Paulo Moreira Leite
Eu acho que em determinados momentos é melhor chamar as coisas pelos seus nomes.
Longe de ser um caso isolado, ou uma simples manifestação de grave desequilíbrio mental, o atentado terrorista na Noruega é uma demonstração violenta do crescimento das idéias fascistas no Velho Mundo.
Nos últimos anos, boa parte dos países europeus tornou-se palco de movimentos anti-democráticos, que pregam a exclusão de imigrantes, rejeitam seus direitos e tentam reprimir seus costumes.
Na Dinamarca, chegou-se ao cúmulo de elaborar uma política que proibe a entrada de estrangeiros. Na Holanda, um partido que combate os imigrantes está mais forte do que nunca. Na França, a representante do fascismo local ocupa uma posição de destaque nas pesquisas de opinião da futura campanha presidencial.
O nome disso é fascismo, ainda que o autor dos atentados de Oslo seja um dos poucos que tenha gosto pelos figurinos e fantasias típicos dos tempos de Benito Mussolini e Adolf Hitler. A maioria usa paletó e gravata. O fascista holandes tem uma cabeleira de roqueiro.
Tentar transformar movimentos políticos dessa natureza em aglomerados de psicóticos urbanos que cometem assassinatos em série em escolas públicas, implica em encobrir sua gravidade e apagar responsabilidades maiores.
Comparada com vizinhos europeus, a Noruega é um país relativamente estável e próspero. Não haveria razão material, portanto, para a emergencia de um movimento dessa natureza. Mas ali se vive um ambiente cultural e político europeu, e o Velho Mundo assiste hoje a um espetáculo conhecido.
Cada vez mais incapazes de combater a crise econômica com uma politica de estímulo ao crescimento, geração de emprego e investimentos, a maioria dos governos europeus tem embarcado em políticas de austeridade, corte de gastos e quebra de investimentos que tem levado ao desemprego e ao empobrecimento da população. São situações ideais para o crescimento de movimentos fascistas.
A política do século XX ensina que o fascismo sempre foi um pequeno movimento político, inexpressivo socialmente mas presente nos labirintos da maioria das sociedades modernas, à espreita, como uma força maligna que espera uma oportunidade de ataque.
Sem fazer comparações exageradas, é bom refrescar a memória. Em 1928, na Alemanha, o partido nazista tinha menos de 3% dos votos e era considerado uma força inofensiva pela maioria dos analistas políticos. Hitler era visto como um lider patético e risível com sua arrogancia e seu radicalismo. A cultura psiquiátrica daquele momento não era tão rica nem tão difundida como hoje e em parte por isso não era tratado como doido.
Cinco anos depois, Adolf Hitler tornava-se chanceler alemão, com a legenda mais votada do país.
O que ocorreu? Entre 1928 e 1933 ocorreu a crise de 29 em Nova York. O desemprego explodiu nos EUA e também na Euopa, onde milhões de cidadãos foram jogados na rua. O Estado faliu, o serviço público quebrou, não havia porta de saída para ninguém. Os governos não conseguiam governar, a democracia tornara-se um regime desfuncional, a economia estava no abismo. Hitler venceu a eleição com a promessa de reconstruir a grandeza alemã — já arruinada pela derrota na Primeira Guerra Mundial — e eliminar os judeus.
Na primeira parte do século passado, o fascismo alimentava-se de uma doutrina racial. Os judeus deveriam ser excluídos da vida alemã, dizia a cartilha de Adolf Hitler, porque representavam a versão mais degenerada, inferior e prejudicial da raça humana.
Nos dias de hoje, embora conserve muitos elementos de preconceito racista, o fascismo se alimenta de uma visão de hegemonia cultural. Isso se explica porque o conhecimento do Holocausto e seus horrores transformou o racismo numa opção inaceitável à consciencia de nossa época.
Nas sociedades europeias atuais, os estrangeiros são apresentados como uma força que ameaça os valores e fundamentos daquilo que se convenciou chamar de civilização ocidental e cristã.
Há 30 anos, na França, discutia-se o fantasma da demografia. A partir de estatísticas sobre os indices de natalidade das famílias estrangeiras, dizia-se que com a reprodução de seus filhos e netos os imigrantes acabariam se tornando a maioria da população do país da Torre Eiffell e dos castelos do Loire — e que isso era um risco e um perigo a brancos e cristãos. Hoje, proibe-se a burca. O argumento é que se quer proteger o caráter laico do Estado.
Na verdade, o que se quer é discriminar determinados cidadãos e determinada cultura.
Não vamos exagerar no culturalismo também. A manutenção de uma população com menos direitos permite que seja explorada com mais facilidade, com menos exigencias e beneficios.
Atos criminosos como o massacre de Oslo são estimulados por uma postura que tolera a violencia e estimula uma visão de hegemonia cultural, que prega que determinados valores são intrinsecamente superiores a outros — e precisam ser protegidos, mesmo que seja pela força.
A experiencia ensina que o fascismo está sempre à espreita mas não é um fenomeno do espírito. Alimenta-se do desespero, da ignorancia e, em especial, do empobrecimento. Este é o risco na Europa, hoje.
Fonte: Rev. ÉPOCA
Fonte: Rev. ÉPOCA
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