A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria, manteve a indenização por danos materiais e morais concedida a um casal de Minas Gerais e sua filha, que sofreu graves sequelas em decorrência da falta de prestação de socorro após o parto. Os ministros entenderam que os valores não são exagerados e que a realização de nova análise dos fatos, para eventualmente se negar a indenização, esbarraria na Súmula 7/STJ, que impede o reexame de provas em recurso especial.
Na ação de indenização ajuizada em causa própria e em nome da filha, os pais alegaram que não havia pediatra na sala de cirurgia, tendo o obstetra atendido à recém-nascida e procedido à avaliação de Apgar. Além disso, segundo eles, a maternidade estava superlotada, o que fez com que a mãe tivesse de aguardar a desocupação de uma unidade e, após o parto, atrasou o atendimento da criança no Centro de Tratamento Intensivo (CTI).
O teste de Apgar avalia frequência cardíaca, respiração, tônus muscular, reflexos e cor da pele do bebê. Ele é realizado um minuto após o nascimento e reaplicado cinco minutos depois. Cada item vale de zero a dois pontos. Na repetição do teste, o bebê que atingir pelo menos sete pontos é considerado em boas condições de saúde.
No caso, o obstetra atribuiu nota de Apgar 7-8, que foi reputada como errada cerca de 20 minutos depois pelo pediatra. A criança havia nascido com o cordão umbilical enrolado duas vezes no pescoço e, segundo laudo pericial, a negligência da maternidade ao não disponibilizar pediatra e demorar a atender à recém-nascida no CTI acarretou progressivo agravamento do quadro neurológico da menina.
A perícia oficial classificou a criança como “inválida”, em razão de “retardo do crescimento, atrofia muscular, debilidade e provável alienação mental (não se comunica)”. A conclusão da perícia foi de que a menina apresenta “acometimentos típicos de paralisia cerebral em grau severo”, o que a torna totalmente dependente de terceiros.
O juiz de primeiro grau considerou que a nota concedida pelo obstetra indica que o bebê nasceu em perfeitas condições de saúde e tal avaliação prevalece, já que o pediatra não a impugnou no momento oportuno. O obstetra afirmou, em depoimento, que não foi detectado nenhum problema neurológico na criança e que a gravidez transcorreu normalmente.
A maternidade foi condenada a pagar à mãe indenização mensal de um salário mínimo, por conta dos cuidados que terá que dedicar à filha, além de pagar à menina pensão mensal no mesmo valor, a partir da data em que ela completar 14 anos de idade. A ré foi sentenciada também ao pagamento das despesas médicas e hospitalares, bem como à indenização no valor de R$ 100 mil a título de danos morais.
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) deu parcial provimento à apelação da maternidade e reduziu a reparação por danos morais para R$ 76 mil. A ré, então, interpôs recurso especial no STJ, considerando que o valor da indenização ainda assim seria muito alto e alegando que a responsabilidade dos hospitais por erro médico é subjetiva (exige comprovação de culpa).
Argumentou que o TJMG ignorou a confissão da mãe quanto ao fato de haver retomado suas atividades estudantis e estágio remunerado, o que tornaria sua pensão questionável, e ainda violou o artigo 335 do Código de Processo Civil, ao não aplicar as regras de experiência para considerar que o atendimento por médicos de outras qualificações é prática comum nos hospitais, sem que isso traga complicações ao recém-nascido.
Falha no atendimento
O ministro Luis Felipe Salomão, cuja posição foi seguida pela maioria dos membros da Quarta Turma, afirmou que a responsabilidade médica e hospitalar de natureza contratual é fundada, geralmente, em obrigação de meio, ou seja, o médico assume a obrigação de prestar os seus serviços de modo a proporcionar ao paciente todos os cuidados e conselhos tendentes à recuperação de sua saúde.
A cura dos males físicos (obrigação de resultado), no entanto, não pode ser assegurada, devido à limitação da condição humana do profissional. “O insucesso do tratamento – clínico ou cirúrgico – não importa automaticamente o inadimplemento contratual, cabendo ao paciente comprovar a negligência, imprudência ou imperícia do médico”, observou o ministro.
Assim, concluiu que a responsabilidade pessoal do médico, embora contratual, não prescinde da comprovação da culpa, sendo, portanto, de natureza subjetiva. Já o estabelecimento hospitalar é fornecedor de serviços e, como tal, responde objetivamente pelos danos causados aos pacientes, desde que o seu fato gerador seja o serviço mal prestado.
O ministro Salomão analisou que a imputação de responsabilidade à maternidade tem dupla origem: a ausência de médico especializado na sala de parto e a falha no atendimento hospitalar – a espera da gestante pelo atendimento e a falta de vaga no CTI. Com base nos fatos reconhecidos como verdadeiros pela sentença e pelo acórdão do tribunal mineiro, o relator verificou que foi demonstrada a culpa do profissional pertencente ao quadro clínico do hospital, evidenciando-se o dever de indenizar da maternidade, por ato de terceiro.
“Ainda que assim não fosse, há fundamento adicional à responsabilidade da maternidade, qual seja, a deficiência na estrutura material utilizada para o procedimento médico-cirúrgico, consubstanciada na falta de vaga no CTI, impelindo a uma espera de mais de uma hora para que a recém-nata pudesse ser socorrida a contento”, completou Luis Felipe Salomão.
Quanto ao laudo pericial, o relator original do recurso, ministro João Otávio de Noronha, havia considerado que a médica nomeada perita judicial não estaria apta a realizar a perícia, pois não consta dos autos menção de que ela fosse especialista em neurologia e neonatologia.
Ao divergir, o ministro Salomão entendeu que “não foi demonstrado que a perita não tivesse capacidade para desincumbir-se desse mister” e ressaltou que a ausência de impugnação da nomeação da médica como perita judicial no momento oportuno faz incidir a preclusão, nos termos do artigo 245 do Código de Processo Civil.
Luis Felipe Salomão afastou a solicitação de aplicação das regras de experiência para considerar que o atendimento por médicos de outras qualificações é prática comum nos hospitais, sem que isso traga complicações para o recém-nascido, pois avaliou que isso infringe a Portaria n. 96/1994 do Ministério da Saúde, que prevê a permanência de médico pediatra na sala de parto.
No tocante à confissão da mãe quanto ao retorno às atividades estudantis e estágio remunerado, o ministro destacou que o fato “não implica, automaticamente, por óbvio, que obterá emprego tão logo conclua o curso universitário”. Acrescentou que a invalidez da filha é irreversível e os cuidados maternos serão sempre imprescindíveis, o que talvez a impossibilite de trabalhar em jornada de oito horas diárias.
Fonte: Portal STJ
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