Nos últimos 20 anos, o Congresso Federal deixou de analisar 12 das prestações de contas anuais feitas pela Presidência da República e outros órgãos da União. Dessas, oito já foram apreciadas pela Comissão Mista de Orçamento (CMO), mas ainda aguardam votação em plenário. Outras quatro nem chegaram a passar pela comissão. Entre elas estão as prestações de contas de 1990 e 1991, durante a gestão de Fernando Collor de Mello.
Não há prazo determinado para o Congresso analisar as contas. Sem essa obrigação, o Congresso evidencia a falta de interesse em analisar como foram aplicados os recursos públicos pela Presidência da República, que precisa seguir a Constituição Federal e a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), entre tantas outras normas. A fiscalização do Executivo é uma das principais atribuições dos parlamentares. A Assembleia Legislativa do Paraná, por exemplo, já julgou e aprovou as contas de Roberto Requião (PMDB) de 2003 a 2009.De acordo com as fontes ouvidas pela Gazeta do Povo, dificilmente os parlamentares decidiriam sobre a reprovação das contas dos governantes. Quando isso ocorre, o gestor público fica inelegível por oito anos. Mas, mesmo que não sejam aplicadas punições, o “engavetamento” das contas é visto como prejudicial à sociedade. “Ainda que seja apenas uma análise protocolar, o Congresso não pode deixar de cumprir esse papel”, observa Gil Castelo Branco, secretário-geral da ONG Contas Abertas.
“O Congresso não pode se omitir. O TCU, que é um órgão vinculado ao Legislativo, cumpre com seu papel e envia os relatórios. Cabe ao Congresso dar prosseguimento”, observa a doutora em Direito Público Maria Arair Pinto Paiva, da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Atrasadas
Sete das oito contas dos dois mandatos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda estão pendentes de análise pelo Congresso, segundo dados da CMO. A única exceção são as de 2010, que ainda não chegaram à Câmara. As contas do ano passado ainda serão analisadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Quando o órgão recebe o documento, tem 60 dias para emitir o parecer e encaminhá-lo ao Congresso.
De acordo com um consultor do Senado, a avaliação das contas é um assunto delicado, pois pode ser usado como ferramenta para prejudicar adversários políticos. O consultor, que preferiu se manter no anonimato, lembra da estratégia utilizada por Fernando Henrique Cardoso em 2002. O tucano agiu para aprovar a maioria de suas contas quando ainda estava no poder. “Ele juntou um pacote de prestações de contas de vários anos e, com a base que tinha na época, aprovou tudo na Câmara e no Senado, em apenas um dia. Ficou estranho, pois algumas das contas não tinham relatório da Comissão Mista de Orçamento”, disse ele. Ainda estão pendentes as contas de FHC de 2000 a 2002.
Razões
Para Castelo Branco, a ação de fiscalização fica prejudicada pelo clima de “fla-flu” que domina a política brasileira. “Infelizmente funciona assim. Se o parlamentar é do governo, concorda com tudo. Se é da oposição, critica tudo. Não é feita uma análise criteriosa”, afirmou. Para ele, a base aliada tem interesse em evitar a análise das contas, porque isso cria outra instância de avaliação, e o governante fica muito visado. De acordo com o consultor do Senado, os parlamentares estão agindo dentro das normas vigentes, e a análise das contas – ou a falta dela – faz parte do jogo político. “Não se trata apenas de descuido, ou de ter a maioria para aprovar. Assim como há um trâmite para os processos, há um trâmite para a análise das contas.”
A reportagem não conseguiu conversar com o presidente da CMO, senador Vital do Rêgo (PMDB-PB). Ele não retornou ao pedido de entrevista, assim como outros integrantes da comissão.
Fonte: GAZETA DO POVO (Curitiba)
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