Superior Tribunal de Justiça
HABEAS CORPUS Nº 77.771 - SP (2007/0041879-9)
RELATÓRIO
EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ:
Trata-se de Habeas Corpus , com pedido de liminar, impetrado em favor de
ESTEVAN HERNANDES FILHO e SÔNIA HADDAD MORAES HERNANDES, em face
de acórdão da Nona Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
prolatado nos autos do HC n.º 1.030.133.3/4, indeferindo o pedido de trancamento da Ação
Penal n.º 050.02.063631-8 – controle n.º 1.063/2006 – a que respondem perante o Juízo da 1.ª
Vara Criminal de São Paulo/SP.
Em 31 de julho de 2006, os ora Pacientes, intitulados bispos e fundadores da
Igreja Renascer em Cristo, foram denunciados, juntamente com outros, como incursos no
art. 1.º, inciso VII, da Lei n.º 9.613/98, por suposta lavagem de dinheiro e ocultação de bens,
por meio de organização criminosa pretensamente instalada na Igreja que lideram e em
empresas a ela ligadas.
Em 07 de agosto de 2006 a denúncia foi recebida pelo Juízo da 1.ª Vara
Criminal de São Paulo/SP, instaurando-se a Ação Penal n.º 050.02.063631-8 – controle n.º
1.063/2006. Depois de seus interrogatórios, por deixarem de comparecer à audiência de oitiva
de testemunhas, o Ministério Público requereu a prisão preventiva dos acusados, no que foi
atendido pelo Juízo processante. O pedido de reconsideração não foi acolhido pelo Juiz de
primeiro grau, que manteve a prisão preventiva decretada. Consignou o MM. Juiz da causa, in
verbis :
"[...] Quanto aos co-réus Estevan Hernandes Filho e Sonia Haddad
Moraes Hernandes, faltaram à audiência de instrução, procurando justificar a
ausência, posteriormente, pelo documento de fls. 2579. Atestado onde não
consta o CRM do responsável da Clínica Cláudio Lotlemberg, embora
atestado pelo Dr. Fernando P. Maia, CRM 88.109, o documento é lacônico
não há a classificação da enfermidade – CID, constando apenas uma consulta
e dispensa de atividades datado de 08 de novembro ou seja dois dias antes da
audiência.
[...] Na verdade a justificativa dos réus Estevam Hernandes Filho e
Sonia Haddad Moraes Hernandes é insuficiente. Os réus deixaram
deliberadamente de comparecer em audiência da qual foram devidamente
intimados. Os réus respondem por crimes, em tese, muito graves, não fosse
isso, respondem a outros processos na esfera cível, portanto embora os seus
defensores tenham garantido ao Juízo que eles permanecem a disposição da
Justiça, considero que o fundamento para que respondessem o processo em
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liberdade, nesta fase, foi contrariado pelos próprios réus, que em liberdade
poderão dificultar a busca da verdade real e principalmente frustrar a correta
aplicação da lei penal, tornando insegura a futura prestação jurisdicional.
Ante o exposto, para a garantia da ordem pública, por ser necessário
à instrução criminal e para que se assegure a aplicação da lei penal,
DECRETO a prisão preventiva de ESTEVAM HERNANDES FILHO e SONIA
HADDAD MORAES HERNANDES [...]."
Inconformados, impetraram o HC n.º 1.034.546.3/8 perante o Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo. Prestadas as informações, o Desembargador Relator do feito
indeferiu o pedido de liminar, o que ensejou a impetração do HC n.º 72.735/SP nesta
Superior Instância, a mim distribuído. Deferi o pedido de liminar para cassar a ordem de
prisão, "até o julgamento do habeas corpus originário pelo Tribunal a quo, sem prejuízo de
nova decretação de prisão preventiva por motivos supervenientes."
Nesse ínterim, conforme amplamente divulgado pela imprensa nacional, em 08
de janeiro de 2007, os Pacientes viajaram para os Estados Unidos da América, acompanhados
de parentes, tendo sido presos por estarem levando consigo a quantia não-declarada de
U$ 56.000,00 (cinqüenta e seis mil dólares). A partir desse fato, em 10 de janeiro, os
Promotores de Justiça da GAECO que oficiam no feito requereram a decretação de nova
prisão preventiva, no que foram atendidos. Instado a reconsiderar, o MM. Juiz de primeiro
grau denegou o pleito, oportunidade em que, acolhendo manifestação ministerial, pediu a
extradição dos réus.
Esta Egrégia Quinta Turma, ao julgar o HC n.º 72.735/SP, por mim relatado,
concedeu a ordem "para revogar o decreto de prisão preventiva em tela [o primeiro],
ressaltando a higidez da decisão posterior do Juízo de primeiro grau que tornou a decretá-la
por motivos supervenientes, fato que é objeto de outro habeas corpus" (DJ de 14/05/2007).
Em decorrência da expedição da segunda ordem de prisão preventiva contra os
Réus, ora Pacientes, a Defesa bateu mais uma vez às portas do Tribunal de Justiça paulista
com a impetração do HC n.º 1.049.112.3/2, buscando a cassação do decreto prisional,
alegando falta de fundamentação e incompetência do Juízo Estadual. O Desembargador
Relator do feito indeferiu o pedido de liminar, ensejando o manejo neste Superior Tribunal de
Justiça do HC n.º 75.818/SP, em que reitera a insurgência.
Ato contínuo, impetrou também o HC n.º 1.050.625.3/6, perante o Tribunal a
quo, insurgindo-se contra a decisão do Juízo processante que, acolhendo manifestação
ministerial, determinou a expedição dos ofícios necessários para dar início ao pedido de
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extradição dos ora Pacientes. Tendo sido a liminar denegada pelo Desembargador Relator do
writ originário, impetrou neste Superior Tribunal de Justiça o HC n.º 76.070/SP, em que
argúi ilegalidades da iniciativa do Juízo processante, buscando obstar o pedido de extradição.
Outrossim, impetrou perante a Corte de origem o HC n.º 1.030.133.3/4,
argüindo, em suma, a inépcia da denúncia por atipicidade da conduta, razão pela qual pedia o
trancamento da ação penal em tela. A Nona Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo denegou a ordem, consoante os fundamentos do acórdão de fls. 366/381,
ensejando a presente impetração.
O Impetrante alega constrangimento ilegal, reiterando os argumentos. Sustenta
a inaplicabilidade do dispositivo legal capitulado na acusação, porque não se descreve o
crime antecedente praticado por organização criminosa, que sequer é conceituada na lei.
Assevera que "Não existe, nem se prova, um constrangimento a doações. não se imagina de
ardil ou fraude para que estas sejam efetuadas. Isso se dá de bom grado por parte dos fiéis"
(fls. 31/32); e que o órgão acusador não descreve nenhum crime cometidos pela Igreja
Renascer. Argúi ainda a "inépcia da alegação da configuração do crime de lavagem de
dinheiro proveniente de crimes de estelionatos e fraudes praticadas por organização
criminosa" (fl. 36), na medida em que há uma "compreensão errática do que são donativos
em culto religioso" , prática comum nas instituições religiosas, sendo que "Estelionato e
fraude, aliás, não fazem nem nunca fizeram parte do rol de crimes antecedentes" (fl. 38).
Insurge-se, também, contra a referência na denúncia ao crescimento patrimonial supostamente
ilícito dos Pacientes, sem fundamento ou lastro probatório. Pede, assim, o sobrestamento do
processo-crime até o julgamento deste habeas corpus. E, no mérito, o trancamento da ação
penal em tela.
O pedido de liminar foi indeferido nos termos da decisão de fls. 79/80.
As judiciosas informações foram prestadas às fls. 85/87, com a juntada de
peças processuais pertinentes à instrução do feito.
O Ministério Público Federal manifestou-se em singelo parecer às fls. 383/384,
opinando pela denegação da ordem.
É o relatório.
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HABEAS CORPUS Nº 77.771 - SP (2007/0041879-9)
EMENTA
HABEAS CORPUS . LAVAGEM DE DINHEIRO. INCISO VII DO
ART. 1.º DA LEI N.º 9.613/98. APLICABILIDADE. ORGANIZAÇÃO
CRIMINOSA. CONVENÇÃO DE PALERMO APROVADA PELO
DECRETO LEGISLATIVO N.º 231, DE 29 DE MAIO DE 2003 E
PROMULGADA PELO DECRETO N.º 5.015, DE 12 DE MARÇO DE 2004.
AÇÃO PENAL. TRANCAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. EXISTÊNCIA DE
ELEMENTOS SUFICIENTES PARA A PERSECUÇÃO PENAL.
1. Hipótese em que a denúncia descreve a existência de organização
criminosa que se valia da estrutura de entidade religiosa e empresas
vinculadas, para arrecadar vultosos valores, ludibriando fiéis mediante variadas
fraudes – mormente estelionatos –, desviando os numerários oferecidos para
determinadas finalidades ligadas à Igreja em proveito próprio e de terceiros,
além de pretensamente lucrar na condução das diversas empresas citadas,
algumas por meio de “testas-de-ferro”, desvirtuando suas atividades
eminentemente assistenciais, aplicando seguidos golpes.
2. Capitulação da conduta no inciso VII do art. 1.º da Lei n.º 9.613/98,
que não requer nenhum crime antecedente específico para efeito da
configuração do crime de lavagem de dinheiro, bastando que seja praticado por
organização criminosa, sendo esta disciplinada no art. 1.º da Lei n.º 9.034/95,
com a redação dada pela Lei n.º 10.217/2001, c.c. o Decreto Legislativo n.°
231, de 29 de maio de 2003, que ratificou a Convenção das Nações Unidas
contra o Crime Organizado Transnacional, promulgada pelo Decreto n.º 5.015,
de 12 de março de 2004. Precedente.
3. O recebimento da denúncia, que se traduz em mera admissibilidade
da acusação diante da existência de sérios indícios de autoria e materialidade,
mostra-se adequado, inexistindo a alegada inépcia, porquanto preenchidos
todos seus pressupostos legais.
4. Nesta fase inaugural da persecução criminal, não é exigível,
tampouco viável dentro do nosso sistema processual penal, a demonstração
cabal de provas contundentes pela acusação. Esse grau de certeza é reservado
para a prolação do juízo de mérito. Este sim deve estar calcado em bases
sólidas, para eventual condenação.
5. Mostra-se, portanto, prematuro e temerário o acolhimento do
pedido da defesa de trancamento da ação penal, de maneira sumária, retirando
do Estado, de antemão, o direito e, sobretudo, o dever de investigar e
processar, quando há elementos mínimos necessários para a persecução
criminal.
6. Ordem denegada.
VOTO
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EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ (RELATORA):
Insurge-se o Impetrante contra a denúncia ofertada contra os ora Pacientes,
dando-os como incursos no art. 1.º, inciso VII, da Lei n.º 9.613/98, por suposta lavagem de
dinheiro e ocultação de bens, por meio de organização criminosa pretensamente instalada na
Igreja que lideram e empresas a ela ligadas. Sustenta, em síntese, a inaplicabilidade do
dispositivo legal capitulado na acusação, porque, de um lado, não há conceituação da
expressão "organização criminosa" e, de outro lado, não há descrição de nenhum dos crimes
antecedentes. Alega, pois, inépcia da denúncia por atipicidade da conduta, razão pela qual
pede o trancamento da ação penal em tela.
Dispõe a Lei n.º 9.613, de 3 de março de 1998:
"Art. 1.º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização,
disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores
provenientes, direta ou indiretamente, de crime:
I - de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins;
II - de terrorismo;
II – de terrorismo e seu financiamento; (Redação dada pela Lei n.º
10.701, de 9 de julho de 2003.)
III - de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material
destinado à sua produção;
IV - de extorsão mediante seqüestro;
V - contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou
para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição
ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos;
VI - contra o sistema financeiro nacional;
VII - praticado por organização criminosa;
VIII – praticado por particular contra a administração pública
estrangeira (arts. 337-B, 337-C e 337-D do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de
dezembro de 1940 – Código Penal). (Inciso incluído pela Lei n.º 10.467, de 11
de junho de 2002.)
Pena: reclusão de três a dez anos e multa."
Cumpre ressaltar, desde logo, que o inciso VII do art. 1.º da Lei n.º 9.613/98
não requer nenhum crime antecedente específico para efeito da configuração do crime de
lavagem de dinheiro, bastando que seja praticado por organização criminosa.
E o questionamento que naturalmente se segue é saber qual seria a definição de
"organização criminosa".
O art. 1.º da Lei n.º 9.034, de 03 de maio de 1995, que tratou sobre a
utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por
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organizações criminosas, com redação dada pela Lei n.º 10.217, de 11 de abril de 2001,
dispõe:
"Art. 1.º Esta Lei define e regula meios de prova e procedimentos
investigatórios que versem sobre ilícitos decorrentes de ações praticadas por
quadrilha ou bando ou organizações ou associações criminosas de qualquer
tipo."
Com se vê, o legislador pátrio não apontou quais seriam os traços definidores
da "organização criminosa", estabelecendo um tipo aberto, diferentemente da “quadrilha ou
bando”, disciplinada no art. 288 do Código Penal, e das “associações criminosas”, grupos
definidos na Lei Antidrogas (art. 37 da Lei n.º 11.343/2006) e na Lei contra a prática de
genocídio (art. 2.º da Lei n.º 2.889/56).
A Doutrina, por seu turno, diante dos vários exemplos de "organização
criminosa" que, infelizmente, tem-se neste país, e ainda fora dele, vem buscando apontar
algumas de suas características marcantes, na tentativa de suprir o incômodo vazio
legislativo, sendo que alguns, inclusive, propugnam pela impossibilidade de aplicação da lei
repressora em face da indefinição legal.
Não obstante, a Col. Corte Especial, nos autos da Ação Penal n.º 460/RO,
expressamente reconheceu a existência de organização criminosa, em acórdão publicado no
DJ de 25/06/2007, na parte que interessa, nos seguintes temos, extraídos do voto da eminente
Ministra Eliana Calmon, in verbis :
"Como a doutrina vem interpretando a figura da organização
criminosa prevista na Lei 9.034/95?
De logo convém afastar-se a idéia de que a Lei 9.034/95 só se aplica
aos crimes cometidos por quadrilha ou bando, com o rótulo de organização
criminosa. Com a redação dada pela Lei 10.217/01 ao art. 1º da Lei 9.034/95,
é uníssono o entendimento doutrinário no sentido de ter o diploma especial
ampliado o seu alcance para abrigar não apenas a quadrilha ou bando, mas
outros agrupamentos, como associações ou organizações criminosas de
qualquer tipo, dentre as quais se inclui verbi gratia a reunião de duas ou mais
pessoas para o fim específico de tráfico de substância entorpecente (art. 14 da
Lei 6.368/76).
Não há na lei definição do que seja organização criminosa, o que
remete o interessado para o tipo do art. 288 do Código Penal, em nome do
princípio da reserva legal, tendo-se na Lei 9.034/95, com a alteração
introduzida nos dois primeiros artigos pela Lei 10.217/2001, referência de
natureza processual pela introdução de dois importantes institutos:
interceptação ambiental, na qual está inserida a interceptação telefônica, e a
infiltração policial.
Entretanto, é importante dizer que, doutrinariamente, pode-se definir
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o que seja uma organização criminosa, capaz de merecer investigação
sistemática e abrangente, com aplicação dos novos institutos procedimentais.
Os professores Luiz Flávio Gomes e Raul Cervi, na publicação
intitulada "Crime Organizado: enfoques criminológico, jurídico e
político-criminal" (p. 92/98), após listarem onze traços de identificação,
consideram que, partindo do arcabouço do tipo quadrilha ou bando do art.
288 do Código Penal, a presença de pelo menos três desses traços
identificadores é suficiente para admitir a existência de uma organização
criminosa.
Partindo desse conceito, dos onze traços, destaco sete para efeito de
enquadramento dos fatos pertinentes a este processo:
1) previsão de acumulação de riqueza indevida, bastando a só
previsão, mesmo que esta não se perfaça; é suficiente o intuito do lucro ilícito
ou indevido;
2) organização hierarquizada sob a forma de pirâmide, havendo
chefia e comando, muito embora possam os integrantes da base ignorar quem
é a pessoa do chefe;
3) divisão funcional de atividades, sendo os integrantes do grupo
recrutados, treinados e incumbidos de funções específicas;
4) conexão estrutural com o Poder Público, em que agentes estatais
passam a integrar a organização ou por ela são corrompidos, tornando-se
complacentes com suas atividades (segundo os autores da obra citada, é
comum as organizações contribuírem maciçamente em campanhas eleitorais,
criando fortes vínculos de mútua dependência com líderes governamentais);
cria-se uma barreira na qual o Estado não consegue penetrar;
5) utilização do clientelismo, com o emprego de pessoas que nada têm
a perder ou que tudo têm a ganhar quando alocam os seus serviços à
organização, em detrimento do Estado, que se faz negligente no atendimento a
essas pessoas;
6) alto potencial de intimidação, até mesmo aos poderes constituídos,
garantindo assim a certeza da impunidade;
7) aptidão para lesar o patrimônio público por meios fraudulentos,
dificilmente perceptíveis (prática de crimes do colarinho branco ou
criminalidade dourada).
No que se refere à configuração mínima de integrantes para
caracterizar-se o tipo bando ou quadrilha, o art. 288 do CP é claro ao
estabelecer a necessidade da associação de mais de três pessoas, ou seja,
mínimo de quatro.
No mesmo sentido está firmada a jurisprudência tanto do STJ quanto
do STF (veja-se, a propósito: STJ - HC 52.989/AC, Rel. Min. Felix Fischer, 5ª
Turma, julg. 23/05/2006; RHC 16.854/SP, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª Turma,
julg. 24/05/2005; HC 21.956/RS, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª Turma, julg.
24/09/2002; e STF - HC 85.457/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1ª Turma,
julg. 22/03/2005 e HC 81.260/ES, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Pleno, julg.
14/11/2001), muito embora exista um precedente da 6ª Turma, no HC
9.095/SP, segundo o qual se caracteriza o tipo formação de quadrilha quando
há três ou mais pessoas com o objetivo de praticar crimes.
A influência do direito internacional em relação aos mais temidos
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crimes da atualidade, que se destacam pela abrangência, propagando-se além
das fronteiras nacionais (tráfico de drogas, tráfico de seres humanos e
lavagem de dinheiro), têm no Brasil provocado discussão doutrinária
ferrenha, a partir da Convenção das Nações Unidas contra o Crime
Organizado Transnacional (Palermo, Itália, 15 de dezembro de 2000), na qual
foi definido o conceito de crime organizado:
Grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há
algum tempo e atuando concretamente com o fim de cometer
infrações graves, com a intenção de obter benefício econômico ou
moral (art. 2º).
A discussão recrudesceu ainda mais quando o Brasil ratificou a
Convenção pelo Decreto Legislativo 231, de 30 de maio de 2003.
A partir daí tem-se entendido que não é necessária a presença de, no
mínimo, quatro elementos para a caracterização da organização criminosa,
como exigido na tipificação da quadrilha ou bando, ou seja, que bastaria a
associação de pelo menos três pessoas.
De qualquer maneira, no caso dos autos, essa vertente da
organização criminosa (Núcleo de Influência Estatal) é composta de quatro
elementos, segundo o apurado até o momento.
Por essas razões, passo a considerar a organização de que fala a
denúncia como organização criminosa, dentro das características
doutrinárias e jurisprudenciais aqui assinaladas, com o cuidado de tê-la
inserida, como arcabouço, no tipo do art. 288 do CP, na forma da Lei
9.034/95 (com redação dada pela Lei 10.217/01)."
No mesmo diapasão, e com base nesse mesmo precedente, também decidiu a
Eg. Sexta Turma, no julgamento do HC 63.716/SP, Rel. Des. JANE SILVA (Convocada do
TJMG), DJ de 17/12/2007. Confira-se:
"HABEAS CORPUS. LAVAGEM DE DINHEIRO. CRIME
ANTECEDENTE. INDÍCIOS SUFICIENTES. PRESSUPOSTOS DA LEI
ESPECIAL. ORIGEM CRIMINOSA DO NUMERÁRIO. FALTA DE PROVA.
ATIPICIDADE DA CONDUTA. AUSÊNCIA DE DOLO OU DOLO
EVENTUAL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. EXAME APROFUNDADO
DAS PROVAS. ORDEM DENEGADA.
1. Identificada, nos autos, uma organização criminosa, nos moldes
do artigo 1º da Lei 9.034/95, com a redação dada pela Lei 10.217/01, com a
tipificação do artigo 288 do Código Penal, do Decreto nº 5.015, de 12 de
março de 2004, do Decreto Legislativo n° 231, de 29 de maio de 2003, que
ratificou a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado
Transnacional, bem como, aparentemente, provas de crimes por ela
cometidos, considera-se presente o requisito de indícios da existência do
crime antecedente ao delito de lavagem ou ocultação de bens, direitos e
valores.
2. A denúncia instruída com indícios suficientes da existência do
crime antecedente ao delito de lavagem ou ocultação de bens, direitos e
valores satisfaz os pressupostos da Lei Especial para o seu oferecimento e
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recebimento.
3. O trancamento de uma ação penal exige que a ausência de justa
causa, a atipicidade da conduta ou uma causa extintiva da punibilidade
estejam evidentes, independente de investigação probatória, incompatível com
a estreita via do habeas corpus.
Precedentes.
4. Ordem denegada."
Como reforço à argumentação, pode-se mencionar, ainda, o recente
recebimento de denúncia pelo Excelso Supremo Tribunal Federal, no nacionalmente
divulgado caso do "Mensalão", em que uma das imputações dizia respeito justamente ao
crime do art. 1.º, inciso VII, da Lei n.º 9.613/98 (Inq 2245/MG, Tribunal Pleno, Rel. Min.
JOAQUIM BARBOSA, DJE-139 de 09/11/2007; DJ de 09/11/2007).
Vale ressaltar que o Conselho Nacional de Justiça, por meio da Recomendação
n.º 3, de 30 de maio de 2006, sugere, com propriedade:
"A adoção do conceito de crime organizado estabelecido na
Convenção das Nações Unidas sobre Crime Organizado Transnacional, de 15
de novembro de 2000 (Convenção de Palermo), aprovada pelo Decreto
Legislativo n.º 231, de 29 de maio de 2003 e promulgada pelo Decreto n.º
5.015, de 12 de março de 2004, ou seja, considerando o "grupo criminoso
organizado" aquele estruturado, de três ou mais pessoas, existente há algum
tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais
infrações graves ou enunciadas na Convenção das Nações Unidas sobre
Crime Organizado Transnacional, com a intenção de obter, direta ou
indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material."
Assim, afastada a alegada inaplicabilidade, em tese, da imputação, cumpre o
exame dos termos em que a acusação foi deduzida pelo Ministério Público Estadual:
"1- Histórico e introdução:
Segundo se afere dos autos do incluso inquérito policial, Estevam
Hernandes Filho, que passou a ser conhecido como “apóstolo” e sua esposa
Sonia Haddad Moraes Hernandes , que passou a ser conhecida como “bispa”
Sonia, fundaram a IGREJA RENASCER e, a partir da pregação do
respectivo culto arrecadaram, e continuam a arrecadar, em ação permanente ,
altíssimos valores em dinheiro às custas, principalmente, de ludibriar fiéis e
de deixar de honrar incontáveis compromissos financeiros, tornando-os
habitualidade com evidências de características criminosas.
Por volta do ano de 1.984, o denunciado, denominando-se “Pastor
Hernandes”, o denunciado começou a realizar um trabalho de divulgação do
Evangelho, no bairro do Cambuci em São Paulo/SP, e passou a agregar
pessoas para seguirem esta nova Igreja, passando a ser o seu presidente
fundador. Antes disto o “Pastor Hernandes” apenas trabalhava como
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funcionário da Empresa Xerox, no setor de Marketing. A então recém criada
Igreja Renascer passou a funcionar nos moldes empresariais, ou seja, com
Fundador Presidente, Diretores (Bispos), Gerentes (Pastores), Chefes Gerais
e o povo, que seriam os “clientes” da empresa, formada dentro de uma
subdivisão de setores, mantendo as suas atividades de forma permanente, até
os dias atuais. A sede administrativa da Igreja fica na Rua Apeninos, nº 1088,
em São Paulo/SP. Foram criadas, em seguida, outras várias Igrejas
espalhadas pelo Brasil e algumas no exterior que são administradas pelos
Pastores locais.
A investigação realizada nestes autos indica a existência de uma
grande quantidade de empresas ligadas à Igreja Renascer através de um
esquema formado por clã familiar que controla os empreendimentos que, em
muito pouco tempo, amealhou verdadeiras fortunas, explorando a fé religiosa
alheia e realizando negócios contestados na justiça. Observa-se uma intensa
relação comercial existente na órbita da Igreja Renascer, muito pouco para
cumprir funções sociais, comandada por um núcleo consideravelmente
pequeno de pessoas ligadas à “chefia da instituição religiosa”. Os
denunciados Estevam Hernandes Filho e Sonia Haddad Moraes Hernandes
são os verdadeiros donos das empresas, e, mesmo considerando a brutal
arrecadação que atingem, possuem poucos bens em seus nomes e grande
quantidade de títulos protestados. Os demais, Leonardo Abbud, Antonio
Carlos Ayres Abbud e Ricardo Abbud emprestam os seus nomes, como
“testas-de-ferro” para simularem a propriedade de algumas das empresas. A
ligação entre as empresas é evidente, já que muitas delas têm o mesmo
endereço sede, coincidentemente o da Igreja Renascer. Há grande volume de
dinheiro circulando entre as pessoas, físicas e jurídicas, embora sejam
utilizadas atividades filantrópicas (sem lucro), como pano de fundo.
Constituiu-se, assim, a formação de uma organização criminosa
voltada para a prática de crimes de estelionatos e outras fraudes como formas
de arrecadação para a prática de delitos de lavagem de dinheiro decorrente
das atividades daquela formação, de forma e em caráter permanente.
Fizeram, e continuam fazendo parte do esquema criminoso, as
seguintes pessoas, físicas e jurídicas:
A. Estevam Hernandes Filho. CPF/MF: 700665748-20. RG:
6.434.543;
B. Sonia Haddad Moraes Hernandes. CPF/MF: 212685808-54. RG:
9.530.251-7
C. Leonardo Abbud. CPF: 149565197-53
D. Antonio Carlos Ayres Abbud: CPF: 607131437-20
E. Ricardo Abbud: CPF: 268686797-34
F. Publicações Gamaliel Ltda: CNPJ: 38.889.317/0028-13
G. Colégio Gamaliel S/C Ltda: CNPJ: 02.151.131/0001-03
H. Gospel Wear Ind. e Com. Confecções de roupas Ltda. CNPJ:
64.880.229/0001-03
I. Gospel Records Comercial Distribuidora Ltda. CNPJ:
00.492.337/0001-63
J. Editora e Livraria Renascer em Cristo Ltda. CNPJ:
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38.889.317/0001-01
K. RGC Produções. CNPJ: 65.472.029/0001-11
L. Ahava Programadora e Comunicação Ltda. CNPJ: ?
2- Características da Organização Criminosa
A- Estrutura Hierárquico-Piramidal
As organizações criminosas tradicionais revelam estrutura
hierárquico-piramidal (chefe, sub-chefes, gerentes e aviões), com no mínimo 3
níveis;
- Chefes: Nesta posição estão Estevam Hernandes Filho e Sonia
Haddad Hernandes , que ocupam os mais altos “cargos”, os mais importantes,
de mando, e possuem muito dinheiro, todo o seu controle, e posição social
privilegiada;
- Sub-Chefes : Em posição hierárquica logo abaixo daqueles estão
Leonardo Abbud, Antonio Carlos Ayres Abbud e Ricardo Abbud, que também
detém poder de mando, embora limitado ao permissivo pelos chefes, contando
com certa liberdade na conformidade dos parâmetros estabelecidos;
- Gerentes : Sendo pessoas de confiança dos chefes, neste patamar
localizam-se os diversos Bispos da Igreja, com capacidade de comando
restrita às respectivas áreas de atuação, a quem aqueles chefes delegam
algum poder. Recebem as ordens da cúpula e as repassam aos “Aviões”.
Eventualmente os gerentes podem servir também, como "testas de ferro" ou
"laranjas".
- Aviões –: São pessoas com algumas qualificações (por vezes
especializadas) para as funções de execução a serem desempenhadas.
B- Divisão direcionada de tarefas
A divisão direcionada de tarefas costuma ser estabelecida segundo as
especialidades, e subdividida em estrutura modular. No caso presente, entre
as inúmeras Igrejas espalhadas pelo Brasil.
C- Membros restritos
A restrição dos membros que venham a integrar o grupo criminoso
nos cargos mais elevados é praticamente condição de sua sobrevivência e
manutenção. Os Bispos são indicados por pessoas de confiança.
E- Orientação para a obtenção de dinheiro e de poder
É a característica mais marcante e comum às organizações
criminosas, e a aqui indicada não foge à regra, como adiante se revelará mais
claramente, e cuja conseqüência torna-se facilmente evidenciada: A lavagem
do dinheiro.
F- Domínio Territorial
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A ora denunciada Organização Criminosa, para ser bem
estabelecida, isso é, para ter bases mais sólidas, necessita manter um domínio
territorial considerado o seu Q.G. – que se situa especialmente na cidade de
São Paulo, embora com tentáculos em grande parte do território nacional.
G- Mescla de atividades lícitas com atividades ilícitas
Esta fórmula torna-se essencial para o sucesso das atividades
criminosas principalmente considerando a necessidade da Organização de
lavar o dinheiro sujo – Dentre as várias técnicas utilizadas, uma das mais
usuais é a mistura de recursos de origem lícita – da atividade lícita, com os
recursos das atividades ilícitas, denominado “mescla”. Da mesma forma,
característica marcante para a mescla é a utilização de empresas, legalmente
constituídas, mas em grande parte fictícias ou de fachada, como adiante ser
afiguram.
2- Criação das empresas e crescimento patrimonial dos
denunciados :
A. Das empresas.
I. A Fundação Renascer , cujos sócios e principais expoentes são
Estevam Hernandes Filho e Sonia Haddad Moraes Hernandes, além de
figuras como Ricardo Abbud e Rosana Mayer Abbud, e Carlos Ayres Abbud
(v. fls. 872 a 905), é entidade, em princípio, sem fins lucrativos, como se pode
depreender de seu Estatuto, em fls. 872 e ss., onde se lêem todos os pretensos
objetivos da Fundação, sem que o lucro esteja entre eles. Prevê o estatuto,
ainda, a criação de redes e canais de radiodifusão, MMDS, STS, TV a cabo e
outros, sempre sem finalidades comerciais, apenas com fins educativos e
culturais.
II. A esta Fundação estavam ligadas outras empresas, cujas conexões
com a Renascer restam assim evidenciadas:
II. I. Ahawa Turismo Ltda., cujos sócios fundadores e
posteriormente participantes são Estevam Hernandes Filho, Antonio
Carlos Ayres Abbud, Ricardo Abbud, entre outros (fls. 930).
II. II. Ahava Programadora e Comunicação Ltda., cujos
sócios fundadores são Estevam Hernandes e Sonia Haddad Moraes
Hernandes (fls. 1043).
II. III. Editora e Livraria Renascer em Cristo Ltda., cuja
denominação social foi alterada para Publicações Gamaliel Ltda.,
fundado por Estevam Hernandes Filho e Igreja Evangélica Renascer
em Cristo (fls. 945).
II. IV. FH Comunicação e Participações Ltda., fundado por
Sonia Haddad Moraes Hernandes e Felipe Daniel Hernandes (fls.
1060).
II. V. Gospel Records Industrial Ltda., cujos fundadores são
Antonio Carlos Ayres Abbud, Ricardo Abbud e Leonardo Abbud (fls.
Documento: 3865515 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 12de 21
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1024).
II. VI. Instituto Gospel de Ensino S/C Ltda., cuja razão social
passou a ser Colégio Gamaliel S/C Ltda., fundado por Estevam
Hernandes Filho e Sonia Haddad Moraes Hernandes (fls. 1049).
II. VII. Waves Retransmissão e Comunicação Ltda.,
constituída pelos mesmos fundadores (fls. 1037).
II. VIII. Fundação Evangélica Trindade , que tem como
presidente vitalício Estevam Hernandes Filho, além de contar com a
participação de Antonio Carlos Abbud, Felippe Daniel Hernandes, e
outros (fls. 926 e ss.).
II. IX. Igreja Cristã Apostólica Renascer em Cristo, com os
mesmos figurantes entre seus participantes (fls. 894 e ss.).
II.X. RGC Produções Ltda., em que são fundadores, entre
outros, Estevam Hernandes, Antonio Carlos Ayres Abbud, Ricardo
Abbud, e Leonardo Abbud.
B. Do patrimônio de Estevam Hernandes Filho.
I. O patrimônio de Estevam Hernandes Filho é invejavelmente
crescente, como se pode verificar a partir dos seguintes fatores:
I.I. Segundo declarações de imposto de renda de 1997 a
2002, Estevam Hernandes Filho, auferiu ele rendas nos valores assim
discriminados e divididos: em 2002, R$ 90.734,16 em rendimentos
tributáveis, e R$ 935.256,23 em rendimentos não-tributáveis; em
2001, R$ 95.374,42 em rendimentos tributáveis e R$ 908.869,67 em
rendimentos não-tributáveis; em 2000, R$ 96.258,35 em rendimentos
tributáveis, e R$ 708.724,50 em rendimentos não-tributáveis;
segue-se, em rendimentos tributáveis e não-tributáveis,
respectivamente: em 1999, R$ 104.084,99 e R$ 285.240,00; em 1998,
R$ 90.736,99 e R$ 181.622,00; e, por fim, em 1997, R$ 85.936,96 e
R$ 146.576,00. Assim, nestes cinco anos, conclui-se por um total
declarado de R$ 3.729.414,27 .
I.II. O patrimônio em bens e direitos declarados também
mostrou-se, nas declarações, extremamente vultoso. De R$
137.652,76 em 1997, passou a R$ 301.651,49 no ano seguinte, para
atingir em 2001 e 2002, a casa de R$ 1.213.323,43 e R$
1.080.725,80, respectivamente. Trata-se, portanto, de aumento
próximo à casa dos 1000%. São Os dados que se referem aos Valores
Declarados em Imposto de Renda, de apenas um dos membros de um
do Clã envolvido.
I.III. Inúmeros fatores denotam, além destes, o crescimento
patrimonial dos denunciados. Os documentos juntados em fls.
316/319, demonstram financiamento para a compra de uma mansão
em Boca Ratón, nos Estados Unidos da América, no valor de US$
465.000,00 (cerca de R$ 1.170.000,00). Aluda-se, ainda, ao fato de
que os Hernandes utilizam-se de bens que são das empresas de que
são donos, e de bens que se encontram em nome de terceiros ligados
Documento: 3865515 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 13de 21
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a elas.
Conclui-se, portanto, pela insofismável constatação de que o
patrimônio de um (e apenas um) dos membros da Renascer cresceu
geometricamente, tão-só com base nos dados disponíveis e
declarados; isso também sem contar os bens que são usufruídos
embora não estejam em nome das pessoas beneficiadas.
C. Das dívidas e reclamações em face de suas empresas.
Ao mesmo tempo em que o patrimônio pessoal acima aludido cresce,
as reclamações de credores das empresas aumentam consideravelmente.
Senão, veja-se:
I.I. Atente-se às contundentes declarações de Márcia
Pellegrini (fls. 504, 505) e de Celso Pellegrini (fls. 497, 498), que
moveram ação de execução contra a Renascer (fls. 499 e ss.). O valor
total devido, atualizado até novembro de 2002, era da monta de R$
87.395,14. As testemunhas moveram a ação em nome de Pontine
Imóveis e Administração S/C Ltda., que alugou à Renascer um imóvel
situado à Av. Lins de Vasconcelos, no 998, andar térreo e três
superiores. A Igreja não honrou os pagamentos de setembro de 2000
até fevereiro de 2001.
I.II. Averiguou-se, ainda, que há inúmeros protestos em
nome da empresa RGC Produções, que, das empresas do grupo,
parece ser a que acumula a maior parte das reclamações. Ao todo,
até o levantamento dos autos, havia protestos que somavam R$
5.020.010,84 (R$ 3.170,55, conforme 2º. Tabelião de Protestos, fls.
293; R$ 3.170,55, conforme 4º. Tabelião de Protestos, fls. 295; R$
3.170,55, conforme 5º. Tabelião de Protestos, fls. 296; R$ 3.501,56,
conforme 6º. Tabelião de Protestos, fls. 297; R$ 5.000.000,00 e R$
3.564,19 conforme 8º. Tabelião de Protestos, fls. 299; e R$ 3.545,00 e
R$ 3.800,00, conforme 9º. Tabelião de Protestos, fls. 300). A
empresa, que, entre outros, foi fundada por Estevam Hernandes,
Antonio Carlos Ayres Abbud, Ricardo Abbud, e Leonardo Abbud,
passou não mais pertencer aos Hernandes, mas oficialmente a um
pastor da Igreja Renascer.
I.III. Mencione-se, ainda, a contenda existente entre os
Hernandes e os Baccelli (J. Alberto Baccelli e Eliana Hellsmeister
Basile Baccelli). Trata-se, igualmente, de inadimplemento da Igreja
com relação à venda de um terreno em Mairinque, conforme se
verifica em fls. 46 a 60, e 1113 e ss.
I.IV. Havia ainda, segundo consta nos autos, Processo
Trabalhista em que é ré a empresa FH Comunicação e Participação
Ltda., que ofereceu como garantia ao juízo esmeraldas, no pretenso
valor de R$ 208.000,00, avaliados por perito que é suspeito por
elaborar laudos falsos, investigado pela Polícia Federal (fls. 311 e
ss.) Elaboração de laudo supostamente falso (super-avaliado) de
pedras esmeraldas, a serem dadas em garantia de dívida, caracteriza,
em tese, a prática de crime de falsidade ideológica (fls. 312/314);
Documento: 3865515 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 14de 21
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I.V. Há, ainda, apenas em São Paulo e em Brasília,
aproximadamente 110 processos em que as empresas acima descritas
são rés, totalizando um montante cobrado na casa de R$
12.000.000,00. Para tanto, vide a relação de fls. 1186/1193. Como
exemplo de vítimas lesadas pelos dirigentes das empresas, cite-se
algumas pessoas mencionadas na reportagem da Revista Época,
como Maria Margarida Pinto Coelho que, fiel, aceitou ser fiadora do
casal Hernandes. Foi surpreendida por oficial de justiça que lhe
cobrava R$ 260.000,00 em aluguéis atrasados e não pagos pela
Igreja (v. seu depoimento em fls. 05 e ss.). Outro exemplo é de Marco
Antonio Lopes dos Santos, ex-bispo da Renascer, fls. 07, que foi
fiador em quatro imóveis, e de Antonio Fontana Rosa, aposentado,
que alugou imóvel à Renascer, e não recebeu os valores devidos (fls.
07).
I.VI. O I.N.S.S. constatou a falsidade de uma CND (certidão
negativa de débitos) da Editora e Livraria Renascer em Cristo, série
G, n° 449373, conforme apuração própria de fls. 1606/1644; que,
sendo de propriedade dos denunciados, configura sérios indícios da
prática de crime de falsidade ideológica;
I.VII. Em várias das empresas – fls. 1757/1759, eram
utilizados CNPJs ao invés de números de cadastros de IE, que
também configura sérios indícios de prática de crime de falsidade
ideológica;
I.VIII. Além disso, levantamento realizado nos autos, fls.
187/199 constatou que em menos de 3 anos, entre 1998 e 2001, os
templos da Igreja Renascer acumulavam dívidas em aluguéis e
telefones de R$ 358.694,26.
3- A evolução e as atividades da Organização Criminosa
Observa-se que, enquanto crescia o patrimônio pessoal dos
denunciados, cresciam, igualmente as reclamações daqueles que se prestaram
a ajudar a Igreja, e foram vítimas da fé religiosa. Não se trata, como visto, de
um fato isolado, mas de inúmeros processos, protestos e cobranças judiciais,
sempre em valores vultosos, e reclamações de inúmeros indivíduos lesados.
Estranha, ainda, a utilização de bens de terceiros pelos suspeitos, bem como o
fato de uma das empresas, herdeira dos maiores protestos, ter sido transferida
a um terceiro, possivelmente um “laranja”, para aparecer como um preposto
de uma “empresa fantasma”. Tudo indica tenha sido o crescimento
vertiginoso do patrimônio suportado pela prática de crimes relacionados a
fraudes diversas, escudados em empresas que – teoricamente – não têm, ou
não deveriam ter - fins lucrativos.
Formou-se assim uma organização criminosa, tendo como chefes os
denunciados Estevam e Sonia, e co-autores os demais, todos agindo
previamente ajustados e com unidade de propósitos, e agindo a partir de
exploração da fé religiosa de incontável número de pessoas, constituiu
empresas que não deveriam ter fins lucrativos, mas obtiveram inestimável
vantagem ilícita obtida através de doações, frustração dos pagamentos de
Documento: 3865515 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 15de 21
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empréstimos e aluguéis de telefones, imóveis e títulos diversos. Consta dos
autos que os denunciados praticaram inúmeras fraudes na medida em que
assumiam compromissos acima de sua capacidade de honrá-los. Procuravam
negociar e esticar os prazos de compromissos das dívidas. Dentre os
compromissos que deixavam de ser honrados no prazo, se inseriam aluguéis
de templos, arrendamento de rádio, arrendamento da Rede Manchete, contas
de serviços públicos, entre outros. Era possível prever pela contabilidade, em
especial o histórico de arrecadação, que os compromissos dificilmente seriam
cumpridos no prazo, mas mesmo assim esses compromissos eram assumidos.
É a mais clara e lógica configuração de fraude, em grande escala. São vítimas
específicas os proprietários dos imóveis, e as companhias telefônicas, bem
como os credores dos títulos, todos referidos nos autos. Consta ainda dos
autos que A Igreja e suas empresa contribuíam com candidaturas políticas. As
igrejas eram usadas para a divulgação das candidaturas e até os membros
fiéis eram solicitados a votarem em determinados candidatos e fazerem
propaganda para os mesmos. Houve por exemplo o apoio maciço à
candidatura para Paulo Salim Maluf ao Governo do Estado de São Paulo, em
1.998.
Da atividade da Igreja Renascer, a partir da investigação realizada
nos autos, é possível concluir que:
a) As empresas ligadas à Igreja Renascer de fato “visavam lucro”,
mas declararam movimentação incompatível, muito aquém da evolução
patrimonial dos seus sócios-proprietários, sendo muitas de fachada ou
fictícias. Quase todas tiveram endereços transferidos, algumas com endereços
coincidentes, e alternaram sócios com impressionante versatilidade;
b) O capital de ingresso nas empresas era basicamente composto
das contribuições de fiéis, em dízimos e ofertas de contribuições, incluindo os
chamados “desafios”;
c ) Embora os seus responsáveis as mantivessem deficitárias,
continuavam a fundar novas empresas,
d) Eles “assumiam compromissos acima da sua capacidade de
honrá-los”;
e) Verificava-se que “era possível prever, pela contabilidade, em
especial o histórico da arrecadação, que os compromissos dificilmente seriam
cumpridos no prazo, mas mesmo assim esses compromissos eram assumidos”;
f ) Todos os valores eram concentrados nas mãos dos responsáveis –
Apóstolo Estevam Hernandes Filho e sua esposa Bispa Sonia;
g ) Houve visível crescimento patrimonial das pessoas ligadas à
Igreja, mesmo com as dívidas comprovadamente acumuladas;
h ) Houve incontroláveis gastos, por exemplo, com cartões de crédito
no exterior, e faturas em dólares;
i ) As empresas, por seus donos – em especial o Apóstolo Estevam
Hernandes Filho e a sua esposa Bispa Sonia, mesmo deficitárias, tinham
objetivos políticos, contribuindo com campanhas políticas;
Pelas provas produzidas neste inquérito policial, há que se concluir
Documento: 3865515 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 16de 21
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pela existência de sérios indícios de que os suspeitos, em especial Estevam
Hernandes Filho, CPF/MF: 700665748-20 e RG: 6.434.543; e Sonia Haddad
Moraes Hernandes, CPF/MF: 212685808-54 e RG: 9.530.251-7, formaram
uma organização criminosa com a finalidade de praticar crimes de
estelionatos, assumindo compromissos financeiros, quase sempre em nome das
empresas que eles mesmos criaram (pessoas jurídicas), e premeditadamente
deixaram de honrar; acumularam grandes riquezas pessoais em curto espaço
de tempo, desviando para eles mesmos, de forma a integrar o seu patrimônio
pessoal - bens e valores obtidos ilicitamente decorrentes portanto de crimes
praticados por organização criminosa, nos termos do artigo 1° VII da Lei n°
9.613/98 , - os quais foram, e continuam sendo dissimuladamente originários,
diretamente, daqueles crimes. Arrebanharam os demais denunciados para
co-participarem da administração da Organização e parte da gerência dos
bens.
4- A configuração do crime de lavagem de dinheiro proveniente de
crimes de estelionatos e fraudes praticados por organização criminosa
Nos termos do artigo 2° II da Lei n° 9.613/98: “independem do
processo e julgamento dos crimes antecedentes no artigo anterior, ainda que
praticados em outro país”;
E do artigo 2° § 1° da mesma Lei: “A denúncia será instruída com
indícios suficientes da existência do crime antecedente, sendo puníveis os fatos
previstos nesta Lei, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor daquele
crime”. (grifei).
O dispositivo legal em análise destina-se, na verdade, seguindo os
ditames da Convenção de Viena, e sensível à inadiável e imperiosa
necessidade de combater as Organizações Criminosas, a abranger todos as
hipóteses de infrações penais praticadas por uma Organização Criminosa.
Importante referir, para espancar qualquer resquício de dívida, que
o Governo do Brasil editou o Decreto nº 5.015 de 12 de março de 2004, que
promulga a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado
Transnacional, definindo "Grupo Criminoso Organizado", de lege ferenda,
especificando que:
Para efeitos da presente Convenção, entende-se por: a)
"Grupo criminoso organizado" - grupo estruturado de três ou mais
pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o
propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas
na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou
indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material;
Demonstra-se assim, por fim, ser absolutamente possível aplicar o
presente dispositivo, simplesmente, e também principalmente, através dos
próprios conceitos de "Organização Criminosa", independentemente de
definição legal.
Considerando-se que não seria possível distinguir determinadas
espécies de infrações penais para efeito de estabelecimento da organização
Documento: 3865515 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 17de 21
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criminosa, segue-se que, uma vez configurada a sua existência, com intuito de
prática de qualquer tipo de infração penal, desde que obtenha, dessa
atividade, bens, direitos e valores, a partir de indícios das condutas, será
possível processar os seus integrantes – que de qualquer modo concorrerem,
por crime de lavagem de dinheiro, tendo como situação antecedente
“pertencer”, por se tratar de “crime praticado por organização criminosa”.
5- Da ocultação e/ou dissimulação da natureza, origem, localização,
disposição, movimentação e propriedade de bens e direitos, provenientes
indiretamente dos crimes praticados pela organização criminosa e
tipificação da conduta .
O crescimento vertiginoso dos denunciados aconteceu seguindo o
estratagema de utilizar pessoas “testas-de-ferro” - Leonardo Abbud. CPF:
149565197-53, Antonio Carlos Ayres Abbud: CPF: 607131437-20 e Ricardo
Abbud: CPF: 268686797-34, todos parentes da denunciada, (procurações fls.
516/579) para em nome deles constituir empresas ligadas à Igreja Renascer,
fls. 121/179, ou mesmo em nome deles, denunciados, receber doações à custa
de exploração da fé religiosa, e deixar de honrar compromissos financeiros,
os quais, previamente, sabiam inatingíveis, auferindo lucros, e portanto
através do esquema dissimular a origem ilícita dos valores e bens adquiridos,
conforme os quadros e referências abaixo referidas:
Evolução Patrimonial financeira do denunciado Estevam Hernandes
Filho:
2002 2001 2000 1999 1998 1997
R. Trib. 90734,36 95734,42 96258,35 104084,00 90736,66 85936,96
R. ñ Trib. 935256,23 908869,67 708724,50 285240,00 181622,00 146576,00
Total: R$ 3.729.414,27
Evolução patrimonial de bens do denunciado:
2002 2001 1998
Bens Declarados 1.213.323,43 1.080.725,80 301.651,49
O denunciado Estevam Hernandes Filho gastou, em cartões de
crédito internacional, entre 24/4/1998 e 24/4/2003, a quantia de US$
480.662,62 (quatrocentos e oitenta mil, seiscentos e sessenta e dois mil, e
sessenta e dois dólares), segundo informações do BACEN, fls. 1155/1276.
O esquema de circulação de altíssimos valores passava pelas
empresas, entre elas, algumas comprovadamente de fachada: Diligência
Fiscal da Receita Federal (fls. 1701/1712) constatou ser a empresa
“Publicações Gamaliel Ltda”, dos denunciados Estevam Hernandes Filho e
Sonia Haddad Moraes Hernandes, uma verdadeira empresa de fictícia ,
inexistente nos endereços referidos, e que movimentou, entre os anos de 2000
e 2003, a quantia da ordem de R$ 46.408.086,00 (quarenta e seis milhões,
Documento: 3865515 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 18de 21
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quatrocentos e oito mil e oitenta e seis reais), não declarados, ocultados
portanto, da Receita Federal; e em incrível descompasso com os valores da
conta fiscal (SEFAZ) de fls. 1481/1490.
A empresas “Colégio Gamaliel S/C Ltda” e “Gospel Wear Ind.
Com. Confec. Roupas em Geral” (fls. 1734), reúnem, igualmente, fortes
características de serem empresas fictícias, criadas para a passagem do
dinheiro obtido através de doações, mesclados com o dinheiro obtido
ilicitamente.
Bens Adquiridos pelos denunciados Estevam Hernandes Filho e Sonia
Haddad Moraes Hernandes, produtos das atividades ilícitas:
a ) Uma área rural de 181.500 mts2, no município de Itariri,
Mairinque, em 29/06/2001, matrícula n° 13.877; adquirida em nome de
“Colégio Gamaliel ”; por R$ 500.000,00 (à época); fls. 68/72;
b ) Uma área rural de 272.910 mts2, no município de Itariri, São
Roque, em 12/06/2001, matrícula n° 19.029; por R$ 1.325.000,00 (à época);
em nome de “Publicações Gamaliel” (fls. 61/63).
c ) Uma casa nos Estados Unidos da América , na cidade de Boca
Ratón, no valor estimado de US$ 465.000,00 em (2001), ou mais de R$ 1
milhão (atuais), em julho de 2000, fls. 316/319.
Considerando que as doações dos fiéis tinham, ou deveriam ter
destinação a obras assistenciais, e que as empresas não tinham, ou não
deveriam ter lucro, não há correspondência entre o patrimônio declarado,
dos denunciados e das suas empresas, e os bens e valores efetivamente
auferidos – não havendo demonstração da procedência lícita de tais bens e
valores.
Assim, os denunciados Estevam Hernandes Filho e Sonia Haddad
Moraes Hernandes , agindo diretamente e indiretamente, utilizando-se de
Leonardo Abbud, Ricardo Abbud e Antonio Carlos Ayres Abbud, que
aderiram à pratica dos crimes, todos sempre previamente ajustados e com
unidade de propósitos, ocultaram e dissimularam a natureza, a origem a
disposição e a propriedade dos valores e bens acima referidos, provenientes
direta e indiretamente de crimes praticados pela organização criminosa que
chefiavam e continuam chefiando em caráter permanente, especializada na
prática de crimes de fraudes diversas, especialmente estelionatos, auferindo
daí os proventos.
Isto posto, DENUNCIO-OS como incursos nas penas do artigo 1°
inciso VII da Lei n° 9.613/98 [...]." (denúncia às fls. 88/101)
O tipo penal em tela visa a coibir prática muito comum entre grupos
criminosos, consistente em ocultar bens, direitos e valores provenientes, direta ou
indiretamente, de crimes, ou ainda em dissimular operações a fim de dar a esses ativos de
origem espúria aparência de licitude.
No caso em exame, a acusação é essencialmente a de que os ora Pacientes,
juntamente com outros, se valeram da estrutura organizada da Igreja Renascer e empresas
Documento: 3865515 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 19de 21
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vinculadas, para arrecadarem vultosos valores, alguns provenientes de simples doações dos
fieis – o que absolutamente não caracteriza nenhum ilícito – e outros produtos da exploração
da fé desses mesmos fiéis, ludibriando-os mediante variadas fraudes – mormente estelionatos
–, desviando os numerários oferecidos para determinadas finalidades ligadas à Igreja em
proveito próprio e de terceiros, além de pretensamente lucrarem na condução das diversas
empresas citadas, algumas por meio de “testas-de-ferro”, desvirtuando suas atividades
eminentemente assistenciais, aplicando seguidos golpes.
Propõe provar a peça acusatória que há “a formação de uma organização
criminosa voltada para a prática de crimes de estelionatos e outras fraudes como formas de
arrecadação para a prática de delitos de lavagem de dinheiro decorrente das atividades
daquela formação” . Enumera o Parquet vários episódios em que aponta supostas vítimas,
afirmando que “Tudo indica tenha sido o crescimento vertiginoso do patrimônio suportado
pela prática de crimes relacionados a fraudes diversas, escudados em empresas que –
teoricamente – não têm, ou não deveriam ter - fins lucrativos.”
Como se vê, a denúncia oferecida sugere que, por meio do cometimento de
crimes sob as cortinas da atividade religiosa, houve enriquecimento dos líderes da Igreja,
apoderando-se de valores de doações desviadas, de não-pagamentos de empréstimos e
aluguéis de telefones, imóveis e títulos diversos etc.
É bastante amplo e complexo o modus operandi da suposta organização
criminosa denunciada pelo Ministério Público Estadual, sendo que, diante dos indícios
apontados, sem dúvida há justa causa para que se dê início à persecução criminal.
Nesse contexto, o recebimento da denúncia, que se traduz em mera
admissibilidade da acusação diante da existência de sérios indícios de autoria e materialidade,
mostra-se adequado, inexistindo a alegada inépcia, porquanto preenchidos todos seus
pressupostos legais.
Nesta fase inaugural da persecução criminal, não é exigível, tampouco viável
dentro do nosso sistema processual penal, a demonstração cabal de provas contundentes pela
acusação. Esse grau de certeza é reservado para a prolação do juízo de mérito. Este sim deve
estar calcado em bases sólidas, para eventual condenação.
Vale ressaltar que a comprovação ou não dos graves fatos narrados é tarefa a
ser realizada durante a instrução criminal, com o aprofundamento do exame dos elementos de
prova trazidos a juízo, garantindo-se aos acusados o contraditório e a ampla defesa, respeitado
Documento: 3865515 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 20de 21
Superior Tribunal de Justiça
o devido processo legal.
Por tudo isso, mostra-se prematuro e temerário o acolhimento do pedido da
defesa de trancamento da ação penal, de maneira sumária, retirando do Estado, de antemão, o
direito e, sobretudo, o dever de investigar e processar, quando há elementos mínimos
necessários para a persecução criminal.
Ante o exposto, DENEGO a ordem.
É o voto.
MINISTRA LAURITA VAZ
Relatora
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Perfil
- I.A.S.
- Advogado - Nascido em 1949, na Ilha de SC/BR - Ateu - Adepto do Humanismo e da Ecologia - Residente em Ratones - Florianópolis/SC/BR
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