Rudolf Brazda foi mandado para o campo de concentração de Buchenwald por ser homossexual. Hoje, aos 97 anos, decidiu contar a sua história em um livro
Por Ivan Claudio
Primeiro foram os tiros da artilharia que cessaram. Depois os passos dos soldados. Do seu esconderijo, ao lado de um chiqueiro de porcos, na parte mais afastada do campo de concentração de Buchenwald, na Alemanha, o prisioneiro Rudolf Brazda tenta entender o que está acontecendo. Um estranho silêncio toma conta do ambiente. Ele perde o medo, sai apreensivo e chega ao pátio onde fora vítima de tantas humilhações. O campo estava abandonado. Brazda agora é um homem livre. De sua chegada ao local, em 8 de agosto de 1942, à sua libertação, em 11 de abril de 1945, esse alemão de origem tcheca viu de tudo entre os muros de Buchenwald. Assistiu a um colega ser atirado aos cães e um prisioneiro cegar-se com tinta de caneta para, assim, se livrar das torturas praticadas pela SS, a polícia do regime nazista. Viu soldados russos serem executados com tiros na nuca ao apoiarem-se numa parede que, eles não sabiam, possuía um orifício estratégico. E corpos, muitos corpos serem despejados e depois queimados – as cinzas eram depois usadas como adubo nas hortas que os prisioneiros cultivavam.
Brazda era homossexual e foi por isso que, com a ascensão do nazismo, em 1933, foi levado para Buchenwald. Suas trágicas recordações estão contadas no livro “Triângulo Rosa” (Mescla), escrito com a ajuda do pesquisador francês Jean-Luc Schwab. Pelo que se sabe, ele é o único gay sobrevivente de um campo de concentração (tem 97 anos) e decidiu dar seu depoimento só recentemente – antes, o seu companheiro de toda a vida, morto em 2003, aos 73 anos, pedia que esquecesse o assunto. “Éramos felizes e era isso o que contava”, disse Brazda à ISTOÉ, de Mulhouse, na Alsácia, leste da França, onde mora sozinho. Ele foi para essa cidade a pé em companhia de um amigo que era prisioneiro político no campo. Ao ser libertado pelo Exército americano, Brazda não tinha nada para recolher nos armários, nem mesmo a documentação comprovando de onde viera antes da deportação.
PERSEGUIÇÃO
Sua triste odisseia se iniciou em 1937, como uma parábola do escritor Franz Kafka. Brazda é acordado em seu quarto pela polícia criminal e tem todos os seus pertences vasculhados. É acusado de infringir o parágrafo 175 do Código Penal do II Reich que proíbe a “luxúria”, palavra curta que incluía um vasto leque do que o nazismo considerava perversão. Ele é preso duas vezes e decide morar na Tchecoslováquia. De nada adianta: com a anexação do país pela Alemanha, fica de novo na mira. Não tem saída. Esses poucos anos foram suficientes para presenciar a barbárie. Não perdeu, contudo, o humor: “Os nazistas nos faziam usar um triângulo rosa para nos ridicularizar. Hoje gosto de usar camisas dessa cor.”
AS MEMÓRIAS DE BRAZDA
Hoje um cidadão francês, Rudolf Brazda vive sozinho na casa que construiu e conta com a assistência de enfermeiros. Foi de lá que ele falou com a reportagem de ISTOÉ
ISTOÉ – Por que só aos 97 anos o sr. decidiu contar sua história?
Rudolf Brazda – Achava que não havia interesse. Ao ficar sabendo, há três anos, da inauguração do memorial às vítimas homossexuais em Berlim, um amigo me incentivou a me manifestar e eu pedi a uma sobrinha que morava lá para informar da minha existência. Foi uma sensação porque ninguém pensava que ainda existissem “triângulos rosas” vivos.
ISTOÉ – Qual a sua reação quando a polícia o interrogou pela primeira vez?
Brazda – Fiquei surpreso porque nunca esperei que isso pudesse acontecer. Foi em Leipzig, em um hotel onde trabalhava.
ISTOÉ – Passava pela sua cabeça que para o nazismo a homossexualidade era um mal que deveria ser eliminado?
Brazda – Sabia que eles eram contra, mas nunca imaginei que isso me levasse a um campo de concentração, muito menos a uma cadeia.
ISTOÉ – Quando ficou sabendo do extermínio de judeus?
Brazda – Eu não tinha consciência do que se passava dentro dos campos. Fui condenado a trabalhos forçados, mas poderia ter sido pior. Por sorte, eu exercia uma profissão que era útil (ele era entelhador).
ISTOÉ – O sr. descobriu rapidamente que o importante era sobreviver?
Brazda – Eu não era uma exceção. É verdade que vivíamos sem medo da morte, ela fazia parte do nosso cotidiano. Mas nos preocupávamos em nos manter vivos. No meu caso, isso significava fazer o meu trabalho da melhor forma possível, satisfazer aos superiores e não chamar a atenção dos SS.
ISTOÉ – Como reagiu a situações como a do jovem que se cegou com tinta de caneta?
Brazda – A gente compartilhava da dor dessas pessoas, mas não podia fazer grande coisa para ajudá-las.
ISTOÉ – Poderia falar das experiências para mudar a sexualidade dos “triângulos rosa”?
Brazda – Ainda não estava em Buchenwald nessa época. O único teste de que fui objeto foi o de vacinas.
Fonte: Rev. ISTOÉ INDEPENDENTE
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