmas.
"O fato de serem públicos, os atos ali lançados, não conduzem ao convecimento, tenha, por isso, a autoridade competente, obrigação de conhecer da sua existência, e estar renitentemente na exumação do que esteja ali ocorrendo, eis que da ciência exclusiva de quem os pratica.
"A prevalecer o corolário trilhado pelos autores, escapariam ilesos os envolvidos em falcaturas administrativas; e, os processos de moralidade da coisa pública deflagrados nos seus encalços, estariam fadados a não vingarem pela eiva prescricional, uma vez que somente vêm à tona muito tempo após serem perpetrados" (fl. 166).
Com efeito, as autoridades competentes para agir no tocante à disciplina judiciária (hipótese dos autos), na Justiça do Estado de Santa Catarina, são elencadas no art. 363 do Código de Divisão e Organização Judiciárias do Estado de Santa Catarina (Lei n. 5.624, de 09 de novembro de 1979), a saber:
Art. 363 - A disciplina judiciária, com a finalidade de zelar pela exata observância das leis e regulamentos que interessam à administração da Justiça, será exercida:
I - pelo Tribunal Pleno e Câmaras;
II - pelo Conselho Disciplinar da Magistratura;
III - pela Corregedoria Geral da Justiça;
IV - pelos Diretores do Foro;
V - pelos Juízes;
VI - pelo Juiz-auditor da Justiça Militar.
Parágrafo único - A iniciativa do poder disciplinar cabe a qualquer dos órgãos enumerados neste artigo, de ofício ou por provocação de qualquer interessado.
Como se vê, a disciplina judiciária em questão é concorrente e não excludente, face o contido no parágrafo único do referido dispositivo legal e, portanto, a iniciativa do magistrado titular da comarca, que se quedou inerte, não obsta a atuação da Corregedoria-Geral de Justiça, provocada que foi pela Procuradoria-Geral do Estado.
Essas questões afastam, por completo, a arguição de prescrição porque o conhecimento do ilícito ocorreu em 1995 e a portaria que deu início ao processo administrativo foi instaurada em 1997, mas não se pode esquecer o disposto no art. 151 do Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Estado de Santa Catarina, segundo o qual "Se o fato configurar também ilícito penal, a prescrição será a mesma da ação penal, caso esta prescreva em mais de 05 (cinco) anos".
A propósito, destaco o seguinte excerto das informações da autoridade apontada como coatora:
"Registre-se que, a rigor, o prazo, após o recebimento da denúncia (em 15.07.97) não pode mais ser considerado quinquenal. Deve sim, ser considerado o prazo da ação penal - Prazo da Prescrição Punitiva Genérico (item VI, 5, do Manual de Procedimento Disciplinar).
"Nesse diapasão, fácil concluir-se que a prescrição administrativa-punitiva passou a ser regulada pela prescrição do crime de falsidade ideológica (art. 299, CP) e do crime de falsificação de documento público (art. 297, CP), sendo, pois, de 12 anos, como estatui o art. 109, III, do Código Penal" (fl. 154).
De qualquer forma, porque os atos ilícitos só foram conhecidos em 1995, não se pode reconhecer a prescrição alegada pelos impetrantes.
Em decorrência, afasto a arguição de prescrição, por entender que o termo a quo de incidência do prazo prescricional deve ser a data em que a autoridade coatora tomou conhecimento do ilícito, ou seja, 30-5-95.
2) Segunda ilegalidade - Incompetência do Poder Judiciário para aplicar a penalidade de demissão ou perda de delegação:
Ponderam os impetrantes que o Poder Judiciário é incompetente para aplicar penalidade de demissão ou impor perda de delegação de serventuários nomeados pelo Poder Executivo, sob o argumento de que o poder de exonerar, demitir ou destituir a delegação é conferida exclusivamente àquele que tem poderes de nomeação, no caso o Governador do Estado de Santa Catarina.
A arguição de incompetência também não procede.
O art. 363 do Código de Divisão e Organização Judiciárias do Estado de Santa Catarina é claro ao atribuir a disciplina judiciária, também, ao Conselho Disciplinar da Magistratura.
Por outro lado, o art. 370 do mesmo Diploma Legal é claro ao dispor que "a aplicação de pena de suspensão por mais de 30 (trinta) dias e a de demissão, prevista no § 5° do art. 364, depende de processo administrativo instaurado pelo Corregedor Geral e julgado pelo Conselho Disciplinar da Magistratura, podendo o primeiro delegar essa sua atribuição aos juízes".
A competência do Conselho Disciplinar da Magistratura, portanto, é legal e não contraria o disposto na Lei Federal n. 8.935/94.
A propósito, os impetrantes invocam as razões do veto ao art. 2º da Lei n. 8.935/94 pelo então Presidente da República, Itamar Franco, para defender a competência do Poder Executivo (Governador do Estado) para delegar a prática do serviço registral e, como decorrência lógica, para decretar a perda da delegação.
Tratando especificamente sobre o veto referenciado, assim manifesta-se doutrina abalisada que cita a divergência doutrinária:
"Segundo CENEVIVA (2000, p. 27-28), o veto ao art. 2º do PL 16/1994 corrigiu, convenientemente, a suposta impropriedade contida no texto aprovado no Parlamento Nacional. Segundo o referido doutrinador, o texto magno alude à delegação do Poder Público, cabendo ao Poder Judiciário fiscalizar, mas não delegar. (...)
"Nada obstante o veto presidencial e os argumentos de respeitáveis doutrinadores, o fato é que o Superior Tribunal de Justiça vem entendendo que, se a competência para a declaração de vacância da delegação, designação de substituto e abertura de concurso é atribuída ao Poder Judiciário pela Lei 8.935/1994 (em seus arts. 15 e 39, §2º), pode-se inferir, por interpretação sistemática e por imperativo lógico, a atribuição do Judiciário para outorgar as delegações dos serviços notariais e de registro. Veremos, após breve comentário a respeito da natureza jurídica dos cartórios (como sendo, ou não, dotados de personalidade jurídica), que o Supremo Tribunal Federal tende a se expressar, também, no sentido de que cabe ao Judiciário delegar os serviços notariais e de registro" (BENÍCIO, Hercules Alexandre da Costa. Responsabilidade Civil do Estado Decorrente de Atos Notariais e de Registro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 75-77).
Mais adiante, manifesta referido doutrinador a seguinte conclusão:
"Assim sendo, temos que o entendimento jurisprudencial hoje predominante é no sentido de que cabe ao Poder Judiciário, e não propriamente ao Executivo, a competência para outorgar a delegação dos serviços notariais e de registro. Neste aspecto, reputamos razoável e tecnicamente admissível o posicionamento de nossa Suprema Corte, uma vez que, levando-se em consideração o plexo de competências conferidas ao Judiciário, tanto na Constituição quanto na Lei 8.935/1994, relativamente à fiscalização dos referidos serviços delegados, a fortiori, pode-se admitir a atribuição deste Poder para outorga da delegação dos serviços referidos" (op. cit., p. 82).
Por outro lado, igualmente improcede o pleito de concessão da ordem com base no art. 30 da Lei Complementar Estadual n. 183/99 (de 24.09.99), segundo o qual "ficam sem efeito os atos de afastamento, as declarações de vacância, as nomeações, as designações interinas, as demissões, ou outra forma de provimento ou declaração de extinção de delegações a qualquer título praticados por qualquer autoridade diversa do Governador do Estado, posteriores à data de 18 de novembro de 1994, e que digam respeito a notários, tabeliães ou oficiais de serventias de registro público" (sic fl. 18).
Com efeito, além do entendimento sedimentado de que a competência para impor pena de demissão qualificada com perda da delegação aos impetrantes é do Poder Judiciário, a LC Estadual referida não pode retroagir como pretende.
Neste sentido, colhe-se do parecer da douta Procuradoria-Geral de Justiça:
"Ainda que diversamente se pretendesse, de qualquer forma seus efeitos não são retrooperantes - ex nunc - não dispondo de força para atingir aquilo que vinha sendo processado antes de sua vigência, ainda que enfaticamente tenha disposto sobre tal
"Mesmo porque, quando deflagrada a portaria instauradora do procedimento administrativo - 18.11.97 - e a publicação do acórdão que o julgou - 14.06.99 - encontrava-se em plena vigência o disciplinado pelo art. 370, da Lei n. 5.624/79 (Código de Divisão e Organização Judiciárias do Estado); que, aliás, remarque-se, não se acha revogado pela aludida LC" (fl. 165).
Corroborando o raciocínio até aqui traçado, traz-se à colação o seguinte entendimento do Egrégio Tribunal Pleno deste TJSC:
- "O Conselho da Magistratura é o órgão competente para a imposição da pena de perda da delegação de notários e de registradores" (TJSC, Tribunal Pleno, Rel. Des. Amaral e Silva, Recurso de Decisão n. 2007.015292-2, de Guaramirim, j. 26-2-2009).
Em arremate, colhe-se da jurisprudência já consolidada do Superior Tribunal de Justiça, o seguinte precedente:
"Cabe ao Poder Judiciário a aplicação das penas disciplinares aos delegatários das serventias extrajudiciais. No caso da perda da delegação, esta poderá ser decretada tanto no bojo de um processo judicial, como no âmbito de processo administrativo instaurado pela autoridade judiciária. Inteligência do art. 236, § 1º, da Constituição Federal e dos arts. 32, 34 e 35 da Lei 8.935/94. Precedentes" (STJ, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, RMS 28.171/SP, j. 16-6-2009).
Em decorrência, afasta-se a alegada incompetência do egrégio Conselho Disciplinar da Magistratura para aplicar aos impetrantes a pena de demissão qualificada (fls. 26-37).
3) Terceira Ilegalidade - ausência de individualização da pena aplicada:
Dizem os impetrantes que a decisão do Conselho Disciplinar da Magistratura é nula porque não houve individualização da pena aplicada, apurando-se fatos distintos e sem ligações entre si em um mesmo procedimento.
Afirmam que: a) a impetrante Edna Bossle, nomeada em maio de 1985, foi responsabilizada pela prática de atos realizados exclusivamente por Manoel Bossle em março de 1985; b) o impetrante Manoel Bossle estava licenciado de suas funções em outubro de 1988 por estar disputando pleito eleitoral, não podendo ser responsabilizado pela transcrição de título de posse em Livro de Propriedade, pois datado de 10/1988; c) a impetrante Edna Bossle não pode ser responsabilizada pelas escrituras havidas por títulos anteriores à vigência do Código Civil, pois não tinha, à época, qualquer vínculo com o Cartório e o impetrante Manoel Bossle, embora Oficial Maior à época desses longínquos fatos, era subordinado e cumpria as ordens do Titular do Ofício.
Argumentam que o Conselho Disciplinar afastou preliminar de ilegitimidade passiva por si aventada sob o fundamento de que o processo administrativo foi único, mas apurou a responsabilidade de cada um, mas, em que pese tal assertiva no tocante à preliminar, na realidade a apuração particularizada das condutas supostamente praticadas pelos impetrantes não ocorreu.
Assim, dizem que a decisão do Conselho Disciplinar da Magistratura ofendeu direito natural líquido e certo de que a pena seja correspondente à conduta do agente, consagrado como garantia constitucional no art. 5º, XLVI, da Constituição Federal.
Data venia, a motivação do decisum proferido pelo Conselho Disciplinar da Magistratura diferenciou as condutas praticadas por Titular e Oficial Maior do Registro de Imóveis de Santo Amaro da Imperatriz, ainda que o dispositivo final tenha concluído pela imposição de "pena de demissão qualificada, prevista no art. 364, §5º, do Código de Divisão e Organização Judiciárias do Estado de Santa Catarina, por infração ao art. 137, incisos I, n. 3 e II, n. 13, da Lei n. 6.745/85 e, por consequência, a pena acessória de incompatibilidade com o exercício de cargo ou emprego público pelo período de 5 (cinco) anos (art. 138 da Lei n. 6.745/85" (fl. 27).
Ora, a ambos os impetrantes foi atribuída a prática de 'improbidade administrativa': o Titular Manoel Eugênio Bossle pelos atos que praticou no exercício de sua função e enquanto Oficial Maior daquele Cartório de Registro Imobiliário; a Oficial Maior Edna Elias Bossle, esposa do Titular, pelos atos que praticou enquanto substituía o Titular e ou agia como Oficial Maior daquela serventia.
Com efeito, a leitura da decisão apontada como ofensora de direito líquido e certo dos impetrantes não deixa qualquer rastro de dúvidas. Edna Elias Bossle não foi responsabilizada por atos cometidos por seu esposo e o Titular Manoel Eugênio Bossle também não foi punido por qualquer ato que não praticou.
Neste sentido, transcrevem-se as seguintes passagens das informações prestadas pela autoridade apontada como coatora:
"Ao contrário do que asseveram os impetrantes, a conduta de cada um ficou cabalmente demonstrada.
"Peço venia para transcrever trechos do Processo Administrativo:
"[...Transcrição de trecho da decisão do Conselho Disciplinar da Magistratura tratando sobre o acréscimo de área e duplicidade de matrículas, atribuindo tal conduta exclusivamente ao Titular do Registro Imobiliário, o impetrante Manoel Eugênio Bossle].
"Ou seja, sobre o primeiro fato (acréscimo de área e duplicidade da matrícula), em nenhum momento o Processo Administrativo cogitou a responsabilidade da impetrante Edna Bossle.
"Moacir Frasseto, Procurador-Corregedor, em seu depoimento, confirma as irregularidades noticiadas às fls. 30 usque 35, em que certifica que 'as aberrações constantes dos títulos acima evidenciam que o titular do CRI agiu com má-fé, buscando locupletar-se ilicitamente do cargo para tanto' (fls. 377/378)' (fl. 08).
"Em relação à transcrição do livro de propriedade de título de posse a responsabilidade é exclusiva da impetrante Edna Bossle.
"[...Transcrição do trecho da decisão do Conselho Disciplinar da Magistratura acerca da matéria, atribuindo responsabilidade exclusivamente à Oficial Maior Edna Bossle, porque seu marido, Titular do ofício, estava licenciado à época].
"(...) No que concerne às escrituras havidas por títulos anteriores à vigência do Código Civil, a Impetrante Edna Bossle nem sequer foi interrogada, não se podendo falar, destarte, em exclusão do pólo passivo..." (fls. 156-157).
A narrativa das informações prestadas pela autoridade dita coatora espelham o que de fato ocorreu por ocasião do julgamento do processo administrativo, ou seja, a ambos os impetrantes fora aplicada a pena de demissão qualificada por atos de manifesta improbidade administrativa no exercício de função pública e falsificação de documentos, atos estes que ensejam demissão qualificada e simples, respectivamente, conforme art. 137, incisos I, 3, e II, 13, da Lei n. 6.745/85, cujo teor é o seguinte:
"Art. 137. São infrações disciplinares, entre outras definidas nesta Lei:
"I - puníveis com demissão qualificada ou simples:
"3 - qualquer ato de manifesta improbidade no exercício da função pública.
"II - puníveis com demissão simples:
"13 - falsificar ou usar documentos que saiba falsificados".
Ora, o que os impetrantes não querem enxergar é que o ato imputado exclusivamente a Manoel Eugênio Bossle - acréscimo de área e duplicidade de matrícula -, afora configurar falsificação (ideológica) de documento público, corresponde a manifesta improbidade no exercício de função pública, tal e qual o registro de posse como se propriedade fosse, realizado exclusivamente pela impetrante Edna Bossle. Tratou-se de registro que não representava a realidade, caracterizando manifesta improbidade no exercício de função pública.
Por essa razão, inexistindo faticamente a alegada 'falta de individuação da pena' - a prova dos autos revela o contrário -, afasta-se o argumento.
4) Quarta ilegalidade - violação à ampla defesa dos impetrantes:
Dizem os impetrantes que a decisão do Conselho Disciplinar da Magistratura violou o princípio da ampla defesa dos impetrantes, pois o Corregedor-Geral de Justiça que instaurou o processo administrativo, Des. João Martins, funcionou também como presidente do Conselho Disciplinar da Magistratura por ocasião do julgamento, funcionando no processo como acusador e julgador, lançando prévia sanção aos impetrantes acusados e condenando-os previamente, impedindo o exercício do direito constitucional à ampla defesa.
Data venia, não há que se confundir as figuras de Corregedor-Geral de Justiça e Conselho Disciplinar da Magistratura. O Corregedor-Geral de Justiça é órgão singular momentaneamente exercido por determinado Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, enquanto que o Conselho Disciplinar da Magistratura é órgão colegiado.
Ora, o princípio que veda o julgamento do processo pelo próprio acusador deve ser observado, desde que, efetivamente, se vislumbre a atuação como acusador e julgador. No caso vertente, em que pese o já aposentado Des. João Martins tenha sido o subscritor da Portaria que instaurou o procedimento administrativo e, também, o presidente do Conselho Disciplinar da Magistratura por ocasião do julgamento do processo administrativo, não se vislumbra tal identidade, a ponto de macular o julgamento.
A respeito do assunto, a douta Procuradoria-Geral de Justiça proferiu a judiciosa opinio juris:
"Tal procedimento era até então correntio e legalmente previsto aos processos sumários de crimes e contravenções, sem que se suscitasse a nulidade dos mesmos.
"Afora que vigora, até que em contrário se prove, o princípio da idoneidade dos julgamentos do Judiciário; de qualquer modo, no caso em tela, a decisão sobre a sorte dos impetrantes é provinda de um Órgão Colegiado, com a participação de julgadores que estiveram equidistantes do processo.
"De qualquer forma, os impetrantes sempre tiveram acesso às provas, exercitando sem restrições a ampla defesa; não sendo vulnerado, em momento algum, a liquidez e certeza de seus direitos" (fl. 168).
Realmente a garantia ao direito de defesa foi plena, tendo os impetrantes oferecido defesa do processo administrativo, através de ilustrados advogados, inclusive com extensas alegações finais que repousam às fls. 120-138.
A respeito do assunto, colhe-se ainda as seguintes ponderações do Presidente da Comissão Disciplinar da Magistratura que respondeu ao writ of mandamus:
"O Processo Administrativo objurgado, em nenhum momento, feriu direito líquido e certo dos impetrantes. Tiveram estes pleno acesso às provas, sendo-lhes oportunizada a mais irrestrita ampla defesa.
"Se o então Corregedor-Geral opinou no sentido de punição dos impetrantes, fê-lo cumprindo com o seu mister" (fl. 159).
De fato, dessume-se dos autos que foi a Procuradoria-Geral do Estado que agiu como investigador/acusador, pedindo providências e instigando o Corregedor-Geral de Justiça a promover a instauração do competente processo administrativo.
Por outro lado, foi o Des. Francisco Oliveira Filho quem relatou o processo administrativo. A participação do Des. João Martins, por ocasião do julgamento do processo administrativo, se deu na condição de Presidente deste Tribunal de Justiça e membro nato do Conselho Disciplinar da Magistratura.
Por fim, ainda que se cogitasse da impossibilidade de participação do Des. João Martins naquele julgamento, mesmo adotando-se previamente que seu substituto votaria contrariamente aos demais membros do Conselho e em defesa da pretensão dos impetrantes, ainda assim persistiria a pena de demissão qualificada, agora não mais por decisão unânime, como ocorreu, mas por maioria de votos, que não desnatura ou invalida a condenação imposta.
Neste sentido, é possível invocar o princípio pas de nullité sans grief, segundo o qual não se pronuncia nulidade que não ocasionou prejuízo à parte, mormente em se tratando de processo administrativo em que foi visivelmente garantido o direito à ampla defesa e ao contraditório dos impetrantes.
Neste sentido, colhe-se do Superior Tribunal de Justiça o seguinte julgado:
"No caso sub judice, acompanhado de procurador constituído, o ora impetrante teve acesso aos autos do processo administrativo disciplinar, amplo conhecimento dos fatos investigados, produziu as provas e contraprovas pertinentes, bem como, oportunamente, ofereceu defesa escrita, o que afasta qualquer alegação relativa à ofensa ao devido processo legal e à ampla defesa. Eventual nulidade no processo administrativo exige a respectiva comprovação do prejuízo sofrido, hipótese não configurada na espécie, sendo, pois, aplicável o princípio pas de nullité sans grief' (STJ, MS n. 9.056/DF, Rel.ª Min.ª Laurita Vaz, j. 27/04/05).
Do Tribunal de Justiça do nosso Estado colhe-se o seguinte ensinamento:
"Não se declara nulidade de processo administrativo sem a comprovação de prejuízo ao direito de ampla defesa"(TJSC, Tribunal Pleno, Rel. Des. Amaral e Silva, Recurso de Decisão n. 2007.015292-2, de Guaramirim, j. 26-2-2009).
Quer isto dizer, então, que a nulidade não deve ser decretada porque o ato atingiu sua finalidade e, mesmo por maioria de votos, teria concluído pela aplicação de pena de demissão qualificada aos impetrantes, que não honraram a delegação que lhes foi concedida e esqueceram da regra primária segundo a qual a "delegação não é título de nobreza nem título acadêmico, existindo não em função da pessoa que a exerce mas em função do interesse público primário" (STJ, 2ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, RMS n. 29.493/MS, j. 23-6-2009).
Inexistindo afronta a direito líquido e certo capaz de alterar a solução do ato dito ilegal praticado pelo egrégio Conselho Disciplinar da Magistratura catarinense e na esteira do posicionamento da douta Procuradoria-Geral de Justiça, voto, no mérito, pela denegação da ordem.
É o voto.
DECISÃO
Nos termos do voto do relator, esta Seção Civil, à unanimidade de votos, resolve denegar a ordem.
O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Carlos Prudêncio, com voto, e dele participaram os Exmos. Srs. Desembargadores Fernando Carioni, Luiz Carlos Freyesleben, César Abreu, Ricardo Fontes, Salim Schead dos Santos, Cid Goulart, Jaime Ramos, Jorge Schaefer Martins, Sérgio Izidoro Heil, José Carlos Carstens Köhler, João Henrique Blasi, Jorge Luiz de Borba, Victor Ferreira, Rejane Andersen, Joel Figueira Júnior, Cláudio Valdyr Helfenstein, Rodrigo Antônio, Jaime Luiz Vicari, Paulo Roberto Camargo Costa, Henry Petry Júnior, Ricardo Roesler, Pedro Manoel Abreu, Cláudio Barreto Dutra, Luiz Cézar Medeiros, Vanderlei Romer, Eládio Torret Rocha, Wilson Augusto do Nascimento e José Volpato de Souza, Sérgio Roberto Baasch Luz e Newton Trisotto.
Pela douta Procuradoria-Geral de Justiça, lavrou parecer o Exmo. Sr. Dr. Nelson Fernando Mendes.
Florianópolis, 25 de novembro de 2009.
Monteiro Rocha
RELATOR
em favor dos impetrantes não são suficientes para acarretar a inversão no resultado unânime pelo Órgão colegiado.
Em suas razões recursais, sustenta prescrição, porquanto "o último ato imputado aos impetrantes remonta a 25 de outubro de 1988, enquanto a Portaria foi instaurada apenas em 18 de novembro de 1997, decorrendo período de mais de nove anos entre ambos os acontecimentos. Como, em obséquio à letra 'a' do § 1º do inciso II do artigo 150 do Estatuto dos Servidores Públicos Civil do Estado de Santa Catarina, combinada com o artigo 439 do Código de Divisão e Organização Judiciária do Estado de Santa Catarina, o prazo de prescrição é de cinco anos, repita-se, todos os fatos relatados na Portaria já estavam, antes mesmo dela, de modo irrefutável, prescritos".
Afirma, ainda, que a contagem do prazo prescricional deveria iniciar na data em que os fatos foram levados ao conhecimento da Corregedoria do Tribunal de Justiça em 30.5.1995, sendo esse o termo inicial de contagem do prazo.
Por fim, sustentam a incompetência do Conselho da Magistratura para aplicar a pena de demissão na espécie, haja vista que a nomeação foi realizada pelo Governador do Estado.
Contrarrazões nos autos (fls. 528/531).
O Ministério Público Federal opina pelo não provimento do recurso ordinário em apreço (fls. 601/609).
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES (Relator):
Trata-se de recurso ordinário em mandado de segurança interposto por Manoel Eugênio Bossle e outro, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, em que pretende a reforma daquele julgado.
Inicialmente, no tocante ao prazo prescricional, entendo que o recurso não merece provimento.
Dessume-se que o Corregedor-Geral de Justiça de Santa Catarina instaurou, através da Portaria n. 77/97 processo administrativo contra os recorrentes para o fim de apurar a ocorrência de irregularidades no Cartório de registros imobiliários de Santo Amaro da Imperatriz/SC.
Após regular trâmite no processo administrativo, o Conselho da Magistratura, à unanimidade, aplicou a pena de demissão qualificada prevista no artigo 364, § 5º, do Código de Divisão e Organização Judiciárias do Estado de Santa Catarina.
A jurisprudência pacificada desta Corte de Justiça firmou-se no sentido de que somente quando a autoridade administrativa toma conhecimento inequívoco dos atos tidos por ilegais é que se inicia o prazo decadencial. Na espécie, os atos ilícitos chegaram a conhecimento da autoridade administrativa por meio do recebimento de informações enviadas pela Procuradoria-Geral do Estado à Corregedoria Geral de Justiça, em 30.5.1995. Assim, considerando que a Portaria que instaurou o procedimento administrativo é datada de 18.11.97, não é possível a caracterização da prescrição.
O art. 370 do Código de Organização Judiciária do Estado de Santa Catarina (Lei estadual 5.624/79) dispõem o seguinte:
Art. 370. A aplicação da penalidade de pena de suspensão por mais de 30(trinta) dias e a de demissão, prevista no § 5º do art. 364, depende de processo administrativo instaurado pelo Corregedor Geral e julgado pelo Conselho Disciplinar da Magistratura, podendo o primeiro delegar essa sua atribuição aos
juízes.
Observa-se que o art. 370 da referida lei trata somente de uma garantia ao serventuário, indiciado por infração mais grave - sujeita à pena de suspensão por mais de 30 dias ou demissão - de ser julgado apenas pelo Conselho Disciplinar da Magistratura, após necessário processo administrativo instaurado pelo Corregedor-Geral, como efetivamente se deu no caso dos autos.
Assim, considerando o disposto no artigo 370 da Lei estadual n. 5.624/79 em que estabelece a competência do Conselho Disciplinar da Magistratura para o julgamento dos processos administrativos em que se aplica a pena de demissão, os recorrentes não lograram demonstrar a ocorrência de vícios na condução do processo administrativo, sendo impossível o provimento do presente recurso ordinário.
Por todo o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso ordinário em mandado de segurança.
É como voto.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
Certifico que a egrégia SEGUNDA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
"A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso ordinário, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator, sem destaque."
Os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha, Castro Meira, Humberto Martins e Herman Benjamin votaram com o Sr. Ministro Relator.
Fonte: PORTAL DO STJ
ÍNTEGRA DE DECISÃO ANTERIOR (TJ/SC)
Processo: Mandado de Segurança nº 1999.017999-0
Relator: Monteiro Rocha
Data: 18/12/2009
Relator: Des. Monteiro Rocha
ADMINISTRATIVO, PROCESSUAL CIVIL E REGISTROS PÚBLICOS - TITULAR E OFICIAL MAIOR DE REGISTRO IMOBILIÁRIO - DEMISSÃO QUALIFICADA - PENA IMPOSTA POR CONSELHO DISCIPLINAR DA MAGISTRATURA - INCONFORMISMO - 1) DIREITO LÍQUIDO E CERTO AO PRONUNCIAMENTO DE PRESCRIÇÃO - ATOS PÚBLICOS - TERMO A QUO DE SUA PUBLICAÇÃO - IMPOSSIBILIDADE - PRAZO EXTINTIVO COM INÍCIO A PARTIR DO CONHECIMENTO DO ILÍCITO - PRESCRIÇÃO NÃO CONFIGURADA - 2) INCOMPETÊNCIA DO CONSELHO DISCIPLINAR DA MAGISTRATURA (PODER JUDICIÁRIO) PARA DECRETAR PERDA DE DELEGAÇÃO - DELEGAÇÃO DE SERVENTIAS POR PODER EXECUTIVO - INOCORRÊNCIA - DISCUSSÃO SEDIMENTADA EM JURISPRUDÊNCIA - COMPETÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO PARA APLICAR A SANÇÃO - ARGUIÇÃO REPELIDA - 3) ALEGAÇÃO DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA - INOCORRÊNCIA - DECISÃO ADMINISTRATIVA QUE INDIVIDUALIZA CONDUTAS QUE, POR SUA GRAVIDADE, CARACTERIZAM IGUAL INFRAÇÃO - FALSIDADE IDEOLÓGICA DE DOCUMENTO E MANIFESTA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - PRINCÍPIO OBSERVADO - 4) ALEGADA OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO - CORREGEDOR-GERAL DE JUSTIÇA SUBSCRITOR DE PORTARIA INSTAURADORA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO - POSTERIOR PARTICIPAÇÃO DO JULGAMENTO DEFINITIVO, NA CONDIÇÃO DE PRESIDENTE DO TRIBUNAL E, TAMBÉM, DO CONSELHO DISCIPLINAR DA MAGISTRATURA - VOTAÇÃO UNÂNIME - NULIDADE INCAPAZ DE ALTERAR DECISÃO - DEVER DE OFÍCIO - NULIDADE AFASTADA - OFENSA A DIREITO LÍQUIDO E CERTO INCONFIGURADA - ORDEM DENEGADA.
1) O prazo prescricional da ação disciplinar prevista no Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Estado de Santa Catarina conta-se a partir do conhecimento do ilícito.
2) O Poder Judiciário, através do Conselho Disciplinar da Magistratura, é competente para aplicar pena de demissão qualificada, com consequente perda de delegação, ao notário/registrador que pratica ato de improbidade administrativa e falsidade documental ideológica.
3) Individualizadas as condutas dos co-réus na inicial do processo administrativo e na fundamentação de sua decisão final, não importa em afronta ao princípio da individualização da pena concluir pela aplicação de demissão qualificada a ambos os serventuários se as condutas por eles praticadas ensejam mesma sanção administrativa.
4) Sendo distintos os órgãos acusador e julgador, o primeiro singular e o segundo coletivo, não há nulidade no fato de o Corregedor-Geral de Justiça subscrever a Portaria de instauração do Processo Administrativo iniciado por motivação da Procuradoria-Geral do Estado e, posteriormente, na condição de Presidente do Tribunal de Justiça e membro nato do Conselho Disciplinar da Magistratura, integrar o órgão julgador daquele processo disciplinar, principalmente se o reconhecimento da incompatibilidade e a presunção de que o voto substituído seria em favor dos impetrantes não são suficientes para acarretar a inversão no resultado unânime pelo Órgão colegiado.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Mandado de Segurança n. 1999.017999-0, da comarca do Tribunal em que são impetrantes Manoel Eugenio Bossle e Edna Elias Bossle, sendo impetrado o Exmo. Sr. Desembargador Presidente do Conselho da Magistratura:
ACORDAM, em Seção Civil, por votação unânime, denegar a ordem. Custas legais.
RELATÓRIO
Manoel Eugênio Bossle e Edna Elias Bossle, em 11 de outubro de 1999, impetraram mandado de segurança contra ato que dizem ilegal do Excelentíssimo Sr. Desembargador Presidente do Conselho da Magistratura do Estado de Santa Catarina.
Ponderam que a Portaria n. 77, de 18 de novembro de 1997, instaurou processo administrativo contra os impetrantes, à época, respectivamente, Titular do Registro de Imóveis e Oficial Maior da Serventia de Santo Amaro da Imperatriz, com base em três fatos distintos: a) fabricação, falsificação ou duplicação de títulos na transcrição de n. 7.801, do Livro 3-H da Comarca de Palhoça; b) transcrição de registro de posse em Livro relativo à propriedade, conforme transcrição imobiliária n. 14/838 do Livro 3-L do Cartório de Palhoça, que veio a ser objeto, em 17 de novembro de 1980, da matrícula n. 1.127 em Santo Amaro e, em razão de venda de parcela da área, também da matrícula 1.128, não obstante tenha sido registrada a totalidade da área, em 25 de outubro de 1988, através da matrícula de n. 6.151; c) existência de matrículas anteriores a 1985 que apresentavam título aquisitivo adquirido antes da vigência do Código Civil brasileiro.
Argumentam que o então Conselho Disciplinar da Magistratura, em decisão unânime, afastou preliminares suscitadas pelos ora impetrantes e, no mérito, condenou-os à "pena de demissão qualificada, prevista no art. 364, §5º, do Código de Divisão e Organização Judiciárias do Estado de Santa Catarina, por infração ao art. 137, incisos I, n. '3', e II, n. '13', da Lei n. 6.745/85 e, por consequência, a pena acessória de incompatibilidade com o exercício de cargo ou emprego público pelo período de 5 (cinco) anos (art. 138 da Lei n. 6.745/85)".
Os impetrantes dirigem a impetração contra esse decisum, publicado em 14 de junho de 1999.
A primeira ilegalidade apontada pelos impetrantes diz respeito à prescrição do direito da Administração questionar os atos praticados pelos impetrantes e mencionados na Portaria 77/97, pois o prazo prescricional, regulado pelo Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Estado de Santa Catarina, é de cinco anos, contados a partir do dia que o fato tornou-se conhecido pela autoridade competente para agir.
Neste passo, argumentam que o último ato questionado na Portaria de 18-11-1997 foi realizado em 25-10-1988, tendo transcorrido mais de 05 anos de sua edição até à publicação da Portaria.
Mencionam que o Conselho Disciplinar da Magistratura reconheceu que o prazo é quinquenal, mas afastou o reconhecimento da prescrição sob o fundamento de que seu termo a quo seria 30-5-1995, quando se tornaram conhecidos (como ilícito) da autoridade competente para agir.
Entretanto, ponderam que o termo a quo deve ser a data de realização dos atos questionados na Portaria 77/97 porque: a) os atos em referência são públicos ab ovo, de domínio e conhecimento geral; b) a regra do art. 150, §1º, a, do Estatuto dos Servidores Públicos Civis é aplicável somente aos casos em que os atos são feitos às escondidas, com propósito de ocultação, o que dizem não ser a hipótese dos atos questionados na referida Portaria; c) todo ano foram realizadas inspeções e correições severas na Serventia imobiliária, com fiscalização dos atos praticados, cuja obrigação é do magistrado titular da comarca; d) os atos praticados eram feitos às claras, de forma pública e os impetrantes nunca os esconderam ou ocultaram.
Como segunda afronta a direito líquido e certo, ponderam que o Poder Judiciário é incompetente para aplicar penalidade de demissão ou impor perda de delegação de serventuários nomeados pelo Poder Executivo, sob o argumento de que o poder de exonerar, demitir ou destituir a delegação é conferida exclusivamente àquele que tem poderes de nomeação, no caso o Governador do Estado de Santa Catarina.
Terceira ilegalidade é apontada pelos impetrantes à decisão do Egrégio Conselho Disciplinar da Magistratura, consistente na ausência de individualização da pena aplicada, apurando-se fatos distintos e sem ligações entre si em um mesmo procedimento.
No tocante à individualização da pena, inocorrente no caso, dizem que: a) a impetrante Edna Bossle, nomeada em maio de 1985, foi responsabilizada pela prática de atos realizados exclusivamente por Manoel Bossle em março de 1985; b) o impetrante Manoel Bossle estava licenciado de suas funções em outubro de 1988 por estar disputando pleito eleitoral, não podendo ser responsabilizado pela transcrição de título de posse em Livro de Propriedade, pois datado de 10/1988; c) a impetrante Edna Bossle não pode ser responsabilizada pelas escrituras havidas por títulos anteriores à vigência do Código Civil, pois não tinha, à época, qualquer vínculo com o Cartório e o impetrante Manoel Bossle, embora Oficial Maior à época desses longínquos fatos, era subordinado e cumpria as ordens do Titular do Ofício.
Argumentam que o Conselho Disciplinar afastou preliminar de ilegitimidade passiva por si aventada sob o fundamento de que o processo administrativo foi único, apurando a responsabilidade de cada um. Entretanto, contra-argumentam, apesar de tal assertiva, não ocorreu a apuração particularizada das condutas supostamente ilícitas praticadas pelos impetrantes.
Assim, dizem que a decisão do Conselho Disciplinar da Magistratura ofendeu direito natural líquido e certo de que a pena seja correspondente à conduta do agente, consagrado como garantia constitucional no art. 5º, XLVI, da Constituição Federal.
Como quarta afronta a direito líquido e certo, dizem os impetrantes que a decisão do Conselho Disciplinar da Magistratura violou o princípio da ampla defesa dos impetrantes, pois o Corregedor-Geral de Justiça que instaurou o processo administrativo, Des. João Martins, funcionou também como presidente do Conselho Disciplinar da Magistratura por ocasião do julgamento, atuando no processo como acusador e julgador, lançando prévia sanção aos impetrantes acusados e condenando-os previamente, impedindo o exercício do direito constitucional à ampla defesa.
Assim discorrendo, requereram a concessão de liminar para suspender os efeitos da decisão administrativa atacada e, ao final, a concessão da segurança em definitivo, declarando a ilegalidade da decisão proferida pelo Conselho Disciplinar da Magistratura e reintegrando-os na qualidade de Titular e Oficial Maior do Registro de Imóveis de Santo Amaro da Impetratriz.
Juntaram documentos.
O pedido de liminar foi postergado para após as informações da autoridade apontada como coatora.
Notificada, a autoridade coatora prestou informações às fls. 149-159, sustentando a legalidade da decisão do Conselho Disciplinar da Magistratura, rebatendo os argumentos da impetração e alertando, ao final, que os impetrantes não ilidiram as provas apuradas no Processo Administrativo, confessando a desídia de suas ações e demonstrando que não têm condições de retornar aos cargos pretendidos.
A liminar foi indeferida pelo então relator, conforme decisão irrecorrida de fl. 161.
Parecer da douta Procuradoria-Geral de Justiça opinou pela denegação da segurança.
O Órgão Especial deste Tribunal de Justiça, em sessão de 5-6-2002 extinguiu o processo sem julgamento de mérito, sob o fundamento de que há no Regimento Interno desta Casa recurso próprio para atacar a decisão do egrégio Conselho Disciplinar da Magistratura (recurso de decisão), sendo inviável o uso do writ constitucional face o contido no art. 5º, I, da Lei n. 1.533/51.
Inconformados, os impetrantes Manoel Eugênio Bossle e Edna Elias Bossle interpuseram recurso ordinário em mandado de segurança, dirigido ao Superior Tribunal de Justiça.
A douta Procuradoria-Geral de Justiça, no parecer de fls. 200/203, opinou pela anulação do julgamento, a fim de que seja apreciado o mérito do writ.
No mesmo sentido, a Procuradoria-Geral da República manifestou-se pelo provimento parcial do recurso ordinário interposto pelos impetrantes, apenas para anular a decisão do Egrégio Órgão Especial deste Tribunal, a fim de que seja julgado o mérito do writ of mandamus.
Os impetrantes interviram no feito para requerer, em caráter acautelatório, a exclusão do Registro de Imóveis da Comarca de Santo Amaro da Impetratriz do rol das serventias disponíveis no concurso público n. 84/07.
O Min. João Otávio de Noronha, em decisão monocrática de fl. 263/267, deu provimento parcial ao recurso ordinário em mandado de segurança, determinando o retorno dos autos a este Tribunal para julgamento do mérito da impetração.
O eminente Des. Edson Ubaldo declarou seu impedimento à fl. 272.
Recebido o processo por redistribuição, determinei a intimação das partes para convalidarem o processado, após o retorno dos autos da Corte Superior.
Os impetrantes manifestaram-se através da petição de fls. 280/286 e a douta Procuradoria-Geral de Justiça, às fls. 289/294, manifestou-se pela denegação da segurança.
À guisa de informação, o impetrante Manoel Eugênio Bossle ajuizou medida cautelar incidental objetivando excluir o Ofício do Registro de Imóveis de Santa Amaro da Imperatriz do concurso de remoção deflagrado pelo Edital n. 84/07, até o julgamento final do aludido mandado de segurança, medida cautelar essa que foi julgada extinta monocraticamente por ausência de interesse processual, porquanto eventual decisão concessiva da segurança tem força jurídica suficiente para satisfazer a pretensão do impetrante.
É o relatório.
VOTO
A decisão irrecorrida de fls. 263-267, subscrita pelo Min. João Otávio Noronha, determinou "o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que seja examinado o mérito do presente writ of mandamus" (fl. 267).
Passo, então, ao exame de mérito das supostas ilegalidades apontadas na impetração.
1) Primeira ilegalidade - prescrição:
Sustentam os impetrantes que prescreveu o direito de a Administração questionar os atos praticados pelos impetrantes e mencionados na Portaria 77/97, pois o prazo prescricional, regulado pelo Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Estado de Santa Catarina, é de cinco anos, contados a partir do dia que o fato tornou-se conhecido pela autoridade competente para agir.
Neste passo, argumentam que o último ato questionado na Portaria de 18-11-1997 (criação da matrícula n. 6.151, fl. 55) foi realizado em 25-10-1988, tendo transcorrido mais de 05 anos.
Mencionam que o Conselho Disciplinar da Magistratura reconheceu que o prazo é quinquenal, mas afastou o reconhecimento da prescrição sob o fundamento de que seu termo a quo seria 30-5-1995, quando os atos ilícitos praticados pelos impetrantes se tornaram conhecidos da autoridade competente para agir.
Os impetrantes não trouxeram aos autos do writ constitucional documento essencial a respeito da suscitada preliminar e, além disso, não há ilegalidade na decisão do Conselho Disciplinar da Magistratura.
Salta aos olhos, ictu occuli, que o termo a quo de prescrição adotado pelo Conselho Disciplinar da Magistratura foi a data de 30-5-1995 porque neste dia os ilícitos - todos os narrados na peça que instaurou o processo administrativo disciplinar - tornaram-se conhecidos da Corregedoria-Geral de Justiça, mediante informações encaminhadas a ela pela Procuradoria-Geral do Estado.
A Portaria que instaurou o processo administrativo disciplinar anuncia que "consta dos autos n. 0210/95 - Pedido de Providências - formulado pelo Estado de Santa Catarina, afirmações da existência de diversas irregularidades praticadas pelo Titular e Oficial Maior do Registro de Imóveis de Santo Amaro da Imperatriz" (fl. 40).
A decisão que aplicou a pena de demissão qualificada aos impetrantes, ao apreciar idêntica preliminar de prescrição, a rejeitou porque "a teor do art. 439 do Código de Divisão e Organização Judiciárias do Estado de Santa Catarina, c/c art. 150, inciso II, §1º, letra 'a', da Lei n. 6.745, de 28 de dezembro de 1985, a prescrição somente começa a correr a partir do dia em que o ilícito se tornou conhecido da autoridade competente para agir. Neste caso, no dia 30-05-95" (fl. 31).
A autoridade apontada como coatora, por sua vez, ao prestar informações, noticiou que "embora sejam constante de documento público, os fatos apenas foram conhecidos pela autoridade competente para apurá-los, ou seja, a Corregedoria-Geral de Justiça, em 30-5-95, quando do recebimento de informações por parte da Procuradoria-Geral do Estado (fls. 31 do Processo Administrativo n. 644)" (fl. 153).
Ora, não se sabe se por desídia ou se intencionalmente, mas o fato é que as aludidas 'informações por parte da Procuradoria-Geral do Estado' não vieram para estes autos de mandado de segurança e eram indispensáveis para aferir o exame da alegada prescrição, porquanto serviram de base ao entendimento sufragado pela decisão do colendo Conselho Disciplinar da Magistratura.
Como se sabe, no mandado de segurança a prova deve ser pré-constituída, ou seja, deve acompanhar o pedido inicial. Neste sentido:
"Quando a lei alude a direito líquido e certo, está exigindo que esse direito se apresente com todos os requisitos para seu reconhecimento e exercício no momento da impetração. Em última análise, direito líquido e certo é direito comprovado de plano. (...)
"(...) As provas tendentes a demonstrar a liquidez e certeza do direito podem ser de todas as modalidades admitidas em lei, desde que acompanhem a inicial, salvo no caso de documento em poder do impetrado (art. 6º, parágrafo único) ou superveniente às informações. Admite-se também, a qualquer tempo, o oferecimento de parecer jurídico pelas partes, o que não se confunde com documento. O que se exige é prova pré-constituída das situações e fatos que embasam o direito invocado pelo impetrante" (MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança: ação popular, ação civil pública, mandado de injunção, 'habeas data'. 21ª ed. Malheiros: São Paulo, 1999, p. 35).
A impetração não veio acompanhada do documento que embasa a ratio utilizada como fundamento pelo egrégio Conselho Disciplinar da Magistratura. Assim, ainda que a impetração invoque a data de publicação dos atos cartoriais como termo a quo da prescrição, data esta demonstrada pelas cópias das matrículas lavradas irregularmente que acompanham a vestibular, era indispensável a cópia das informações encaminhadas pela Procuradoria-Geral do Estado à Corregedoria-Geral de Justiça, a fim de se aferir as razões da autoridade impetrada.
Não bastasse isso, não há ilegalidade na interpretação realizada pelo Conselho Disciplinar da Magistratura.
Os impetrantes invocam a aplicação do disposto nos arts. 150, II, §1º, a, do Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Estado de Santa Catarina (Lei n. 6.745/85), cujo teor é o seguinte:
Art. 150.Prescreve a ação disciplinar:
II - em 05 (cinco) anos, quanto aos fatos punidos com a pena de demissão, de cassação de aposentadoria ou de cassação de disponibilidade, ressalvada a hipótese do art. 151, deste Estatuto.
§ 1º O prazo de prescrição começa a correr:
a) do dia em que o ilícito se tornou conhecido de autoridade competente para agir; (...).
Entendem os impetrantes que os atos são públicos e foram inspecionados - e, assim, ratificados - pelo juiz da Comarca, de sorte que o prazo prescricional deve iniciar a partir da respectiva publicação oficial. Tal raciocínio não prospera porque parte da premissa equivocada de que o ilícito foi conhecido - ou deveria ter sido conhecido - com a publicidade do ato ilegal.
Sustentam ainda os impetrantes que, por se tratarem de atos públicos ab ovo, a autoridade competente para agir deles tomou conhecimento quando de sua publicação. Não há que se confundir tomar conhecimento do ato publicado com tomar conhecimento de que houve o ilícito, ou seja, que aquele ato publicado consistia em prática ilícita.
Por essa razão, inclusive, não procede a assertiva de que 'a regra do art. 150, §1º, a, da Lei n. 6.745/82 é aplicável somente aos casos em que os atos são feitos às escondidas'. Ora, às escondidas ou não, o comando normativo é claro ao adotar como marco inicial a data do conhecimento do ilícito, que se considera a data das informações (ou Pedido de Providências) encaminhadas pela Procuradoria-Geral do Estado à Corregedoria-Geral de Justiça.
Não é crível, aliás, que se queira que o magistrado da comarca e o Corregedor-Geral da Justiça conheçam todos os atos cartoriais editados no Estado a ponto de verificar, por sua simples leitura, que, por exemplo, a matrícula imobiliária de determinado imóvel com área de 82.282m² foi lavrada 'erroneamente' com 182.282m² (cem mil metros quadrados a mais) em nome do sogro do titular do Cartório de Registro de Imóveis, mormente quando o mesmo imóvel é posteriormente transferido ao próprio titular do Cartório imobiliário (vide fl. 41). Ora, é evidente que foi dado conhecimento à sociedade do teor do ato registral quando o mesmo foi publicado, mas o conhecimento do ilícito - acréscimo de cem mil metros quadrados de área - pode ocorrer a posteriori, como de fato veio a acontecer.
Assim, mesmo tendo sido os atos publicados ab ovo e, portanto, às claras, sem que os impetrantes os houvesse escondidos ou ocultados, o fato é que o conhecimento dos ilícitos ocorreu a posteriori pela Corregedoria-Geral de Justiça, após notícia da Procuradoria-Geral do Estado, alterando o termo a quo de início do prazo de prescrição para 30-5-1995 (fl. 31).
Também não impressiona a assertiva de que todos os anos foram realizadas inspeções e correições severas na Serventia imobiliária pelo magistrado titular, rubricando os livros próprios e, com isso, convalidando os atos praticados.
A autoridade competente para agir, conforme consta em lei, não é só o magistrado titular da comarca, mas, também, a Corregedoria-Geral de Justiça.
Assim, o fato de o magistrado não ter visto os ilícitos não pode convalidá-los como querem os impetrantes e não afasta a competência da Corregedoria-Geral de Justiça para, deles tomando conhecimento, promover o respectivo processo administrativo disciplinar e posterior aplicação das sanções correspondentes.
Ademais, no tocante à suposta chancela praticada pelo togado que rubricou os livros em que foram editados os atos fraudulentos (rubrica esta tida por incontroversa, mas que, a bem da verdade, não formaram prova pré-constituída do writ), tem-se as lúcidas ponderações da douta Procuradoria-Geral de Justiça:
"Como sabido, nos atos de inspeção limita-se, a autoridade judicial, na verificação da observância pelo serventuário quanto à existência dos livros prescritos, ordem na sua transcrição, etc; sem detalhamento quanto à existência de irregularidades, práticas delitivas, objeto de aprofundamento através de correições, a partir do noticiamento a respeito da ocorrência das mesmas.
"O fato de serem públicos, os atos ali lançados, não conduzem ao convecimento, tenha, por isso, a autoridade competente, obrigação de conhecer da sua existência, e estar renitentemente na exumação do que esteja ali ocorrendo, eis que da ciência exclusiva de quem os pratica.
"A prevalecer o corolário trilhado pelos autores, escapariam ilesos os envolvidos em falcaturas administrativas; e, os processos de moralidade da coisa pública deflagrados nos seus encalços, estariam fadados a não vingarem pela eiva prescricional, uma vez que somente vêm à tona muito tempo após serem perpetrados" (fl. 166).
Com efeito, as autoridades competentes para agir no tocante à disciplina judiciária (hipótese dos autos), na Justiça do Estado de Santa Catarina, são elencadas no art. 363 do Código de Divisão e Organização Judiciárias do Estado de Santa Catarina (Lei n. 5.624, de 09 de novembro de 1979), a saber:
Art. 363 - A disciplina judiciária, com a finalidade de zelar pela exata observância das leis e regulamentos que interessam à administração da Justiça, será exercida:
I - pelo Tribunal Pleno e Câmaras;
II - pelo Conselho Disciplinar da Magistratura;
III - pela Corregedoria Geral da Justiça;
IV - pelos Diretores do Foro;
V - pelos Juízes;
VI - pelo Juiz-auditor da Justiça Militar.
Parágrafo único - A iniciativa do poder disciplinar cabe a qualquer dos órgãos enumerados neste artigo, de ofício ou por provocação de qualquer interessado.
Como se vê, a disciplina judiciária em questão é concorrente e não excludente, face o contido no parágrafo único do referido dispositivo legal e, portanto, a iniciativa do magistrado titular da comarca, que se quedou inerte, não obsta a atuação da Corregedoria-Geral de Justiça, provocada que foi pela Procuradoria-Geral do Estado.
Essas questões afastam, por completo, a arguição de prescrição porque o conhecimento do ilícito ocorreu em 1995 e a portaria que deu início ao processo administrativo foi instaurada em 1997, mas não se pode esquecer o disposto no art. 151 do Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Estado de Santa Catarina, segundo o qual "Se o fato configurar também ilícito penal, a prescrição será a mesma da ação penal, caso esta prescreva em mais de 05 (cinco) anos".
A propósito, destaco o seguinte excerto das informações da autoridade apontada como coatora:
"Registre-se que, a rigor, o prazo, após o recebimento da denúncia (em 15.07.97) não pode mais ser considerado quinquenal. Deve sim, ser considerado o prazo da ação penal - Prazo da Prescrição Punitiva Genérico (item VI, 5, do Manual de Procedimento Disciplinar).
"Nesse diapasão, fácil concluir-se que a prescrição administrativa-punitiva passou a ser regulada pela prescrição do crime de falsidade ideológica (art. 299, CP) e do crime de falsificação de documento público (art. 297, CP), sendo, pois, de 12 anos, como estatui o art. 109, III, do Código Penal" (fl. 154).
De qualquer forma, porque os atos ilícitos só foram conhecidos em 1995, não se pode reconhecer a prescrição alegada pelos impetrantes.
Em decorrência, afasto a arguição de prescrição, por entender que o termo a quo de incidência do prazo prescricional deve ser a data em que a autoridade coatora tomou conhecimento do ilícito, ou seja, 30-5-95.
2) Segunda ilegalidade - Incompetência do Poder Judiciário para aplicar a penalidade de demissão ou perda de delegação:
Ponderam os impetrantes que o Poder Judiciário é incompetente para aplicar penalidade de demissão ou impor perda de delegação de serventuários nomeados pelo Poder Executivo, sob o argumento de que o poder de exonerar, demitir ou destituir a delegação é conferida exclusivamente àquele que tem poderes de nomeação, no caso o Governador do Estado de Santa Catarina.
A arguição de incompetência também não procede.
O art. 363 do Código de Divisão e Organização Judiciárias do Estado de Santa Catarina é claro ao atribuir a disciplina judiciária, também, ao Conselho Disciplinar da Magistratura.
Por outro lado, o art. 370 do mesmo Diploma Legal é claro ao dispor que "a aplicação de pena de suspensão por mais de 30 (trinta) dias e a de demissão, prevista no § 5° do art. 364, depende de processo administrativo instaurado pelo Corregedor Geral e julgado pelo Conselho Disciplinar da Magistratura, podendo o primeiro delegar essa sua atribuição aos juízes".
A competência do Conselho Disciplinar da Magistratura, portanto, é legal e não contraria o disposto na Lei Federal n. 8.935/94.
A propósito, os impetrantes invocam as razões do veto ao art. 2º da Lei n. 8.935/94 pelo então Presidente da República, Itamar Franco, para defender a competência do Poder Executivo (Governador do Estado) para delegar a prática do serviço registral e, como decorrência lógica, para decretar a perda da delegação.
Tratando especificamente sobre o veto referenciado, assim manifesta-se doutrina abalisada que cita a divergência doutrinária:
"Segundo CENEVIVA (2000, p. 27-28), o veto ao art. 2º do PL 16/1994 corrigiu, convenientemente, a suposta impropriedade contida no texto aprovado no Parlamento Nacional. Segundo o referido doutrinador, o texto magno alude à delegação do Poder Público, cabendo ao Poder Judiciário fiscalizar, mas não delegar. (...)
"Nada obstante o veto presidencial e os argumentos de respeitáveis doutrinadores, o fato é que o Superior Tribunal de Justiça vem entendendo que, se a competência para a declaração de vacância da delegação, designação de substituto e abertura de concurso é atribuída ao Poder Judiciário pela Lei 8.935/1994 (em seus arts. 15 e 39, §2º), pode-se inferir, por interpretação sistemática e por imperativo lógico, a atribuição do Judiciário para outorgar as delegações dos serviços notariais e de registro. Veremos, após breve comentário a respeito da natureza jurídica dos cartórios (como sendo, ou não, dotados de personalidade jurídica), que o Supremo Tribunal Federal tende a se expressar, também, no sentido de que cabe ao Judiciário delegar os serviços notariais e de registro" (BENÍCIO, Hercules Alexandre da Costa. Responsabilidade Civil do Estado Decorrente de Atos Notariais e de Registro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 75-77).
Mais adiante, manifesta referido doutrinador a seguinte conclusão:
"Assim sendo, temos que o entendimento jurisprudencial hoje predominante é no sentido de que cabe ao Poder Judiciário, e não propriamente ao Executivo, a competência para outorgar a delegação dos serviços notariais e de registro. Neste aspecto, reputamos razoável e tecnicamente admissível o posicionamento de nossa Suprema Corte, uma vez que, levando-se em consideração o plexo de competências conferidas ao Judiciário, tanto na Constituição quanto na Lei 8.935/1994, relativamente à fiscalização dos referidos serviços delegados, a fortiori, pode-se admitir a atribuição deste Poder para outorga da delegação dos serviços referidos" (op. cit., p. 82).
Por outro lado, igualmente improcede o pleito de concessão da ordem com base no art. 30 da Lei Complementar Estadual n. 183/99 (de 24.09.99), segundo o qual "ficam sem efeito os atos de afastamento, as declarações de vacância, as nomeações, as designações interinas, as demissões, ou outra forma de provimento ou declaração de extinção de delegações a qualquer título praticados por qualquer autoridade diversa do Governador do Estado, posteriores à data de 18 de novembro de 1994, e que digam respeito a notários, tabeliães ou oficiais de serventias de registro público" (sic fl. 18).
Com efeito, além do entendimento sedimentado de que a competência para impor pena de demissão qualificada com perda da delegação aos impetrantes é do Poder Judiciário, a LC Estadual referida não pode retroagir como pretende.
Neste sentido, colhe-se do parecer da douta Procuradoria-Geral de Justiça:
"Ainda que diversamente se pretendesse, de qualquer forma seus efeitos não são retrooperantes - ex nunc - não dispondo de força para atingir aquilo que vinha sendo processado antes de sua vigência, ainda que enfaticamente tenha disposto sobre tal
"Mesmo porque, quando deflagrada a portaria instauradora do procedimento administrativo - 18.11.97 - e a publicação do acórdão que o julgou - 14.06.99 - encontrava-se em plena vigência o disciplinado pelo art. 370, da Lei n. 5.624/79 (Código de Divisão e Organização Judiciárias do Estado); que, aliás, remarque-se, não se acha revogado pela aludida LC" (fl. 165).
Corroborando o raciocínio até aqui traçado, traz-se à colação o seguinte entendimento do Egrégio Tribunal Pleno deste TJSC:
- "O Conselho da Magistratura é o órgão competente para a imposição da pena de perda da delegação de notários e de registradores" (TJSC, Tribunal Pleno, Rel. Des. Amaral e Silva, Recurso de Decisão n. 2007.015292-2, de Guaramirim, j. 26-2-2009).
Em arremate, colhe-se da jurisprudência já consolidada do Superior Tribunal de Justiça, o seguinte precedente:
"Cabe ao Poder Judiciário a aplicação das penas disciplinares aos delegatários das serventias extrajudiciais. No caso da perda da delegação, esta poderá ser decretada tanto no bojo de um processo judicial, como no âmbito de processo administrativo instaurado pela autoridade judiciária. Inteligência do art. 236, § 1º, da Constituição Federal e dos arts. 32, 34 e 35 da Lei 8.935/94. Precedentes" (STJ, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, RMS 28.171/SP, j. 16-6-2009).
Em decorrência, afasta-se a alegada incompetência do egrégio Conselho Disciplinar da Magistratura para aplicar aos impetrantes a pena de demissão qualificada (fls. 26-37).
3) Terceira Ilegalidade - ausência de individualização da pena aplicada:
Dizem os impetrantes que a decisão do Conselho Disciplinar da Magistratura é nula porque não houve individualização da pena aplicada, apurando-se fatos distintos e sem ligações entre si em um mesmo procedimento.
Afirmam que: a) a impetrante Edna Bossle, nomeada em maio de 1985, foi responsabilizada pela prática de atos realizados exclusivamente por Manoel Bossle em março de 1985; b) o impetrante Manoel Bossle estava licenciado de suas funções em outubro de 1988 por estar disputando pleito eleitoral, não podendo ser responsabilizado pela transcrição de título de posse em Livro de Propriedade, pois datado de 10/1988; c) a impetrante Edna Bossle não pode ser responsabilizada pelas escrituras havidas por títulos anteriores à vigência do Código Civil, pois não tinha, à época, qualquer vínculo com o Cartório e o impetrante Manoel Bossle, embora Oficial Maior à época desses longínquos fatos, era subordinado e cumpria as ordens do Titular do Ofício.
Argumentam que o Conselho Disciplinar afastou preliminar de ilegitimidade passiva por si aventada sob o fundamento de que o processo administrativo foi único, mas apurou a responsabilidade de cada um, mas, em que pese tal assertiva no tocante à preliminar, na realidade a apuração particularizada das condutas supostamente praticadas pelos impetrantes não ocorreu.
Assim, dizem que a decisão do Conselho Disciplinar da Magistratura ofendeu direito natural líquido e certo de que a pena seja correspondente à conduta do agente, consagrado como garantia constitucional no art. 5º, XLVI, da Constituição Federal.
Data venia, a motivação do decisum proferido pelo Conselho Disciplinar da Magistratura diferenciou as condutas praticadas por Titular e Oficial Maior do Registro de Imóveis de Santo Amaro da Imperatriz, ainda que o dispositivo final tenha concluído pela imposição de "pena de demissão qualificada, prevista no art. 364, §5º, do Código de Divisão e Organização Judiciárias do Estado de Santa Catarina, por infração ao art. 137, incisos I, n. 3 e II, n. 13, da Lei n. 6.745/85 e, por consequência, a pena acessória de incompatibilidade com o exercício de cargo ou emprego público pelo período de 5 (cinco) anos (art. 138 da Lei n. 6.745/85" (fl. 27).
Ora, a ambos os impetrantes foi atribuída a prática de 'improbidade administrativa': o Titular Manoel Eugênio Bossle pelos atos que praticou no exercício de sua função e enquanto Oficial Maior daquele Cartório de Registro Imobiliário; a Oficial Maior Edna Elias Bossle, esposa do Titular, pelos atos que praticou enquanto substituía o Titular e ou agia como Oficial Maior daquela serventia.
Com efeito, a leitura da decisão apontada como ofensora de direito líquido e certo dos impetrantes não deixa qualquer rastro de dúvidas. Edna Elias Bossle não foi responsabilizada por atos cometidos por seu esposo e o Titular Manoel Eugênio Bossle também não foi punido por qualquer ato que não praticou.
Neste sentido, transcrevem-se as seguintes passagens das informações prestadas pela autoridade apontada como coatora:
"Ao contrário do que asseveram os impetrantes, a conduta de cada um ficou cabalmente demonstrada.
"Peço venia para transcrever trechos do Processo Administrativo:
"[...Transcrição de trecho da decisão do Conselho Disciplinar da Magistratura tratando sobre o acréscimo de área e duplicidade de matrículas, atribuindo tal conduta exclusivamente ao Titular do Registro Imobiliário, o impetrante Manoel Eugênio Bossle].
"Ou seja, sobre o primeiro fato (acréscimo de área e duplicidade da matrícula), em nenhum momento o Processo Administrativo cogitou a responsabilidade da impetrante Edna Bossle.
"Moacir Frasseto, Procurador-Corregedor, em seu depoimento, confirma as irregularidades noticiadas às fls. 30 usque 35, em que certifica que 'as aberrações constantes dos títulos acima evidenciam que o titular do CRI agiu com má-fé, buscando locupletar-se ilicitamente do cargo para tanto' (fls. 377/378)' (fl. 08).
"Em relação à transcrição do livro de propriedade de título de posse a responsabilidade é exclusiva da impetrante Edna Bossle.
"[...Transcrição do trecho da decisão do Conselho Disciplinar da Magistratura acerca da matéria, atribuindo responsabilidade exclusivamente à Oficial Maior Edna Bossle, porque seu marido, Titular do ofício, estava licenciado à época].
"(...) No que concerne às escrituras havidas por títulos anteriores à vigência do Código Civil, a Impetrante Edna Bossle nem sequer foi interrogada, não se podendo falar, destarte, em exclusão do pólo passivo..." (fls. 156-157).
A narrativa das informações prestadas pela autoridade dita coatora espelham o que de fato ocorreu por ocasião do julgamento do processo administrativo, ou seja, a ambos os impetrantes fora aplicada a pena de demissão qualificada por atos de manifesta improbidade administrativa no exercício de função pública e falsificação de documentos, atos estes que ensejam demissão qualificada e simples, respectivamente, conforme art. 137, incisos I, 3, e II, 13, da Lei n. 6.745/85, cujo teor é o seguinte:
"Art. 137. São infrações disciplinares, entre outras definidas nesta Lei:
"I - puníveis com demissão qualificada ou simples:
"3 - qualquer ato de manifesta improbidade no exercício da função pública.
"II - puníveis com demissão simples:
"13 - falsificar ou usar documentos que saiba falsificados".
Ora, o que os impetrantes não querem enxergar é que o ato imputado exclusivamente a Manoel Eugênio Bossle - acréscimo de área e duplicidade de matrícula -, afora configurar falsificação (ideológica) de documento público, corresponde a manifesta improbidade no exercício de função pública, tal e qual o registro de posse como se propriedade fosse, realizado exclusivamente pela impetrante Edna Bossle. Tratou-se de registro que não representava a realidade, caracterizando manifesta improbidade no exercício de função pública.
Por essa razão, inexistindo faticamente a alegada 'falta de individuação da pena' - a prova dos autos revela o contrário -, afasta-se o argumento.
4) Quarta ilegalidade - violação à ampla defesa dos impetrantes:
Dizem os impetrantes que a decisão do Conselho Disciplinar da Magistratura violou o princípio da ampla defesa dos impetrantes, pois o Corregedor-Geral de Justiça que instaurou o processo administrativo, Des. João Martins, funcionou também como presidente do Conselho Disciplinar da Magistratura por ocasião do julgamento, funcionando no processo como acusador e julgador, lançando prévia sanção aos impetrantes acusados e condenando-os previamente, impedindo o exercício do direito constitucional à ampla defesa.
Data venia, não há que se confundir as figuras de Corregedor-Geral de Justiça e Conselho Disciplinar da Magistratura. O Corregedor-Geral de Justiça é órgão singular momentaneamente exercido por determinado Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, enquanto que o Conselho Disciplinar da Magistratura é órgão colegiado.
Ora, o princípio que veda o julgamento do processo pelo próprio acusador deve ser observado, desde que, efetivamente, se vislumbre a atuação como acusador e julgador. No caso vertente, em que pese o já aposentado Des. João Martins tenha sido o subscritor da Portaria que instaurou o procedimento administrativo e, também, o presidente do Conselho Disciplinar da Magistratura por ocasião do julgamento do processo administrativo, não se vislumbra tal identidade, a ponto de macular o julgamento.
A respeito do assunto, a douta Procuradoria-Geral de Justiça proferiu a judiciosa opinio juris:
"Tal procedimento era até então correntio e legalmente previsto aos processos sumários de crimes e contravenções, sem que se suscitasse a nulidade dos mesmos.
"Afora que vigora, até que em contrário se prove, o princípio da idoneidade dos julgamentos do Judiciário; de qualquer modo, no caso em tela, a decisão sobre a sorte dos impetrantes é provinda de um Órgão Colegiado, com a participação de julgadores que estiveram equidistantes do processo.
"De qualquer forma, os impetrantes sempre tiveram acesso às provas, exercitando sem restrições a ampla defesa; não sendo vulnerado, em momento algum, a liquidez e certeza de seus direitos" (fl. 168).
Realmente a garantia ao direito de defesa foi plena, tendo os impetrantes oferecido defesa do processo administrativo, através de ilustrados advogados, inclusive com extensas alegações finais que repousam às fls. 120-138.
A respeito do assunto, colhe-se ainda as seguintes ponderações do Presidente da Comissão Disciplinar da Magistratura que respondeu ao writ of mandamus:
"O Processo Administrativo objurgado, em nenhum momento, feriu direito líquido e certo dos impetrantes. Tiveram estes pleno acesso às provas, sendo-lhes oportunizada a mais irrestrita ampla defesa.
"Se o então Corregedor-Geral opinou no sentido de punição dos impetrantes, fê-lo cumprindo com o seu mister" (fl. 159).
De fato, dessume-se dos autos que foi a Procuradoria-Geral do Estado que agiu como investigador/acusador, pedindo providências e instigando o Corregedor-Geral de Justiça a promover a instauração do competente processo administrativo.
Por outro lado, foi o Des. Francisco Oliveira Filho quem relatou o processo administrativo. A participação do Des. João Martins, por ocasião do julgamento do processo administrativo, se deu na condição de Presidente deste Tribunal de Justiça e membro nato do Conselho Disciplinar da Magistratura.
Por fim, ainda que se cogitasse da impossibilidade de participação do Des. João Martins naquele julgamento, mesmo adotando-se previamente que seu substituto votaria contrariamente aos demais membros do Conselho e em defesa da pretensão dos impetrantes, ainda assim persistiria a pena de demissão qualificada, agora não mais por decisão unânime, como ocorreu, mas por maioria de votos, que não desnatura ou invalida a condenação imposta.
Neste sentido, é possível invocar o princípio pas de nullité sans grief, segundo o qual não se pronuncia nulidade que não ocasionou prejuízo à parte, mormente em se tratando de processo administrativo em que foi visivelmente garantido o direito à ampla defesa e ao contraditório dos impetrantes.
Neste sentido, colhe-se do Superior Tribunal de Justiça o seguinte julgado:
"No caso sub judice, acompanhado de procurador constituído, o ora impetrante teve acesso aos autos do processo administrativo disciplinar, amplo conhecimento dos fatos investigados, produziu as provas e contraprovas pertinentes, bem como, oportunamente, ofereceu defesa escrita, o que afasta qualquer alegação relativa à ofensa ao devido processo legal e à ampla defesa. Eventual nulidade no processo administrativo exige a respectiva comprovação do prejuízo sofrido, hipótese não configurada na espécie, sendo, pois, aplicável o princípio pas de nullité sans grief' (STJ, MS n. 9.056/DF, Rel.ª Min.ª Laurita Vaz, j. 27/04/05).
Do Tribunal de Justiça do nosso Estado colhe-se o seguinte ensinamento:
"Não se declara nulidade de processo administrativo sem a comprovação de prejuízo ao direito de ampla defesa"(TJSC, Tribunal Pleno, Rel. Des. Amaral e Silva, Recurso de Decisão n. 2007.015292-2, de Guaramirim, j. 26-2-2009).
Quer isto dizer, então, que a nulidade não deve ser decretada porque o ato atingiu sua finalidade e, mesmo por maioria de votos, teria concluído pela aplicação de pena de demissão qualificada aos impetrantes, que não honraram a delegação que lhes foi concedida e esqueceram da regra primária segundo a qual a "delegação não é título de nobreza nem título acadêmico, existindo não em função da pessoa que a exerce mas em função do interesse público primário" (STJ, 2ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, RMS n. 29.493/MS, j. 23-6-2009).
Inexistindo afronta a direito líquido e certo capaz de alterar a solução do ato dito ilegal praticado pelo egrégio Conselho Disciplinar da Magistratura catarinense e na esteira do posicionamento da douta Procuradoria-Geral de Justiça, voto, no mérito, pela denegação da ordem.
É o voto.
DECISÃO
Nos termos do voto do relator, esta Seção Civil, à unanimidade de votos, resolve denegar a ordem.
O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Carlos Prudêncio, com voto, e dele participaram os Exmos. Srs. Desembargadores Fernando Carioni, Luiz Carlos Freyesleben, César Abreu, Ricardo Fontes, Salim Schead dos Santos, Cid Goulart, Jaime Ramos, Jorge Schaefer Martins, Sérgio Izidoro Heil, José Carlos Carstens Köhler, João Henrique Blasi, Jorge Luiz de Borba, Victor Ferreira, Rejane Andersen, Joel Figueira Júnior, Cláudio Valdyr Helfenstein, Rodrigo Antônio, Jaime Luiz Vicari, Paulo Roberto Camargo Costa, Henry Petry Júnior, Ricardo Roesler, Pedro Manoel Abreu, Cláudio Barreto Dutra, Luiz Cézar Medeiros, Vanderlei Romer, Eládio Torret Rocha, Wilson Augusto do Nascimento e José Volpato de Souza, Sérgio Roberto Baasch Luz e Newton Trisotto.
Pela douta Procuradoria-Geral de Justiça, lavrou parecer o Exmo. Sr. Dr. Nelson Fernando Mendes.
Florianópolis, 25 de novembro de 2009.
Monteiro Rocha
RELATOR
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