Exceção de suspeição
Um recurso aceito pelo Tribunal Superior do Trabalho contra a jurisprudência anterior e até mesmo a uma súmula da corte levou os advogados dos ex-empregados da Vasp a arguirem a suspeição de toda a 5ª Turma. A empresa conseguiu levar ao TST uma contestação à venda da Fazenda Piratininga, do grupo Canhedo, adjudicada por decisão judicial e vendida por R$ 310 milhões em dezembro para sócios do grupo Hypermarcas. A venda, feita para quitar parte da dívida de R$ 1 bilhão com os trabalhadores, já havia sido dada como definitiva pelo Superior Tribunal de Justiça, mas agora pode ser revista pelo TST.
O Sindicado dos Aeroviários do Estado de São Paulo é o autor da Exceção de Suspeição. A entidade afirma que o presidente da Turma, ministro João Batista Pereira, demonstrou ter amizade com um dos advogados do grupo Canhedo, e contrariou suas próprias decisões ao acolher pedido do empresário. Contra os ministros Emmanoel Pereira e Kátia Arruda, demais componentes do colegiado, o sindicato afirma terem votado em sentido diferente do que já haviam decidido antes e voltaram a decidir depois sobre o assunto. A arguição de suspeição afirma que a entrada, às vésperas do julgamento de um recurso, de dois ex-ministros do TST no processo em favor de Canhedo fez a decisão pender inexplicavelmente a favor do empresário.
Em 29 de junho, a 5ª Turma deu provimento a Embargos de Declaração da Agropecuária Vale do Araguaia, dona da fazenda Piratininga antes da adjudicação, para, “concedendo-lhe efeito modificativo, sanar equívoco no exame dos pressupostos extrínsecos de admissibilidade, prosseguir no exame do Agravo de Instrumento e dar provimento ao Agravo de Instrumento para, convertendo-o em Recurso de Revista, determinar a reautuação do processo e publicação da certidão de julgamento”.
A certidão de julgamento foi publicada nesta segunda-feira (25/7) — veja abaixo. A decisão permite que a corte agora analise a legalidade da venda da propriedade em São Miguel do Araguaia, em Goiás. O julgamento deve acontecer na primeira sessão após o recesso, provavelmente no dia 3 de agosto.
Antes, porém, a turma já havia rejeitado um Agravo de Instrumento da agropecuária. Seguindo a Súmula 164 da corte, os ministros, por maioria, entenderam que não existe a possibilidade de subida de Recurso de Revista sem a procuração dada ao advogado que representa a parte. Ao pedir a subida do recurso ainda na segunda instância, a agropecuária não juntou a procuração. No entanto, quando a empresa recorreu com Embargos — então já representada pelos ex-presidentes do TST Luiz José Guimarães Falcão e Francisco Fausto Paula de Medeiros — a turma decidiu de forma oposta e superou a ausência do documento.
Nos Embargos, a agropecuária vira a mesa e alega que o advogado do sindicato, Luiz Fernando Basto Aragão, é quem não tem procuração para atuar. Francisco Gonçalves Martins, um dos advogados dos Sindicatos dos Aeroviários e dos Aeronautas, protesta, afirmando que o mandato dado a Aragão é tácito desde a origem do processo, na primeira instância. Ele afirma que o argumento é uma estratégia que não tem fundamento processual, já que o que estava sendo discutido nos Agravos era a falta de procuração do advogado da agropecuária. “Não se poderia inverter a situação, em sede de embargos, sem o pré-questionamento”, afirma. “Tal assertiva, para merecer crédito (…), deveria ser comprovada através de competente certidão atestando a inexistência de mandato expresso na origem”, menciona na Exceção de Suspeição.
O mais estranho, segundo Martins, não é a alegação da agropecuária, mas sua aceitação pelos ministros. “Dou a mão à palmatória se alguém encontrar decisão como essa nos últimos 15 anos”, desafia.
“Fica claro que no Brasil nós temos dois direitos: um para proteger o Canhedo, ainda que à margem do Congresso Nacional e da jurisprudência consolidada, e outro, emanado do Poder Legislativo, a qual todos, exceto Canhedo, submetem-se.”
A Exceção de Suspeição foi ajuizada no dia 12 de julho, mas ainda não teve qualquer movimentação. Se o Recurso de Revista de Canhedo for julgado antes dela, o pedido perde o sentido. A saída, segundo Martins, será recorrer ao TST com Embargos de Declaração contra o drible à jurisprudência da corte. “Vamos opor cem embargos, se for preciso, mesmo que haja multas por litigância de má-fé. Não fui eu quem errou”, protesta.
O caso ainda pode parar no Supremo Tribunal Federal. “A atitude fere o princípio constitucional da igualdade, já que os ministros só julgaram esse caso dessa maneira.”
Por meio de sua assessoria de imprensa, o TST afirmou que a decisão se baseou “na jurisprudência deste Tribunal sobre o tema”. “Todas as vezes nas quais o Judiciário é acionado, já que age mediante provocação, suas decisões são motivadas. Caso a parte não se sinta contemplada em sua pretensão, há meios próprios de tentar reverter sua situação”, diz a corte em nota.
Exceção à regraNa arguição do sindicato, o ministro João Batista Brito Pereira (foto), presidente da 5ª Turma, é acusado de favorecer Canhedo já em 2005, quando deu razão ao empresário diante de um pedido de reconsideração.
Em acordo firmado com o Ministério Público do Trabalho e homologado pela 14ª Vara do Trabalho de São Paulo antes de a Vasp quebrar em 2008, Canhedo se comprometeu a desistir dos recursos contra uma Ação Civil Pública e cumprir uma série de exigências trabalhistas. No entanto, ele apelou ao TST contra a obrigação de desistir, no que, na opinião do ministro, ele tinha razão — apesar de o artigo 831, parágrafo único, da CLT e a Súmula 100 do TST prescreverem que esse tipo de acordo é decisão irrecorrível, transitada em julgado quando é homologada. Por maioria, a Turma acabou por recusar o recurso e ordenar o cumprimento do acordo.
“O senhor ministro João Batista Brito Pereira, embora vencido, já se pronunciava claramente em favor de uma das partes, ou seja, das empresas de Wagner Canhedo Azevedo, o que reputa-se fundada a suspeição de parcialidade do ilustre ministro”, diz Francisco Gonçalves Martins. Segundo ele, ao julgar outro recurso no ano passado, o ministro voltou a demonstrar suspeição.
A história começou quando o sindicato afirmou que o advogado de Canhedo, Carlos Campanhã, ajuizou recurso sem juntar procuração, admitido pelo Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo. O TRT aceitou um Recurso de Apelação contra a adjudicação da fazenda, quando a via correta de contestação seria o Agravo de Petição. Apesar do recebimento, o recurso foi negado no mérito.
Contra essa decisão, a Agropecuária Vale do Araguaia ajuizou Recurso de Revista dirigido ao TST, que também foi negado. Seguiu-se um Agravo de Instrumento também dirigido ao TST, dessa vez negado pela 5ª Turma, justamente pela falta de procuração no Recurso de Revista.
No entanto, ao julgar o Agravo de Instrumento, o ministro Brito Pereira pediu vista dos autos antes que a ministra Kátia Arruda (foto) votasse, logo após o relator do caso, ministro Emmanoel Pereira, rejeitar o recurso. “Antes do início do julgamento, as filmagens da sessão registram ostensiva demonstração de afeto entre o senhor ministro e o advogado da agropecuária”, diz Martins. Em voto-vista, o ministro foi favorável à agropecuária, o que o advogado dos aeronautas aponta como suspeito, já que em outros julgamentos, anteriores e posteriores, o ministro não tolerou a falta de procuração.
Em seu voto, Britto Pereira afirmou que não se pode exigir da parte a juntada de procuração no caso de Agravo de Instrumento. “Não pode o julgador criar óbice à apreciação do recurso que não esteja previsto em lei, sob pena de sonegação da jurisdição”, disse. “Não prevalece o entendimento (…) no sentido da inexistência do Recurso de Revista, por irregularidade de representação, uma vez que é vedado ao julgador negar a prestação jurisdicional, por atribuir à parte o ônus pela remessa das peças necessárias ao exame de Agravo de Petição, em autos apartados, quando inexistente determinação em lei nesse sentido.”
Porém, em dezembro, ao julgar questão semelhante, o ministro defendeu a necessidade da procuração. “O ilustre advogado que subscreve digitalmente o Recurso de Revista (…) não detém poderes para representar a recorrente, pois não mais possui procuração válida nos autos”, afirmou em voto nos Agravos de Instrumento em Recurso de Revista 50740-65.2005.5.02.0014. “Ante a irregularidade de representação verificada, não admito o recurso, porque inexistente no mundo jurídico (Súmula 164/TST).”
“O senhor ministro não fez qualquer ressalva em seu voto-vista de que teria mudado de entendimento sobre a validade acerca da imprescindibilidade de juntada de mandato de advogado que assina recurso de revista”, protesta Martins.
Para o advogado, a entrada de dois ex-ministros do TST no processo em favor de Canhedo às vésperas do julgamento tornou os dois outros ministros da Turma igualmente suspeitos. Emmanoel Pereira (foto), por ter nascido no Rio Grande do Norte, assim como o ex-presidente do TST Francisco Fausto Paula de Medeiros, representante da agropecuária, “dado do grau de irmandade cultivada entre ambos”. E Kátia Arruda pelo fato de ter dado provimento, junto com os colegas, a um recurso considerado absurdo pelo sindicato.
Segundo Francisco Martins, a decisão nos Embargos permitiu que o processo fosse convertido em Recurso de Revista pelos ministros, mesmo contrariando decisões dos mesmos julgadores anteriores e posteriores ao julgamento. “Compulsando a jurisprudência — 2.700 acórdãos — da 1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª, 6ª, 7ª e 8ª Turmas do colendo Tribunal Superior do Trabalho (…), não se encontra, in pari materia, vale dizer, ausência de procuração do advogado que assinou o Recurso de Revista, nada igual ao quanto decidido em 29 de junho de 2011 pelos senhores ministros da 5ª Turma”, afirma.
O advogado colaciona decisões dos ministros contrárias à tomada nos Embargos de Canhedo. De Emmanoel Pereira, cita, entre outros, o AIRR 152742-75.2004.5.15.0115, julgado em maio de 2010, o Recurso Ordinário em Ação Rescisória 350200-42.2007.5.01.0000, julgado em agosto do ano passado, e o AIRR 8245-02.2010.5.01.0000, julgado em junho deste ano. De Kátia Arruda, menciona o AIRR 152241-24.2004.5.15.0115, julgado no último mês de junho. Em todos os casos citados, os ministros reafirmam a necessidade da procuração para interposição de Recurso de Revista.
Apesar de o Recurso de Revista de Canhedo ainda não ter sido apreciado pela corte, a defesa dos ex-empregados espera pelo pior, e considera a fazenda perdida para o empresário. “Se já passou o que era impossível, como o recurso subir sem procuração, o que se dirá daquilo que é interpretativo”, lamenta Martins. O grupo MCLG Administração e Participações Ltda, que adquiriu a fazenda, depositou em juízo a primeira parcela de R$ 50 milhões. Faltam outras cinco no mesmo valor. Caso a propriedade volte às mãos do empresário, o grupo terá de receber o valor de volta.
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