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quarta-feira, 20 de abril de 2011

OS CRIMES DO CASAL HERNANDEZ VISTOS PELO STJ

Superior Tribunal de Justiça


HABEAS CORPUS Nº 77.771 - SP (2007/0041879-9)

RELATÓRIO

EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ:

Trata-se de Habeas Corpus , com pedido de liminar, impetrado em favor de

ESTEVAN HERNANDES FILHO e SÔNIA HADDAD MORAES HERNANDES, em face

de acórdão da Nona Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

prolatado nos autos do HC n.º 1.030.133.3/4, indeferindo o pedido de trancamento da Ação

Penal n.º 050.02.063631-8 – controle n.º 1.063/2006 – a que respondem perante o Juízo da 1.ª

Vara Criminal de São Paulo/SP.

Em 31 de julho de 2006, os ora Pacientes, intitulados bispos e fundadores da

Igreja Renascer em Cristo, foram denunciados, juntamente com outros, como incursos no

art. 1.º, inciso VII, da Lei n.º 9.613/98, por suposta lavagem de dinheiro e ocultação de bens,

por meio de organização criminosa pretensamente instalada na Igreja que lideram e em


empresas a ela ligadas.

Em 07 de agosto de 2006 a denúncia foi recebida pelo Juízo da 1.ª Vara

Criminal de São Paulo/SP, instaurando-se a Ação Penal n.º 050.02.063631-8 – controle n.º

1.063/2006. Depois de seus interrogatórios, por deixarem de comparecer à audiência de oitiva

de testemunhas, o Ministério Público requereu a prisão preventiva dos acusados, no que foi

atendido pelo Juízo processante. O pedido de reconsideração não foi acolhido pelo Juiz de

primeiro grau, que manteve a prisão preventiva decretada. Consignou o MM. Juiz da causa, in

verbis :

"[...] Quanto aos co-réus Estevan Hernandes Filho e Sonia Haddad

Moraes Hernandes, faltaram à audiência de instrução, procurando justificar a

ausência, posteriormente, pelo documento de fls. 2579. Atestado onde não

consta o CRM do responsável da Clínica Cláudio Lotlemberg, embora

atestado pelo Dr. Fernando P. Maia, CRM 88.109, o documento é lacônico

não há a classificação da enfermidade – CID, constando apenas uma consulta

e dispensa de atividades datado de 08 de novembro ou seja dois dias antes da

audiência.

[...] Na verdade a justificativa dos réus Estevam Hernandes Filho e

Sonia Haddad Moraes Hernandes é insuficiente. Os réus deixaram

deliberadamente de comparecer em audiência da qual foram devidamente

intimados. Os réus respondem por crimes, em tese, muito graves, não fosse

isso, respondem a outros processos na esfera cível, portanto embora os seus

defensores tenham garantido ao Juízo que eles permanecem a disposição da

Justiça, considero que o fundamento para que respondessem o processo em

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Superior Tribunal de Justiça

liberdade, nesta fase, foi contrariado pelos próprios réus, que em liberdade

poderão dificultar a busca da verdade real e principalmente frustrar a correta

aplicação da lei penal, tornando insegura a futura prestação jurisdicional.

Ante o exposto, para a garantia da ordem pública, por ser necessário

à instrução criminal e para que se assegure a aplicação da lei penal,

DECRETO a prisão preventiva de ESTEVAM HERNANDES FILHO e SONIA

HADDAD MORAES HERNANDES [...]."

Inconformados, impetraram o HC n.º 1.034.546.3/8 perante o Tribunal de

Justiça do Estado de São Paulo. Prestadas as informações, o Desembargador Relator do feito

indeferiu o pedido de liminar, o que ensejou a impetração do HC n.º 72.735/SP nesta

Superior Instância, a mim distribuído. Deferi o pedido de liminar para cassar a ordem de

prisão, "até o julgamento do habeas corpus originário pelo Tribunal a quo, sem prejuízo de

nova decretação de prisão preventiva por motivos supervenientes."

Nesse ínterim, conforme amplamente divulgado pela imprensa nacional, em 08

de janeiro de 2007, os Pacientes viajaram para os Estados Unidos da América, acompanhados

de parentes, tendo sido presos por estarem levando consigo a quantia não-declarada de

U$ 56.000,00 (cinqüenta e seis mil dólares). A partir desse fato, em 10 de janeiro, os

Promotores de Justiça da GAECO que oficiam no feito requereram a decretação de nova

prisão preventiva, no que foram atendidos. Instado a reconsiderar, o MM. Juiz de primeiro

grau denegou o pleito, oportunidade em que, acolhendo manifestação ministerial, pediu a

extradição dos réus.

Esta Egrégia Quinta Turma, ao julgar o HC n.º 72.735/SP, por mim relatado,

concedeu a ordem "para revogar o decreto de prisão preventiva em tela [o primeiro],

ressaltando a higidez da decisão posterior do Juízo de primeiro grau que tornou a decretá-la

por motivos supervenientes, fato que é objeto de outro habeas corpus" (DJ de 14/05/2007).

Em decorrência da expedição da segunda ordem de prisão preventiva contra os

Réus, ora Pacientes, a Defesa bateu mais uma vez às portas do Tribunal de Justiça paulista

com a impetração do HC n.º 1.049.112.3/2, buscando a cassação do decreto prisional,

alegando falta de fundamentação e incompetência do Juízo Estadual. O Desembargador

Relator do feito indeferiu o pedido de liminar, ensejando o manejo neste Superior Tribunal de

Justiça do HC n.º 75.818/SP, em que reitera a insurgência.

Ato contínuo, impetrou também o HC n.º 1.050.625.3/6, perante o Tribunal a

quo, insurgindo-se contra a decisão do Juízo processante que, acolhendo manifestação

ministerial, determinou a expedição dos ofícios necessários para dar início ao pedido de

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Superior Tribunal de Justiça

extradição dos ora Pacientes. Tendo sido a liminar denegada pelo Desembargador Relator do

writ originário, impetrou neste Superior Tribunal de Justiça o HC n.º 76.070/SP, em que

argúi ilegalidades da iniciativa do Juízo processante, buscando obstar o pedido de extradição.

Outrossim, impetrou perante a Corte de origem o HC n.º 1.030.133.3/4,

argüindo, em suma, a inépcia da denúncia por atipicidade da conduta, razão pela qual pedia o

trancamento da ação penal em tela. A Nona Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do

Estado de São Paulo denegou a ordem, consoante os fundamentos do acórdão de fls. 366/381,

ensejando a presente impetração.

O Impetrante alega constrangimento ilegal, reiterando os argumentos. Sustenta

a inaplicabilidade do dispositivo legal capitulado na acusação, porque não se descreve o

crime antecedente praticado por organização criminosa, que sequer é conceituada na lei.

Assevera que "Não existe, nem se prova, um constrangimento a doações. não se imagina de

ardil ou fraude para que estas sejam efetuadas. Isso se dá de bom grado por parte dos fiéis"

(fls. 31/32); e que o órgão acusador não descreve nenhum crime cometidos pela Igreja

Renascer. Argúi ainda a "inépcia da alegação da configuração do crime de lavagem de

dinheiro proveniente de crimes de estelionatos e fraudes praticadas por organização

criminosa" (fl. 36), na medida em que há uma "compreensão errática do que são donativos

em culto religioso" , prática comum nas instituições religiosas, sendo que "Estelionato e

fraude, aliás, não fazem nem nunca fizeram parte do rol de crimes antecedentes" (fl. 38).

Insurge-se, também, contra a referência na denúncia ao crescimento patrimonial supostamente

ilícito dos Pacientes, sem fundamento ou lastro probatório. Pede, assim, o sobrestamento do

processo-crime até o julgamento deste habeas corpus. E, no mérito, o trancamento da ação

penal em tela.

O pedido de liminar foi indeferido nos termos da decisão de fls. 79/80.

As judiciosas informações foram prestadas às fls. 85/87, com a juntada de

peças processuais pertinentes à instrução do feito.

O Ministério Público Federal manifestou-se em singelo parecer às fls. 383/384,

opinando pela denegação da ordem.

É o relatório.

Documento: 3865515 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 3 de 21

Superior Tribunal de Justiça

HABEAS CORPUS Nº 77.771 - SP (2007/0041879-9)

EMENTA

HABEAS CORPUS . LAVAGEM DE DINHEIRO. INCISO VII DO

ART. 1.º DA LEI N.º 9.613/98. APLICABILIDADE. ORGANIZAÇÃO

CRIMINOSA. CONVENÇÃO DE PALERMO APROVADA PELO

DECRETO LEGISLATIVO N.º 231, DE 29 DE MAIO DE 2003 E

PROMULGADA PELO DECRETO N.º 5.015, DE 12 DE MARÇO DE 2004.

AÇÃO PENAL. TRANCAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. EXISTÊNCIA DE

ELEMENTOS SUFICIENTES PARA A PERSECUÇÃO PENAL.

1. Hipótese em que a denúncia descreve a existência de organização

criminosa que se valia da estrutura de entidade religiosa e empresas

vinculadas, para arrecadar vultosos valores, ludibriando fiéis mediante variadas

fraudes – mormente estelionatos –, desviando os numerários oferecidos para

determinadas finalidades ligadas à Igreja em proveito próprio e de terceiros,

além de pretensamente lucrar na condução das diversas empresas citadas,

algumas por meio de “testas-de-ferro”, desvirtuando suas atividades

eminentemente assistenciais, aplicando seguidos golpes.

2. Capitulação da conduta no inciso VII do art. 1.º da Lei n.º 9.613/98,

que não requer nenhum crime antecedente específico para efeito da

configuração do crime de lavagem de dinheiro, bastando que seja praticado por

organização criminosa, sendo esta disciplinada no art. 1.º da Lei n.º 9.034/95,

com a redação dada pela Lei n.º 10.217/2001, c.c. o Decreto Legislativo n.°

231, de 29 de maio de 2003, que ratificou a Convenção das Nações Unidas

contra o Crime Organizado Transnacional, promulgada pelo Decreto n.º 5.015,

de 12 de março de 2004. Precedente.

3. O recebimento da denúncia, que se traduz em mera admissibilidade

da acusação diante da existência de sérios indícios de autoria e materialidade,

mostra-se adequado, inexistindo a alegada inépcia, porquanto preenchidos

todos seus pressupostos legais.

4. Nesta fase inaugural da persecução criminal, não é exigível,

tampouco viável dentro do nosso sistema processual penal, a demonstração

cabal de provas contundentes pela acusação. Esse grau de certeza é reservado

para a prolação do juízo de mérito. Este sim deve estar calcado em bases

sólidas, para eventual condenação.

5. Mostra-se, portanto, prematuro e temerário o acolhimento do

pedido da defesa de trancamento da ação penal, de maneira sumária, retirando

do Estado, de antemão, o direito e, sobretudo, o dever de investigar e

processar, quando há elementos mínimos necessários para a persecução

criminal.

6. Ordem denegada.

VOTO

Documento: 3865515 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 4 de 21

Superior Tribunal de Justiça

EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ (RELATORA):

Insurge-se o Impetrante contra a denúncia ofertada contra os ora Pacientes,

dando-os como incursos no art. 1.º, inciso VII, da Lei n.º 9.613/98, por suposta lavagem de

dinheiro e ocultação de bens, por meio de organização criminosa pretensamente instalada na

Igreja que lideram e empresas a ela ligadas. Sustenta, em síntese, a inaplicabilidade do

dispositivo legal capitulado na acusação, porque, de um lado, não há conceituação da

expressão "organização criminosa" e, de outro lado, não há descrição de nenhum dos crimes

antecedentes. Alega, pois, inépcia da denúncia por atipicidade da conduta, razão pela qual

pede o trancamento da ação penal em tela.

Dispõe a Lei n.º 9.613, de 3 de março de 1998:

"Art. 1.º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização,

disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores

provenientes, direta ou indiretamente, de crime:

I - de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins;

II - de terrorismo;

II – de terrorismo e seu financiamento; (Redação dada pela Lei n.º

10.701, de 9 de julho de 2003.)

III - de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material

destinado à sua produção;

IV - de extorsão mediante seqüestro;

V - contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou

para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição

ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos;

VI - contra o sistema financeiro nacional;

VII - praticado por organização criminosa;

VIII – praticado por particular contra a administração pública

estrangeira (arts. 337-B, 337-C e 337-D do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de

dezembro de 1940 – Código Penal). (Inciso incluído pela Lei n.º 10.467, de 11

de junho de 2002.)

Pena: reclusão de três a dez anos e multa."

Cumpre ressaltar, desde logo, que o inciso VII do art. 1.º da Lei n.º 9.613/98

não requer nenhum crime antecedente específico para efeito da configuração do crime de

lavagem de dinheiro, bastando que seja praticado por organização criminosa.

E o questionamento que naturalmente se segue é saber qual seria a definição de

"organização criminosa".

O art. 1.º da Lei n.º 9.034, de 03 de maio de 1995, que tratou sobre a

utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por

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organizações criminosas, com redação dada pela Lei n.º 10.217, de 11 de abril de 2001,

dispõe:

"Art. 1.º Esta Lei define e regula meios de prova e procedimentos

investigatórios que versem sobre ilícitos decorrentes de ações praticadas por

quadrilha ou bando ou organizações ou associações criminosas de qualquer

tipo."

Com se vê, o legislador pátrio não apontou quais seriam os traços definidores

da "organização criminosa", estabelecendo um tipo aberto, diferentemente da “quadrilha ou

bando”, disciplinada no art. 288 do Código Penal, e das “associações criminosas”, grupos

definidos na Lei Antidrogas (art. 37 da Lei n.º 11.343/2006) e na Lei contra a prática de

genocídio (art. 2.º da Lei n.º 2.889/56).

A Doutrina, por seu turno, diante dos vários exemplos de "organização

criminosa" que, infelizmente, tem-se neste país, e ainda fora dele, vem buscando apontar

algumas de suas características marcantes, na tentativa de suprir o incômodo vazio

legislativo, sendo que alguns, inclusive, propugnam pela impossibilidade de aplicação da lei

repressora em face da indefinição legal.

Não obstante, a Col. Corte Especial, nos autos da Ação Penal n.º 460/RO,

expressamente reconheceu a existência de organização criminosa, em acórdão publicado no

DJ de 25/06/2007, na parte que interessa, nos seguintes temos, extraídos do voto da eminente

Ministra Eliana Calmon, in verbis :

"Como a doutrina vem interpretando a figura da organização

criminosa prevista na Lei 9.034/95?

De logo convém afastar-se a idéia de que a Lei 9.034/95 só se aplica

aos crimes cometidos por quadrilha ou bando, com o rótulo de organização

criminosa. Com a redação dada pela Lei 10.217/01 ao art. 1º da Lei 9.034/95,

é uníssono o entendimento doutrinário no sentido de ter o diploma especial

ampliado o seu alcance para abrigar não apenas a quadrilha ou bando, mas

outros agrupamentos, como associações ou organizações criminosas de

qualquer tipo, dentre as quais se inclui verbi gratia a reunião de duas ou mais

pessoas para o fim específico de tráfico de substância entorpecente (art. 14 da

Lei 6.368/76).

Não há na lei definição do que seja organização criminosa, o que

remete o interessado para o tipo do art. 288 do Código Penal, em nome do

princípio da reserva legal, tendo-se na Lei 9.034/95, com a alteração

introduzida nos dois primeiros artigos pela Lei 10.217/2001, referência de

natureza processual pela introdução de dois importantes institutos:

interceptação ambiental, na qual está inserida a interceptação telefônica, e a

infiltração policial.

Entretanto, é importante dizer que, doutrinariamente, pode-se definir

Documento: 3865515 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 6 de 21

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o que seja uma organização criminosa, capaz de merecer investigação

sistemática e abrangente, com aplicação dos novos institutos procedimentais.

Os professores Luiz Flávio Gomes e Raul Cervi, na publicação

intitulada "Crime Organizado: enfoques criminológico, jurídico e

político-criminal" (p. 92/98), após listarem onze traços de identificação,

consideram que, partindo do arcabouço do tipo quadrilha ou bando do art.

288 do Código Penal, a presença de pelo menos três desses traços

identificadores é suficiente para admitir a existência de uma organização

criminosa.

Partindo desse conceito, dos onze traços, destaco sete para efeito de

enquadramento dos fatos pertinentes a este processo:

1) previsão de acumulação de riqueza indevida, bastando a só

previsão, mesmo que esta não se perfaça; é suficiente o intuito do lucro ilícito

ou indevido;

2) organização hierarquizada sob a forma de pirâmide, havendo

chefia e comando, muito embora possam os integrantes da base ignorar quem

é a pessoa do chefe;

3) divisão funcional de atividades, sendo os integrantes do grupo

recrutados, treinados e incumbidos de funções específicas;

4) conexão estrutural com o Poder Público, em que agentes estatais

passam a integrar a organização ou por ela são corrompidos, tornando-se

complacentes com suas atividades (segundo os autores da obra citada, é

comum as organizações contribuírem maciçamente em campanhas eleitorais,

criando fortes vínculos de mútua dependência com líderes governamentais);

cria-se uma barreira na qual o Estado não consegue penetrar;

5) utilização do clientelismo, com o emprego de pessoas que nada têm

a perder ou que tudo têm a ganhar quando alocam os seus serviços à

organização, em detrimento do Estado, que se faz negligente no atendimento a

essas pessoas;

6) alto potencial de intimidação, até mesmo aos poderes constituídos,

garantindo assim a certeza da impunidade;

7) aptidão para lesar o patrimônio público por meios fraudulentos,

dificilmente perceptíveis (prática de crimes do colarinho branco ou

criminalidade dourada).

No que se refere à configuração mínima de integrantes para

caracterizar-se o tipo bando ou quadrilha, o art. 288 do CP é claro ao

estabelecer a necessidade da associação de mais de três pessoas, ou seja,

mínimo de quatro.

No mesmo sentido está firmada a jurisprudência tanto do STJ quanto

do STF (veja-se, a propósito: STJ - HC 52.989/AC, Rel. Min. Felix Fischer, 5ª

Turma, julg. 23/05/2006; RHC 16.854/SP, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª Turma,

julg. 24/05/2005; HC 21.956/RS, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª Turma, julg.

24/09/2002; e STF - HC 85.457/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1ª Turma,

julg. 22/03/2005 e HC 81.260/ES, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Pleno, julg.

14/11/2001), muito embora exista um precedente da 6ª Turma, no HC

9.095/SP, segundo o qual se caracteriza o tipo formação de quadrilha quando

há três ou mais pessoas com o objetivo de praticar crimes.

A influência do direito internacional em relação aos mais temidos

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crimes da atualidade, que se destacam pela abrangência, propagando-se além

das fronteiras nacionais (tráfico de drogas, tráfico de seres humanos e

lavagem de dinheiro), têm no Brasil provocado discussão doutrinária

ferrenha, a partir da Convenção das Nações Unidas contra o Crime

Organizado Transnacional (Palermo, Itália, 15 de dezembro de 2000), na qual

foi definido o conceito de crime organizado:

Grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há

algum tempo e atuando concretamente com o fim de cometer

infrações graves, com a intenção de obter benefício econômico ou

moral (art. 2º).

A discussão recrudesceu ainda mais quando o Brasil ratificou a

Convenção pelo Decreto Legislativo 231, de 30 de maio de 2003.

A partir daí tem-se entendido que não é necessária a presença de, no

mínimo, quatro elementos para a caracterização da organização criminosa,

como exigido na tipificação da quadrilha ou bando, ou seja, que bastaria a

associação de pelo menos três pessoas.

De qualquer maneira, no caso dos autos, essa vertente da

organização criminosa (Núcleo de Influência Estatal) é composta de quatro

elementos, segundo o apurado até o momento.

Por essas razões, passo a considerar a organização de que fala a

denúncia como organização criminosa, dentro das características

doutrinárias e jurisprudenciais aqui assinaladas, com o cuidado de tê-la

inserida, como arcabouço, no tipo do art. 288 do CP, na forma da Lei

9.034/95 (com redação dada pela Lei 10.217/01)."

No mesmo diapasão, e com base nesse mesmo precedente, também decidiu a

Eg. Sexta Turma, no julgamento do HC 63.716/SP, Rel. Des. JANE SILVA (Convocada do

TJMG), DJ de 17/12/2007. Confira-se:

"HABEAS CORPUS. LAVAGEM DE DINHEIRO. CRIME

ANTECEDENTE. INDÍCIOS SUFICIENTES. PRESSUPOSTOS DA LEI

ESPECIAL. ORIGEM CRIMINOSA DO NUMERÁRIO. FALTA DE PROVA.

ATIPICIDADE DA CONDUTA. AUSÊNCIA DE DOLO OU DOLO

EVENTUAL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. EXAME APROFUNDADO

DAS PROVAS. ORDEM DENEGADA.

1. Identificada, nos autos, uma organização criminosa, nos moldes

do artigo 1º da Lei 9.034/95, com a redação dada pela Lei 10.217/01, com a

tipificação do artigo 288 do Código Penal, do Decreto nº 5.015, de 12 de

março de 2004, do Decreto Legislativo n° 231, de 29 de maio de 2003, que

ratificou a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado

Transnacional, bem como, aparentemente, provas de crimes por ela

cometidos, considera-se presente o requisito de indícios da existência do

crime antecedente ao delito de lavagem ou ocultação de bens, direitos e

valores.

2. A denúncia instruída com indícios suficientes da existência do

crime antecedente ao delito de lavagem ou ocultação de bens, direitos e

valores satisfaz os pressupostos da Lei Especial para o seu oferecimento e

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recebimento.

3. O trancamento de uma ação penal exige que a ausência de justa

causa, a atipicidade da conduta ou uma causa extintiva da punibilidade

estejam evidentes, independente de investigação probatória, incompatível com

a estreita via do habeas corpus.

Precedentes.

4. Ordem denegada."

Como reforço à argumentação, pode-se mencionar, ainda, o recente

recebimento de denúncia pelo Excelso Supremo Tribunal Federal, no nacionalmente

divulgado caso do "Mensalão", em que uma das imputações dizia respeito justamente ao

crime do art. 1.º, inciso VII, da Lei n.º 9.613/98 (Inq 2245/MG, Tribunal Pleno, Rel. Min.

JOAQUIM BARBOSA, DJE-139 de 09/11/2007; DJ de 09/11/2007).

Vale ressaltar que o Conselho Nacional de Justiça, por meio da Recomendação

n.º 3, de 30 de maio de 2006, sugere, com propriedade:

"A adoção do conceito de crime organizado estabelecido na

Convenção das Nações Unidas sobre Crime Organizado Transnacional, de 15

de novembro de 2000 (Convenção de Palermo), aprovada pelo Decreto

Legislativo n.º 231, de 29 de maio de 2003 e promulgada pelo Decreto n.º

5.015, de 12 de março de 2004, ou seja, considerando o "grupo criminoso

organizado" aquele estruturado, de três ou mais pessoas, existente há algum

tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais

infrações graves ou enunciadas na Convenção das Nações Unidas sobre

Crime Organizado Transnacional, com a intenção de obter, direta ou

indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material."

Assim, afastada a alegada inaplicabilidade, em tese, da imputação, cumpre o

exame dos termos em que a acusação foi deduzida pelo Ministério Público Estadual:

"1- Histórico e introdução:

Segundo se afere dos autos do incluso inquérito policial, Estevam

Hernandes Filho, que passou a ser conhecido como “apóstolo” e sua esposa

Sonia Haddad Moraes Hernandes , que passou a ser conhecida como “bispa”

Sonia, fundaram a IGREJA RENASCER e, a partir da pregação do

respectivo culto arrecadaram, e continuam a arrecadar, em ação permanente ,

altíssimos valores em dinheiro às custas, principalmente, de ludibriar fiéis e

de deixar de honrar incontáveis compromissos financeiros, tornando-os

habitualidade com evidências de características criminosas.

Por volta do ano de 1.984, o denunciado, denominando-se “Pastor

Hernandes”, o denunciado começou a realizar um trabalho de divulgação do

Evangelho, no bairro do Cambuci em São Paulo/SP, e passou a agregar

pessoas para seguirem esta nova Igreja, passando a ser o seu presidente

fundador. Antes disto o “Pastor Hernandes” apenas trabalhava como

Documento: 3865515 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 9 de 21

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funcionário da Empresa Xerox, no setor de Marketing. A então recém criada

Igreja Renascer passou a funcionar nos moldes empresariais, ou seja, com

Fundador Presidente, Diretores (Bispos), Gerentes (Pastores), Chefes Gerais

e o povo, que seriam os “clientes” da empresa, formada dentro de uma

subdivisão de setores, mantendo as suas atividades de forma permanente, até

os dias atuais. A sede administrativa da Igreja fica na Rua Apeninos, nº 1088,

em São Paulo/SP. Foram criadas, em seguida, outras várias Igrejas

espalhadas pelo Brasil e algumas no exterior que são administradas pelos

Pastores locais.

A investigação realizada nestes autos indica a existência de uma

grande quantidade de empresas ligadas à Igreja Renascer através de um

esquema formado por clã familiar que controla os empreendimentos que, em

muito pouco tempo, amealhou verdadeiras fortunas, explorando a fé religiosa

alheia e realizando negócios contestados na justiça. Observa-se uma intensa

relação comercial existente na órbita da Igreja Renascer, muito pouco para

cumprir funções sociais, comandada por um núcleo consideravelmente

pequeno de pessoas ligadas à “chefia da instituição religiosa”. Os

denunciados Estevam Hernandes Filho e Sonia Haddad Moraes Hernandes

são os verdadeiros donos das empresas, e, mesmo considerando a brutal

arrecadação que atingem, possuem poucos bens em seus nomes e grande

quantidade de títulos protestados. Os demais, Leonardo Abbud, Antonio

Carlos Ayres Abbud e Ricardo Abbud emprestam os seus nomes, como

“testas-de-ferro” para simularem a propriedade de algumas das empresas. A

ligação entre as empresas é evidente, já que muitas delas têm o mesmo

endereço sede, coincidentemente o da Igreja Renascer. Há grande volume de

dinheiro circulando entre as pessoas, físicas e jurídicas, embora sejam

utilizadas atividades filantrópicas (sem lucro), como pano de fundo.

Constituiu-se, assim, a formação de uma organização criminosa

voltada para a prática de crimes de estelionatos e outras fraudes como formas

de arrecadação para a prática de delitos de lavagem de dinheiro decorrente

das atividades daquela formação, de forma e em caráter permanente.

Fizeram, e continuam fazendo parte do esquema criminoso, as

seguintes pessoas, físicas e jurídicas:

A. Estevam Hernandes Filho. CPF/MF: 700665748-20. RG:

6.434.543;

B. Sonia Haddad Moraes Hernandes. CPF/MF: 212685808-54. RG:

9.530.251-7

C. Leonardo Abbud. CPF: 149565197-53

D. Antonio Carlos Ayres Abbud: CPF: 607131437-20

E. Ricardo Abbud: CPF: 268686797-34

F. Publicações Gamaliel Ltda: CNPJ: 38.889.317/0028-13

G. Colégio Gamaliel S/C Ltda: CNPJ: 02.151.131/0001-03

H. Gospel Wear Ind. e Com. Confecções de roupas Ltda. CNPJ:

64.880.229/0001-03

I. Gospel Records Comercial Distribuidora Ltda. CNPJ:

00.492.337/0001-63

J. Editora e Livraria Renascer em Cristo Ltda. CNPJ:

Documento: 3865515 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 10de 21

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38.889.317/0001-01

K. RGC Produções. CNPJ: 65.472.029/0001-11

L. Ahava Programadora e Comunicação Ltda. CNPJ: ?

2- Características da Organização Criminosa

A- Estrutura Hierárquico-Piramidal

As organizações criminosas tradicionais revelam estrutura

hierárquico-piramidal (chefe, sub-chefes, gerentes e aviões), com no mínimo 3

níveis;

- Chefes: Nesta posição estão Estevam Hernandes Filho e Sonia

Haddad Hernandes , que ocupam os mais altos “cargos”, os mais importantes,

de mando, e possuem muito dinheiro, todo o seu controle, e posição social

privilegiada;

- Sub-Chefes : Em posição hierárquica logo abaixo daqueles estão

Leonardo Abbud, Antonio Carlos Ayres Abbud e Ricardo Abbud, que também

detém poder de mando, embora limitado ao permissivo pelos chefes, contando

com certa liberdade na conformidade dos parâmetros estabelecidos;

- Gerentes : Sendo pessoas de confiança dos chefes, neste patamar

localizam-se os diversos Bispos da Igreja, com capacidade de comando

restrita às respectivas áreas de atuação, a quem aqueles chefes delegam

algum poder. Recebem as ordens da cúpula e as repassam aos “Aviões”.

Eventualmente os gerentes podem servir também, como "testas de ferro" ou

"laranjas".

- Aviões –: São pessoas com algumas qualificações (por vezes

especializadas) para as funções de execução a serem desempenhadas.

B- Divisão direcionada de tarefas

A divisão direcionada de tarefas costuma ser estabelecida segundo as

especialidades, e subdividida em estrutura modular. No caso presente, entre

as inúmeras Igrejas espalhadas pelo Brasil.

C- Membros restritos

A restrição dos membros que venham a integrar o grupo criminoso

nos cargos mais elevados é praticamente condição de sua sobrevivência e

manutenção. Os Bispos são indicados por pessoas de confiança.

E- Orientação para a obtenção de dinheiro e de poder

É a característica mais marcante e comum às organizações

criminosas, e a aqui indicada não foge à regra, como adiante se revelará mais

claramente, e cuja conseqüência torna-se facilmente evidenciada: A lavagem

do dinheiro.

F- Domínio Territorial

Documento: 3865515 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 11de 21

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A ora denunciada Organização Criminosa, para ser bem

estabelecida, isso é, para ter bases mais sólidas, necessita manter um domínio

territorial considerado o seu Q.G. – que se situa especialmente na cidade de

São Paulo, embora com tentáculos em grande parte do território nacional.

G- Mescla de atividades lícitas com atividades ilícitas

Esta fórmula torna-se essencial para o sucesso das atividades

criminosas principalmente considerando a necessidade da Organização de

lavar o dinheiro sujo – Dentre as várias técnicas utilizadas, uma das mais

usuais é a mistura de recursos de origem lícita – da atividade lícita, com os

recursos das atividades ilícitas, denominado “mescla”. Da mesma forma,

característica marcante para a mescla é a utilização de empresas, legalmente

constituídas, mas em grande parte fictícias ou de fachada, como adiante ser

afiguram.

2- Criação das empresas e crescimento patrimonial dos

denunciados :

A. Das empresas.

I. A Fundação Renascer , cujos sócios e principais expoentes são

Estevam Hernandes Filho e Sonia Haddad Moraes Hernandes, além de

figuras como Ricardo Abbud e Rosana Mayer Abbud, e Carlos Ayres Abbud

(v. fls. 872 a 905), é entidade, em princípio, sem fins lucrativos, como se pode

depreender de seu Estatuto, em fls. 872 e ss., onde se lêem todos os pretensos

objetivos da Fundação, sem que o lucro esteja entre eles. Prevê o estatuto,

ainda, a criação de redes e canais de radiodifusão, MMDS, STS, TV a cabo e

outros, sempre sem finalidades comerciais, apenas com fins educativos e

culturais.

II. A esta Fundação estavam ligadas outras empresas, cujas conexões

com a Renascer restam assim evidenciadas:

II. I. Ahawa Turismo Ltda., cujos sócios fundadores e

posteriormente participantes são Estevam Hernandes Filho, Antonio

Carlos Ayres Abbud, Ricardo Abbud, entre outros (fls. 930).

II. II. Ahava Programadora e Comunicação Ltda., cujos

sócios fundadores são Estevam Hernandes e Sonia Haddad Moraes

Hernandes (fls. 1043).

II. III. Editora e Livraria Renascer em Cristo Ltda., cuja

denominação social foi alterada para Publicações Gamaliel Ltda.,

fundado por Estevam Hernandes Filho e Igreja Evangélica Renascer

em Cristo (fls. 945).

II. IV. FH Comunicação e Participações Ltda., fundado por

Sonia Haddad Moraes Hernandes e Felipe Daniel Hernandes (fls.

1060).

II. V. Gospel Records Industrial Ltda., cujos fundadores são

Antonio Carlos Ayres Abbud, Ricardo Abbud e Leonardo Abbud (fls.

Documento: 3865515 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 12de 21

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1024).

II. VI. Instituto Gospel de Ensino S/C Ltda., cuja razão social

passou a ser Colégio Gamaliel S/C Ltda., fundado por Estevam

Hernandes Filho e Sonia Haddad Moraes Hernandes (fls. 1049).

II. VII. Waves Retransmissão e Comunicação Ltda.,

constituída pelos mesmos fundadores (fls. 1037).

II. VIII. Fundação Evangélica Trindade , que tem como

presidente vitalício Estevam Hernandes Filho, além de contar com a

participação de Antonio Carlos Abbud, Felippe Daniel Hernandes, e

outros (fls. 926 e ss.).

II. IX. Igreja Cristã Apostólica Renascer em Cristo, com os

mesmos figurantes entre seus participantes (fls. 894 e ss.).

II.X. RGC Produções Ltda., em que são fundadores, entre

outros, Estevam Hernandes, Antonio Carlos Ayres Abbud, Ricardo

Abbud, e Leonardo Abbud.

B. Do patrimônio de Estevam Hernandes Filho.

I. O patrimônio de Estevam Hernandes Filho é invejavelmente

crescente, como se pode verificar a partir dos seguintes fatores:

I.I. Segundo declarações de imposto de renda de 1997 a

2002, Estevam Hernandes Filho, auferiu ele rendas nos valores assim

discriminados e divididos: em 2002, R$ 90.734,16 em rendimentos

tributáveis, e R$ 935.256,23 em rendimentos não-tributáveis; em

2001, R$ 95.374,42 em rendimentos tributáveis e R$ 908.869,67 em

rendimentos não-tributáveis; em 2000, R$ 96.258,35 em rendimentos

tributáveis, e R$ 708.724,50 em rendimentos não-tributáveis;

segue-se, em rendimentos tributáveis e não-tributáveis,

respectivamente: em 1999, R$ 104.084,99 e R$ 285.240,00; em 1998,

R$ 90.736,99 e R$ 181.622,00; e, por fim, em 1997, R$ 85.936,96 e

R$ 146.576,00. Assim, nestes cinco anos, conclui-se por um total

declarado de R$ 3.729.414,27 .

I.II. O patrimônio em bens e direitos declarados também

mostrou-se, nas declarações, extremamente vultoso. De R$

137.652,76 em 1997, passou a R$ 301.651,49 no ano seguinte, para

atingir em 2001 e 2002, a casa de R$ 1.213.323,43 e R$

1.080.725,80, respectivamente. Trata-se, portanto, de aumento

próximo à casa dos 1000%. São Os dados que se referem aos Valores

Declarados em Imposto de Renda, de apenas um dos membros de um

do Clã envolvido.

I.III. Inúmeros fatores denotam, além destes, o crescimento

patrimonial dos denunciados. Os documentos juntados em fls.

316/319, demonstram financiamento para a compra de uma mansão

em Boca Ratón, nos Estados Unidos da América, no valor de US$

465.000,00 (cerca de R$ 1.170.000,00). Aluda-se, ainda, ao fato de

que os Hernandes utilizam-se de bens que são das empresas de que

são donos, e de bens que se encontram em nome de terceiros ligados

Documento: 3865515 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 13de 21

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a elas.

Conclui-se, portanto, pela insofismável constatação de que o

patrimônio de um (e apenas um) dos membros da Renascer cresceu

geometricamente, tão-só com base nos dados disponíveis e

declarados; isso também sem contar os bens que são usufruídos

embora não estejam em nome das pessoas beneficiadas.

C. Das dívidas e reclamações em face de suas empresas.

Ao mesmo tempo em que o patrimônio pessoal acima aludido cresce,

as reclamações de credores das empresas aumentam consideravelmente.

Senão, veja-se:

I.I. Atente-se às contundentes declarações de Márcia

Pellegrini (fls. 504, 505) e de Celso Pellegrini (fls. 497, 498), que

moveram ação de execução contra a Renascer (fls. 499 e ss.). O valor

total devido, atualizado até novembro de 2002, era da monta de R$

87.395,14. As testemunhas moveram a ação em nome de Pontine

Imóveis e Administração S/C Ltda., que alugou à Renascer um imóvel

situado à Av. Lins de Vasconcelos, no 998, andar térreo e três

superiores. A Igreja não honrou os pagamentos de setembro de 2000

até fevereiro de 2001.

I.II. Averiguou-se, ainda, que há inúmeros protestos em

nome da empresa RGC Produções, que, das empresas do grupo,

parece ser a que acumula a maior parte das reclamações. Ao todo,

até o levantamento dos autos, havia protestos que somavam R$

5.020.010,84 (R$ 3.170,55, conforme 2º. Tabelião de Protestos, fls.

293; R$ 3.170,55, conforme 4º. Tabelião de Protestos, fls. 295; R$

3.170,55, conforme 5º. Tabelião de Protestos, fls. 296; R$ 3.501,56,

conforme 6º. Tabelião de Protestos, fls. 297; R$ 5.000.000,00 e R$

3.564,19 conforme 8º. Tabelião de Protestos, fls. 299; e R$ 3.545,00 e

R$ 3.800,00, conforme 9º. Tabelião de Protestos, fls. 300). A

empresa, que, entre outros, foi fundada por Estevam Hernandes,

Antonio Carlos Ayres Abbud, Ricardo Abbud, e Leonardo Abbud,

passou não mais pertencer aos Hernandes, mas oficialmente a um

pastor da Igreja Renascer.

I.III. Mencione-se, ainda, a contenda existente entre os

Hernandes e os Baccelli (J. Alberto Baccelli e Eliana Hellsmeister

Basile Baccelli). Trata-se, igualmente, de inadimplemento da Igreja

com relação à venda de um terreno em Mairinque, conforme se

verifica em fls. 46 a 60, e 1113 e ss.

I.IV. Havia ainda, segundo consta nos autos, Processo

Trabalhista em que é ré a empresa FH Comunicação e Participação

Ltda., que ofereceu como garantia ao juízo esmeraldas, no pretenso

valor de R$ 208.000,00, avaliados por perito que é suspeito por

elaborar laudos falsos, investigado pela Polícia Federal (fls. 311 e

ss.) Elaboração de laudo supostamente falso (super-avaliado) de

pedras esmeraldas, a serem dadas em garantia de dívida, caracteriza,

em tese, a prática de crime de falsidade ideológica (fls. 312/314);

Documento: 3865515 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 14de 21

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I.V. Há, ainda, apenas em São Paulo e em Brasília,

aproximadamente 110 processos em que as empresas acima descritas

são rés, totalizando um montante cobrado na casa de R$

12.000.000,00. Para tanto, vide a relação de fls. 1186/1193. Como

exemplo de vítimas lesadas pelos dirigentes das empresas, cite-se

algumas pessoas mencionadas na reportagem da Revista Época,

como Maria Margarida Pinto Coelho que, fiel, aceitou ser fiadora do

casal Hernandes. Foi surpreendida por oficial de justiça que lhe

cobrava R$ 260.000,00 em aluguéis atrasados e não pagos pela

Igreja (v. seu depoimento em fls. 05 e ss.). Outro exemplo é de Marco

Antonio Lopes dos Santos, ex-bispo da Renascer, fls. 07, que foi

fiador em quatro imóveis, e de Antonio Fontana Rosa, aposentado,

que alugou imóvel à Renascer, e não recebeu os valores devidos (fls.

07).

I.VI. O I.N.S.S. constatou a falsidade de uma CND (certidão

negativa de débitos) da Editora e Livraria Renascer em Cristo, série

G, n° 449373, conforme apuração própria de fls. 1606/1644; que,

sendo de propriedade dos denunciados, configura sérios indícios da

prática de crime de falsidade ideológica;

I.VII. Em várias das empresas – fls. 1757/1759, eram

utilizados CNPJs ao invés de números de cadastros de IE, que

também configura sérios indícios de prática de crime de falsidade

ideológica;

I.VIII. Além disso, levantamento realizado nos autos, fls.

187/199 constatou que em menos de 3 anos, entre 1998 e 2001, os

templos da Igreja Renascer acumulavam dívidas em aluguéis e

telefones de R$ 358.694,26.

3- A evolução e as atividades da Organização Criminosa

Observa-se que, enquanto crescia o patrimônio pessoal dos

denunciados, cresciam, igualmente as reclamações daqueles que se prestaram

a ajudar a Igreja, e foram vítimas da fé religiosa. Não se trata, como visto, de

um fato isolado, mas de inúmeros processos, protestos e cobranças judiciais,

sempre em valores vultosos, e reclamações de inúmeros indivíduos lesados.

Estranha, ainda, a utilização de bens de terceiros pelos suspeitos, bem como o

fato de uma das empresas, herdeira dos maiores protestos, ter sido transferida

a um terceiro, possivelmente um “laranja”, para aparecer como um preposto

de uma “empresa fantasma”. Tudo indica tenha sido o crescimento

vertiginoso do patrimônio suportado pela prática de crimes relacionados a

fraudes diversas, escudados em empresas que – teoricamente – não têm, ou

não deveriam ter - fins lucrativos.

Formou-se assim uma organização criminosa, tendo como chefes os

denunciados Estevam e Sonia, e co-autores os demais, todos agindo

previamente ajustados e com unidade de propósitos, e agindo a partir de

exploração da fé religiosa de incontável número de pessoas, constituiu

empresas que não deveriam ter fins lucrativos, mas obtiveram inestimável

vantagem ilícita obtida através de doações, frustração dos pagamentos de

Documento: 3865515 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 15de 21

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empréstimos e aluguéis de telefones, imóveis e títulos diversos. Consta dos

autos que os denunciados praticaram inúmeras fraudes na medida em que

assumiam compromissos acima de sua capacidade de honrá-los. Procuravam

negociar e esticar os prazos de compromissos das dívidas. Dentre os

compromissos que deixavam de ser honrados no prazo, se inseriam aluguéis

de templos, arrendamento de rádio, arrendamento da Rede Manchete, contas

de serviços públicos, entre outros. Era possível prever pela contabilidade, em

especial o histórico de arrecadação, que os compromissos dificilmente seriam

cumpridos no prazo, mas mesmo assim esses compromissos eram assumidos.

É a mais clara e lógica configuração de fraude, em grande escala. São vítimas

específicas os proprietários dos imóveis, e as companhias telefônicas, bem

como os credores dos títulos, todos referidos nos autos. Consta ainda dos

autos que A Igreja e suas empresa contribuíam com candidaturas políticas. As

igrejas eram usadas para a divulgação das candidaturas e até os membros

fiéis eram solicitados a votarem em determinados candidatos e fazerem

propaganda para os mesmos. Houve por exemplo o apoio maciço à

candidatura para Paulo Salim Maluf ao Governo do Estado de São Paulo, em

1.998.

Da atividade da Igreja Renascer, a partir da investigação realizada

nos autos, é possível concluir que:

a) As empresas ligadas à Igreja Renascer de fato “visavam lucro”,

mas declararam movimentação incompatível, muito aquém da evolução

patrimonial dos seus sócios-proprietários, sendo muitas de fachada ou

fictícias. Quase todas tiveram endereços transferidos, algumas com endereços

coincidentes, e alternaram sócios com impressionante versatilidade;

b) O capital de ingresso nas empresas era basicamente composto

das contribuições de fiéis, em dízimos e ofertas de contribuições, incluindo os

chamados “desafios”;

c ) Embora os seus responsáveis as mantivessem deficitárias,

continuavam a fundar novas empresas,

d) Eles “assumiam compromissos acima da sua capacidade de

honrá-los”;

e) Verificava-se que “era possível prever, pela contabilidade, em

especial o histórico da arrecadação, que os compromissos dificilmente seriam

cumpridos no prazo, mas mesmo assim esses compromissos eram assumidos”;

f ) Todos os valores eram concentrados nas mãos dos responsáveis –

Apóstolo Estevam Hernandes Filho e sua esposa Bispa Sonia;

g ) Houve visível crescimento patrimonial das pessoas ligadas à

Igreja, mesmo com as dívidas comprovadamente acumuladas;

h ) Houve incontroláveis gastos, por exemplo, com cartões de crédito

no exterior, e faturas em dólares;

i ) As empresas, por seus donos – em especial o Apóstolo Estevam

Hernandes Filho e a sua esposa Bispa Sonia, mesmo deficitárias, tinham

objetivos políticos, contribuindo com campanhas políticas;

Pelas provas produzidas neste inquérito policial, há que se concluir

Documento: 3865515 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 16de 21

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pela existência de sérios indícios de que os suspeitos, em especial Estevam

Hernandes Filho, CPF/MF: 700665748-20 e RG: 6.434.543; e Sonia Haddad

Moraes Hernandes, CPF/MF: 212685808-54 e RG: 9.530.251-7, formaram

uma organização criminosa com a finalidade de praticar crimes de

estelionatos, assumindo compromissos financeiros, quase sempre em nome das

empresas que eles mesmos criaram (pessoas jurídicas), e premeditadamente

deixaram de honrar; acumularam grandes riquezas pessoais em curto espaço

de tempo, desviando para eles mesmos, de forma a integrar o seu patrimônio

pessoal - bens e valores obtidos ilicitamente decorrentes portanto de crimes

praticados por organização criminosa, nos termos do artigo 1° VII da Lei n°

9.613/98 , - os quais foram, e continuam sendo dissimuladamente originários,

diretamente, daqueles crimes. Arrebanharam os demais denunciados para

co-participarem da administração da Organização e parte da gerência dos

bens.

4- A configuração do crime de lavagem de dinheiro proveniente de

crimes de estelionatos e fraudes praticados por organização criminosa

Nos termos do artigo 2° II da Lei n° 9.613/98: “independem do

processo e julgamento dos crimes antecedentes no artigo anterior, ainda que

praticados em outro país”;

E do artigo 2° § 1° da mesma Lei: “A denúncia será instruída com

indícios suficientes da existência do crime antecedente, sendo puníveis os fatos

previstos nesta Lei, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor daquele

crime”. (grifei).

O dispositivo legal em análise destina-se, na verdade, seguindo os

ditames da Convenção de Viena, e sensível à inadiável e imperiosa

necessidade de combater as Organizações Criminosas, a abranger todos as

hipóteses de infrações penais praticadas por uma Organização Criminosa.

Importante referir, para espancar qualquer resquício de dívida, que

o Governo do Brasil editou o Decreto nº 5.015 de 12 de março de 2004, que

promulga a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado

Transnacional, definindo "Grupo Criminoso Organizado", de lege ferenda,

especificando que:

Para efeitos da presente Convenção, entende-se por: a)

"Grupo criminoso organizado" - grupo estruturado de três ou mais

pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o

propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas

na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou

indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material;

Demonstra-se assim, por fim, ser absolutamente possível aplicar o

presente dispositivo, simplesmente, e também principalmente, através dos

próprios conceitos de "Organização Criminosa", independentemente de

definição legal.

Considerando-se que não seria possível distinguir determinadas

espécies de infrações penais para efeito de estabelecimento da organização

Documento: 3865515 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 17de 21

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criminosa, segue-se que, uma vez configurada a sua existência, com intuito de

prática de qualquer tipo de infração penal, desde que obtenha, dessa

atividade, bens, direitos e valores, a partir de indícios das condutas, será

possível processar os seus integrantes – que de qualquer modo concorrerem,

por crime de lavagem de dinheiro, tendo como situação antecedente

“pertencer”, por se tratar de “crime praticado por organização criminosa”.

5- Da ocultação e/ou dissimulação da natureza, origem, localização,

disposição, movimentação e propriedade de bens e direitos, provenientes

indiretamente dos crimes praticados pela organização criminosa e

tipificação da conduta .

O crescimento vertiginoso dos denunciados aconteceu seguindo o

estratagema de utilizar pessoas “testas-de-ferro” - Leonardo Abbud. CPF:

149565197-53, Antonio Carlos Ayres Abbud: CPF: 607131437-20 e Ricardo

Abbud: CPF: 268686797-34, todos parentes da denunciada, (procurações fls.

516/579) para em nome deles constituir empresas ligadas à Igreja Renascer,

fls. 121/179, ou mesmo em nome deles, denunciados, receber doações à custa

de exploração da fé religiosa, e deixar de honrar compromissos financeiros,

os quais, previamente, sabiam inatingíveis, auferindo lucros, e portanto

através do esquema dissimular a origem ilícita dos valores e bens adquiridos,

conforme os quadros e referências abaixo referidas:

Evolução Patrimonial financeira do denunciado Estevam Hernandes

Filho:

2002 2001 2000 1999 1998 1997

R. Trib. 90734,36 95734,42 96258,35 104084,00 90736,66 85936,96

R. ñ Trib. 935256,23 908869,67 708724,50 285240,00 181622,00 146576,00

Total: R$ 3.729.414,27

Evolução patrimonial de bens do denunciado:

2002 2001 1998

Bens Declarados 1.213.323,43 1.080.725,80 301.651,49

O denunciado Estevam Hernandes Filho gastou, em cartões de

crédito internacional, entre 24/4/1998 e 24/4/2003, a quantia de US$

480.662,62 (quatrocentos e oitenta mil, seiscentos e sessenta e dois mil, e

sessenta e dois dólares), segundo informações do BACEN, fls. 1155/1276.

O esquema de circulação de altíssimos valores passava pelas

empresas, entre elas, algumas comprovadamente de fachada: Diligência

Fiscal da Receita Federal (fls. 1701/1712) constatou ser a empresa

“Publicações Gamaliel Ltda”, dos denunciados Estevam Hernandes Filho e

Sonia Haddad Moraes Hernandes, uma verdadeira empresa de fictícia ,

inexistente nos endereços referidos, e que movimentou, entre os anos de 2000

e 2003, a quantia da ordem de R$ 46.408.086,00 (quarenta e seis milhões,

Documento: 3865515 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 18de 21

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quatrocentos e oito mil e oitenta e seis reais), não declarados, ocultados

portanto, da Receita Federal; e em incrível descompasso com os valores da

conta fiscal (SEFAZ) de fls. 1481/1490.

A empresas “Colégio Gamaliel S/C Ltda” e “Gospel Wear Ind.

Com. Confec. Roupas em Geral” (fls. 1734), reúnem, igualmente, fortes

características de serem empresas fictícias, criadas para a passagem do

dinheiro obtido através de doações, mesclados com o dinheiro obtido

ilicitamente.

Bens Adquiridos pelos denunciados Estevam Hernandes Filho e Sonia

Haddad Moraes Hernandes, produtos das atividades ilícitas:

a ) Uma área rural de 181.500 mts2, no município de Itariri,

Mairinque, em 29/06/2001, matrícula n° 13.877; adquirida em nome de

“Colégio Gamaliel ”; por R$ 500.000,00 (à época); fls. 68/72;

b ) Uma área rural de 272.910 mts2, no município de Itariri, São

Roque, em 12/06/2001, matrícula n° 19.029; por R$ 1.325.000,00 (à época);

em nome de “Publicações Gamaliel” (fls. 61/63).

c ) Uma casa nos Estados Unidos da América , na cidade de Boca

Ratón, no valor estimado de US$ 465.000,00 em (2001), ou mais de R$ 1

milhão (atuais), em julho de 2000, fls. 316/319.

Considerando que as doações dos fiéis tinham, ou deveriam ter

destinação a obras assistenciais, e que as empresas não tinham, ou não

deveriam ter lucro, não há correspondência entre o patrimônio declarado,

dos denunciados e das suas empresas, e os bens e valores efetivamente

auferidos – não havendo demonstração da procedência lícita de tais bens e

valores.

Assim, os denunciados Estevam Hernandes Filho e Sonia Haddad

Moraes Hernandes , agindo diretamente e indiretamente, utilizando-se de

Leonardo Abbud, Ricardo Abbud e Antonio Carlos Ayres Abbud, que

aderiram à pratica dos crimes, todos sempre previamente ajustados e com

unidade de propósitos, ocultaram e dissimularam a natureza, a origem a

disposição e a propriedade dos valores e bens acima referidos, provenientes

direta e indiretamente de crimes praticados pela organização criminosa que

chefiavam e continuam chefiando em caráter permanente, especializada na

prática de crimes de fraudes diversas, especialmente estelionatos, auferindo

daí os proventos.

Isto posto, DENUNCIO-OS como incursos nas penas do artigo 1°

inciso VII da Lei n° 9.613/98 [...]." (denúncia às fls. 88/101)

O tipo penal em tela visa a coibir prática muito comum entre grupos

criminosos, consistente em ocultar bens, direitos e valores provenientes, direta ou

indiretamente, de crimes, ou ainda em dissimular operações a fim de dar a esses ativos de

origem espúria aparência de licitude.

No caso em exame, a acusação é essencialmente a de que os ora Pacientes,

juntamente com outros, se valeram da estrutura organizada da Igreja Renascer e empresas

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vinculadas, para arrecadarem vultosos valores, alguns provenientes de simples doações dos

fieis – o que absolutamente não caracteriza nenhum ilícito – e outros produtos da exploração

da fé desses mesmos fiéis, ludibriando-os mediante variadas fraudes – mormente estelionatos

–, desviando os numerários oferecidos para determinadas finalidades ligadas à Igreja em

proveito próprio e de terceiros, além de pretensamente lucrarem na condução das diversas

empresas citadas, algumas por meio de “testas-de-ferro”, desvirtuando suas atividades

eminentemente assistenciais, aplicando seguidos golpes.

Propõe provar a peça acusatória que há “a formação de uma organização

criminosa voltada para a prática de crimes de estelionatos e outras fraudes como formas de

arrecadação para a prática de delitos de lavagem de dinheiro decorrente das atividades

daquela formação” . Enumera o Parquet vários episódios em que aponta supostas vítimas,

afirmando que “Tudo indica tenha sido o crescimento vertiginoso do patrimônio suportado

pela prática de crimes relacionados a fraudes diversas, escudados em empresas que –

teoricamente – não têm, ou não deveriam ter - fins lucrativos.”

Como se vê, a denúncia oferecida sugere que, por meio do cometimento de

crimes sob as cortinas da atividade religiosa, houve enriquecimento dos líderes da Igreja,

apoderando-se de valores de doações desviadas, de não-pagamentos de empréstimos e

aluguéis de telefones, imóveis e títulos diversos etc.

É bastante amplo e complexo o modus operandi da suposta organização

criminosa denunciada pelo Ministério Público Estadual, sendo que, diante dos indícios

apontados, sem dúvida há justa causa para que se dê início à persecução criminal.

Nesse contexto, o recebimento da denúncia, que se traduz em mera

admissibilidade da acusação diante da existência de sérios indícios de autoria e materialidade,

mostra-se adequado, inexistindo a alegada inépcia, porquanto preenchidos todos seus

pressupostos legais.

Nesta fase inaugural da persecução criminal, não é exigível, tampouco viável

dentro do nosso sistema processual penal, a demonstração cabal de provas contundentes pela

acusação. Esse grau de certeza é reservado para a prolação do juízo de mérito. Este sim deve

estar calcado em bases sólidas, para eventual condenação.

Vale ressaltar que a comprovação ou não dos graves fatos narrados é tarefa a

ser realizada durante a instrução criminal, com o aprofundamento do exame dos elementos de

prova trazidos a juízo, garantindo-se aos acusados o contraditório e a ampla defesa, respeitado

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o devido processo legal.

Por tudo isso, mostra-se prematuro e temerário o acolhimento do pedido da

defesa de trancamento da ação penal, de maneira sumária, retirando do Estado, de antemão, o

direito e, sobretudo, o dever de investigar e processar, quando há elementos mínimos

necessários para a persecução criminal.

Ante o exposto, DENEGO a ordem.

É o voto.

MINISTRA LAURITA VAZ

Relatora

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