Título original: O Terrorista da Noruega
por João Pereira Coutinho para Folha
Há algo de podre no reino da Noruega. Ou não há? Lendo os jornais, acreditamos que não. Tudo é silêncio. Nenhum sermão sobre esse tipo de massacre.
Estranho: quando um louco entra numa escola americana e abre fogo sobre os estudantes, a mídia é inundada por sábios, dispostos a explicar tudo, exceto o óbvio.
A culpa é da América. A culpa é de uma história nacional de violência que sempre promoveu a violência. A culpa é das armas, vendidas em todo o lado, sem restrições. A culpa é dos filmes. Da televisão. Da MTV. Do sr. Marilyn Manson. Do Mickey Mouse. A culpa é de todo mundo, exceto de quem premiu o gatilho.
Esse raciocínio não se aplica apenas às matanças americanas. Aplica-se também ao terrorista clássico, leia-se islamita, que o 11 de Setembro catapultou para as primeiras páginas. Uma bomba em Londres, Madri ou Tel Aviv?
A culpa não é dos terroristas. A culpa, deliciosa ironia, é novamente da América. Ou do seu irmão mais novo, Israel, que "roubou" a terra dos palestinos. A culpa é da pobreza. A culpa é da fome. A culpa é do colonialismo. A culpa é nossa, nunca dos outros.
Nada disso existe nas reações conhecidas ao massacre da Noruega. Os sábios ficaram sem roteiro e olham, pasmados, para os números: das vítimas e, já agora, da excelência do país.
Anthony Browne, no "Sunday Telegraph", recordava alguma dessa excelência. Segundo as Nações Unidas, a Noruega está no top dos países com melhor qualidade de vida. É presença permanente nas missões de paz em zonas de conflito. É o maior doador de ajuda externa per capita do mundo.
Também não existe nenhuma sombra colonial, ou imperial, a pairar sobre os noruegueses. Em matéria econômica, a Noruega conjuga o supremo sonho dos progressistas: igualdade social com crescimento econômico. E sobre as armas, sim, elas existem num país de caçadores; mas a legislação sobre a compra e o porte de armas é das mais rigorosas da Europa. O que resta, depois de tudo isso?
Restam três palavras: Anders Behring Breivik. Ou, como o próprio assinou no seu manifesto de 1.500 páginas, Andrew Berwick. Não é preciso procurar as causas imaginárias quando é o próprio a explicar o seu pensamento. E o seu pensamento, já traduzido pela revista "Foreign Policy", é indistinguível do pensamento radical jihadista que nos assalta sazonalmente.
Encontramos o mesmo desprezo pela democracia liberal e pelas sociedades pluralistas do Ocidente. A mesma náusea pela "cultura de tolerância" e pelo reles materialismo dos ocidentais. O mesmo toque de misoginia e puritanismo em relação ao "sexo frágil" -as páginas sobre os hábitos sexuais "devassos" da mãe e da irmã arrepiam qualquer um.
E, surpresa das surpresas, uma admiração assaz heterodoxa pela Al Qaeda e pelo seu defunto líder, Osama bin Laden. Bizarro? Nem por isso. Breivik despreza a "islamização" da Europa e deseja travá-la pela força das armas. Mas, nessa fobia demente, existem palavras de admiração sobre a disciplina, a tenacidade e até o manual de treino da turma de Bin Laden. Aliás, os objetivos de ambos são similares: reconquistar a Europa para uma fé perdida. No caso de Bin Laden, reconquistar a Europa para o profeta.
Para Breivik, reconquistá-la para a cristandade. "Tal como os guerreiros jihadistas são as ameixoeiras da Ummah [o mundo islâmico]", escreve Breivik no manifesto, "nós seremos as ameixoeiras da Europa e do cristianismo." Quem disse que os inimigos não nutriam admiração mútua? Hitler era um admirador sincero da violência e da implacabilidade de Stálin. Regresso ao início: não vale a pena tanto silêncio perante o massacre da Noruega.
No seu inefável horror, ele ensina como as ideias erradas, na cabeça errada, continuam a ser o verdadeiro motor da história. E o fato de nós, ocidentais, vivermos num estágio pós-ideológico onde nada é importante porque nada tem importância não significa necessariamente que os outros nos acompanham nessa doce viagem relativista.
Como o próprio Breivik confessou pela internet, "uma pessoa com convicção tem a força equivalente a 100 mil que tenham interesses apenas".
No melhor e no pior, a história da humanidade é a confirmação desse pensamento.
Há algo de podre no reino da Noruega. Ou não há? Lendo os jornais, acreditamos que não. Tudo é silêncio. Nenhum sermão sobre esse tipo de massacre.
Estranho: quando um louco entra numa escola americana e abre fogo sobre os estudantes, a mídia é inundada por sábios, dispostos a explicar tudo, exceto o óbvio.
A culpa é da América. A culpa é de uma história nacional de violência que sempre promoveu a violência. A culpa é das armas, vendidas em todo o lado, sem restrições. A culpa é dos filmes. Da televisão. Da MTV. Do sr. Marilyn Manson. Do Mickey Mouse. A culpa é de todo mundo, exceto de quem premiu o gatilho.
Esse raciocínio não se aplica apenas às matanças americanas. Aplica-se também ao terrorista clássico, leia-se islamita, que o 11 de Setembro catapultou para as primeiras páginas. Uma bomba em Londres, Madri ou Tel Aviv?
A culpa não é dos terroristas. A culpa, deliciosa ironia, é novamente da América. Ou do seu irmão mais novo, Israel, que "roubou" a terra dos palestinos. A culpa é da pobreza. A culpa é da fome. A culpa é do colonialismo. A culpa é nossa, nunca dos outros.
Nada disso existe nas reações conhecidas ao massacre da Noruega. Os sábios ficaram sem roteiro e olham, pasmados, para os números: das vítimas e, já agora, da excelência do país.
Anthony Browne, no "Sunday Telegraph", recordava alguma dessa excelência. Segundo as Nações Unidas, a Noruega está no top dos países com melhor qualidade de vida. É presença permanente nas missões de paz em zonas de conflito. É o maior doador de ajuda externa per capita do mundo.
Também não existe nenhuma sombra colonial, ou imperial, a pairar sobre os noruegueses. Em matéria econômica, a Noruega conjuga o supremo sonho dos progressistas: igualdade social com crescimento econômico. E sobre as armas, sim, elas existem num país de caçadores; mas a legislação sobre a compra e o porte de armas é das mais rigorosas da Europa. O que resta, depois de tudo isso?
Restam três palavras: Anders Behring Breivik. Ou, como o próprio assinou no seu manifesto de 1.500 páginas, Andrew Berwick. Não é preciso procurar as causas imaginárias quando é o próprio a explicar o seu pensamento. E o seu pensamento, já traduzido pela revista "Foreign Policy", é indistinguível do pensamento radical jihadista que nos assalta sazonalmente.
Encontramos o mesmo desprezo pela democracia liberal e pelas sociedades pluralistas do Ocidente. A mesma náusea pela "cultura de tolerância" e pelo reles materialismo dos ocidentais. O mesmo toque de misoginia e puritanismo em relação ao "sexo frágil" -as páginas sobre os hábitos sexuais "devassos" da mãe e da irmã arrepiam qualquer um.
E, surpresa das surpresas, uma admiração assaz heterodoxa pela Al Qaeda e pelo seu defunto líder, Osama bin Laden. Bizarro? Nem por isso. Breivik despreza a "islamização" da Europa e deseja travá-la pela força das armas. Mas, nessa fobia demente, existem palavras de admiração sobre a disciplina, a tenacidade e até o manual de treino da turma de Bin Laden. Aliás, os objetivos de ambos são similares: reconquistar a Europa para uma fé perdida. No caso de Bin Laden, reconquistar a Europa para o profeta.
Para Breivik, reconquistá-la para a cristandade. "Tal como os guerreiros jihadistas são as ameixoeiras da Ummah [o mundo islâmico]", escreve Breivik no manifesto, "nós seremos as ameixoeiras da Europa e do cristianismo." Quem disse que os inimigos não nutriam admiração mútua? Hitler era um admirador sincero da violência e da implacabilidade de Stálin. Regresso ao início: não vale a pena tanto silêncio perante o massacre da Noruega.
No seu inefável horror, ele ensina como as ideias erradas, na cabeça errada, continuam a ser o verdadeiro motor da história. E o fato de nós, ocidentais, vivermos num estágio pós-ideológico onde nada é importante porque nada tem importância não significa necessariamente que os outros nos acompanham nessa doce viagem relativista.
Como o próprio Breivik confessou pela internet, "uma pessoa com convicção tem a força equivalente a 100 mil que tenham interesses apenas".
No melhor e no pior, a história da humanidade é a confirmação desse pensamento.
Fonte: PAULOPES WEBLOG
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