Conheça as histórias de dois religiosos que o Vaticano desistiu de canonizar por causa de suas biografias
Rodrigo CardosoMADRE ÁGREDA
Em seu livro, ela ousou mudar a cartilha da Igreja e foi punida
Padre da diocese de Soissons, na França, João Leão Dehon (1843-1925) ficou famoso por fundar a Congregação Sagrado Coração de Jesus e imprimir um viés sociopolítico à sua atuação religiosa. Não demorou para que, após a sua morte, a comunidade francesa abrisse um processo de canonização em nome do religioso. Mas, pouco antes da data marcada para a cerimônia de beatificação, um passo antes da santificação, o Vaticano surpreendeu ao interromper os trâmites. Motivo: Dehon foi acusado de antissemita. “Não existe santo perfeito”, afirma o sacerdote e pesquisador de comunicação religiosa José Fernandes de Oliveira no livro “João Leão Dehon – o Profeta do Verbo Ir” (Paulinas Editora), que chega às bancas na próxima semana.
A perfeição não é um dos pré-requisitos para a conquista da santidade, mas alguns desvios de currículo são fatais para impedir a ascensão aos altares – e a intolerância aos judeus no século XX, definitivamente, é um deles. Por isso a suspensão da beatificação de Dehon. Em contrapartida, frear uma canonização é um ato raríssimo de acontecer, pois o Vaticano breca o processo antes mesmo que ele comece, ao menor sinal de problemas com o postulante. Mesmo assim, há outros candidatos a santo vagando no mesmo limbo onde se encontra Dehon. Como a freira concepcionista espanhola Maria de Jesus de Ágreda (1602-1665), que assumiu ter o dom da bilocação (estar em dois lugares ao mesmo tempo). Em 1635, a Santa Inquisição abriu uma investigação contra a religiosa, que confirmou ter se deslocado 500 vezes entre a Espanha e o Novo México para evangelizar tribos de índios, sem nunca ter saído de seu mosteiro. Amiga e conselheira do rei Felipe IV, Ágreda foi absolvida. Foi, porém, um de seus livros, “Mística Cidade de Deus”, em que a religiosa relata a vida de Nossa Senhora, que gerou um conflito em torno de sua trajetória à beatificação. Em uma das passagens, é atribuído a Nossa Senhora – e não a Pedro – o governo da Igreja.
A leitura da obra foi proibida pela Inquisição em agosto de 1681. O decreto foi abolido pelo papa Inocêncio XI três meses depois. O incidente, porém, tornou a sua causa apostólica um vespeiro. Dois papas – Clemente XIV e Pio XII – chegaram a assinar um documento promulgando o “decreto de perpétuo silêncio” sobre a causa da concepcionista. Nenhuma mulher recebeu tratamento tão duro em sua caminhada rumo à santidade. Atualmente, o corpo da religiosa está exposto no Convento de Ágreda, na Espanha. Está intacto, o que evidencia um sinal de santidade. Mas ninguém se arrisca a reabilitar a sua causa. “Com a beatificação da freira e vidente alemã Anna Catarina Emmerich e a canonização da mística polaca Fautina (Kowalska), feitas por João Paulo II, religiosos se movimentaram para pedir uma revisão das obras de Maria de Ágreda”, diz o cônego Celso Pedro da Silva, especialista em Sagrada Escritura.
A perfeição não é um dos pré-requisitos para a conquista da santidade, mas alguns desvios de currículo são fatais para impedir a ascensão aos altares – e a intolerância aos judeus no século XX, definitivamente, é um deles. Por isso a suspensão da beatificação de Dehon. Em contrapartida, frear uma canonização é um ato raríssimo de acontecer, pois o Vaticano breca o processo antes mesmo que ele comece, ao menor sinal de problemas com o postulante. Mesmo assim, há outros candidatos a santo vagando no mesmo limbo onde se encontra Dehon. Como a freira concepcionista espanhola Maria de Jesus de Ágreda (1602-1665), que assumiu ter o dom da bilocação (estar em dois lugares ao mesmo tempo). Em 1635, a Santa Inquisição abriu uma investigação contra a religiosa, que confirmou ter se deslocado 500 vezes entre a Espanha e o Novo México para evangelizar tribos de índios, sem nunca ter saído de seu mosteiro. Amiga e conselheira do rei Felipe IV, Ágreda foi absolvida. Foi, porém, um de seus livros, “Mística Cidade de Deus”, em que a religiosa relata a vida de Nossa Senhora, que gerou um conflito em torno de sua trajetória à beatificação. Em uma das passagens, é atribuído a Nossa Senhora – e não a Pedro – o governo da Igreja.
A leitura da obra foi proibida pela Inquisição em agosto de 1681. O decreto foi abolido pelo papa Inocêncio XI três meses depois. O incidente, porém, tornou a sua causa apostólica um vespeiro. Dois papas – Clemente XIV e Pio XII – chegaram a assinar um documento promulgando o “decreto de perpétuo silêncio” sobre a causa da concepcionista. Nenhuma mulher recebeu tratamento tão duro em sua caminhada rumo à santidade. Atualmente, o corpo da religiosa está exposto no Convento de Ágreda, na Espanha. Está intacto, o que evidencia um sinal de santidade. Mas ninguém se arrisca a reabilitar a sua causa. “Com a beatificação da freira e vidente alemã Anna Catarina Emmerich e a canonização da mística polaca Fautina (Kowalska), feitas por João Paulo II, religiosos se movimentaram para pedir uma revisão das obras de Maria de Ágreda”, diz o cônego Celso Pedro da Silva, especialista em Sagrada Escritura.
PADRE DEHON
Acusado de antissemita, sua beatificação foi suspensa meses antes da cerimônia
Os dehonianos também aguardam uma reviravolta na causa do padre francês tachado de antissemita. A prudência em torno do caso Dehon falou mais alto em Roma porque bispos da França relataram a Bento XVI que o diálogo entre os sacerdotes e a comunidade judaica, naquele país, estava prejudicado com a iminência da beatificação do fundador da Congregação. “A doutrina da Igreja, hoje, manda citar os fatos e poupar as pessoas”, diz o padre Oliveira. Mas, em fevereiro de 1897, ao levantar a voz contra os capitalistas da França, o anarquismo de Pierre Proudhon e o socialismo de Karl Marx em uma conferência que tratava sobre o judaísmo, o capitalismo e a usura, Dehon bateu forte nos judeus e nas relações deles com a economia. “A usura voraz, os abusos da indústria, a facção que domina todas as fontes de riqueza: estas são as grandes obras dos judeus modernos”, disse ele. Generalizou e, 108 anos depois, pagou o preço da ousadia. O francês, porém, não pode ser acusado de orquestrar o ódio antissemita. Sociólogo, filósofo, teólogo e advogado, ele pensava a Igreja sob a ótica do engajamento sociopolítico. E o fazia em uma época em que, para muitos católicos, justiça social era engordar a esmola aos necessitados. Na fatídica conferência, Dehon desfilou uma série de gestos de bondade e respeito em relação aos judeus, reforçando o quanto eles foram injustiçados. Não propunha que nenhum povo fosse lançado à câmara de gás. Enfrentava grupos econômicos que manipulavam o dinheiro em uma Europa que se industrializava, massacrava gente humilde e se desumanizava. E entre eles estavam os judeus. Dehon ainda permanece no estágio de venerável, assim como a madre espanhola Ágreda. Para seus milhares de fiéis, eles já alçaram a santidade.
Fonte: ISTO É INDEPENDENTE
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