Perfil

Advogado - Nascido em 1949, na Ilha de SC/BR - Ateu - Adepto do Humanismo e da Ecologia - Residente em Ratones - Florianópolis/SC/BR

Mensagem aos leitores

Benvindo ao universo dos leitores do Izidoro.
Você está convidado a tecer comentários sobre as matérias postadas, os quais serão publicados automaticamente e mantidos neste blog, mesmo que contenham opinião contrária à emitida pelo mantenedor, salvo opiniões extremamente ofensivas, que serão expurgadas, ao critério exclusivo do blogueiro.
Não serão aceitas mensagens destinadas a propaganda comercial ou de serviços, sem que previamente consultado o responsável pelo blog.



quinta-feira, 21 de julho de 2011

TJ/SC DECIDIU SOBRE "LIBERDADE DE CRENÇA"


Processo:Agravo de Instrumento nº 2011.001896-0
Relator:Carlos Adilson Silva
Data:20/07/2011

AGRAVO POR INSTRUMENTO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ENSINO SUPERIOR. LIBERDADE DE CRENÇA RELIGIOSA. PEDIDO DE LIMINAR VISANDO POSSIBILITAR A REALIZAÇÃO DE PROVAS E TAREFAS ALTERNATIVAS DE DISCIPLINA DO CURSO DE ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS, MINISTRADO ÀS SEXTAS-FEIRAS, NO PERÍODO NOTURNO, EM OUTROS DIAS, À EXCEÇÃO DE SÁBADO. AGRAVANTE MEMBRO DA IGREJA ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA. DOUTRINA RELIGIOSA QUE OBSERVA A GUARDA SABÁTICA. RESPEITO AO "SÁBADO NATURAL". APLICABILIDADE DO ART. 2º, DA LEI ESTADUAL N. 11.225/99, A QUAL PREVÊ O ABONO DE FALTAS E A REALIZAÇÃO DE PROVAS E ATIVIDADES ALTERNATIVAS, COM O FITO DE RESPEITAR SUAS ATIVIDADES RELIGIOSAS. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA REFORMADA. RECURSO PROVIDO.
No presente caso, a agravante comprovou ser membro em exercício da Igreja Adventista do Sétimo Dia, religião que observa o "sábado natural", o qual consiste na guarda sabática e impõe aos fiéis que se abstenham de atividades no período compreendido entre o pôr-do-sol de sexta-feira ao pôr-do-sol de sábado.
Demais disso, prevê a Lei Estadual n. 11.225/99, aplicável à hipótese vertente que, comprovado tratar-se o aluno de membro da Igreja Adventista do Sétimo Dia, os estabelecimentos de ensino devem abonar as faltas dos acadêmicos que, por crença religiosa, não possam frequentar as aulas ministradas no período compreendido entre as 18 (dezoito) horas de sexta-feira e as 18 (dezoito) horas de sábado, sendo-lhes facultado, de outro lado, o direito de realizar tarefas alternativas parar suprir as faltas abonadas.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento n. 2011.001896-0, da comarca de São José (Vara da Fazenda Pública), em que é agravante Tássia Liane de Almeida, e agravados Reitor do Centro Universitário Municipal de São José e outro:

ACORDAM, em Terceira Câmara de Direito Público, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, confirmando em definitivo a decisão de fls. 175/177. Custas de lei.

RELATÓRIO

Cuida-se de agravo por instrumento interposto em ação de mandado de segurança (autos n. 064.10.029601-0), impetrado por Tássia Liana de Almeida em face de decisão prolatada pelo juízo da Vara da Fazenda da comarca de São José/SC, o qual indeferiu pedido liminar, objetivando a possibilidade de realização de prova do curso de Administração, em período não compreendido entre o pôr-do-sol da sexta-feira e o crepúsculo de sábado.

Em suma, aduziu a agravante cursar a 5ª fase do curso de Administração no Centro Universitário de São José - USJ, no período noturno, porquanto exerce atividade laborativa durante o dia. Afirmou, outrossim, ser membro da Igreja Adventista do Sétimo Dia, religião que prevê em sua doutrina a "guarda do sábado", impondo aos seus fiéis que se abstenham de atividades no período compreendido entre o pôr-do-sol de sexta-feira e o pôr-do-sol de sábado.

Sustentou que, nas sextas-feiras à noite, a grade curricular do estabelecimento de ensino designou a disciplina "Comunicação Empresarial", a qual a agravante não pode participar ou realizar provas, haja vista que sua religião considera tal data, como dia de repouso.

Afirmou, ademais, que apesar de ter requerido à reitoria da Universidade que fossem abonadas suas faltas nas aulas ministradas no período noturno de sexta-feira, bem como lhe fosse concedida uma prestação alternativa para que pudesse cumprir com o seu dever, teve seu pedido negado, motivo pelo qual interpôs o presente recurso pugnando pela antecipação da tutela recursal e, ao final, o seu provimento, com a reforma da decisão guerreada em definitivo (fls. 02/36).

Pelas razões fundamentadas às fls. 175/177 o e. Des. Carlos Alberto Civinski recebeu o agravo na forma instrumental e deferiu a almejada tutela antecipada, determinando o abono de eventuais faltas da agravante relativas às aulas ministradas no período compreendido entre as 18 (dezoito) horas de sexta-feira e as 18 (dezoito) horas de sábado, bem como estabelecendo a possibilidade de realização, em horário alternativo, de eventuais provas e exames, a fim, de que, caso aprovada, a apelante possa efetuar matrícula. Na oportunidade determinou a intimação dos agravados para manifestação, e subsequente vistas à Procuradoria-Geral de Justiça e, em seguida, a redistribuição do feito.

Intimados, os agravados deixaram de apresentar as contrarrazões recursais, consoante certificado à fl. 186.

Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Plínio César Moreira, no sentido de conhecer do recurso e dar-lhe provimento (fls. 189/191).

Ato contínuo, os autos foram redistribuídos a este Relator, designado para atuar como substituto na Terceira Câmara de Direito Público do egrégio Sodalício Estadual.

É o relatório.

VOTO

Trata-se de agravo por instrumento interposto por Tássia Liane de Almeida contra decisão interlocutória em que o togado a quo indeferiu pedido liminar, objetivando a possibilidade de realização de prova do curso de Administração, em período não compreendido entre o pôr-do-sol da sexta-feira e o crepúsculo de sábado, uma vez que se trata de membro da Igreja Adventista do Sétimo Dia, religião que prevê em sua doutrina a "guarda do sábado", impondo aos seus fiéis que se abstenham de atividades no período supracitado.

Defendeu a agravante, em apertada síntese, o prejuízo irreversível a ser causado, caso não possa realizar a matrícula para o próximo semestre letivo, interrompendo, assim, o desenvolvimento de suas atividades acadêmicas.

Compulsando os autos, a partir dos fundamentos evocados e do quadro probatório constante nos autos, indubitavelmente a decisão singular merece reparos, pois subsiste amparo à pretensão, ao menos em sede de cognição sumária, ante a existência de verossimilhança das alegações.

O cerne do presente lítigio versa acerca da existência ou não do direito, por motivo de crença religiosa, de a apelante justificar suas ausências nas aulas ministradas nas sextas-feiras (período noturno) e conseqüentes provas e exames, referentes à disciplina Comunicação Empresarial, do Curso de Administração da Fundação Educacional de São José, no semestre letivo 2010.2.

Depreende-se da prova documental encartada aos fólios, que a disciplina "Comunicação Empresarial ADM" fora ofertada, no semestre 2010.2, com aulas ministradas nas sexta-feiras, no horário das 18:30 às 22:00 horas (fls. 82).

Verifica-se, ainda, que a agravante comprovou ser membro em exercício da Igreja Adventista do Sétimo Dia (fls. 84), religião que observa o "sábado natural", o qual consiste na guarda sabática e impõe aos fiéis que se abstenham de atividades no período compreendido entre o pôr-do-sol de sexta-feira ao pôr-do-sol de sábado.

É consabido que a Constituição Federal, através do seu art. 5º, incisos VI a VIII, assegurou a todo s os cidadãos, como direito fundamental, a

denominada "escusa de consciência", que consiste na liberdade de crença religiosa ou convicção filosófica ou política, in verbis:

"Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

"[...]


"VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e de suas liturgias;

"VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva;

"VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei."


Por sua vez, o Estado de Santa Catarina editou a Lei n. 11.225, de 20 de novembro de 1999, o qual assegura o direitos dos membros da religião em questão não serem prejudicados em estabelecimentos de ensino, em razão do seu dia de repouso:

"Art. 2º Os estabelecimentos de ensino da Rede Pública e Particular do Estado de Santa Catarina, ficam obrigados a abonar as faltas de alunos que, por crença religiosa, estejam impedidos de freqüentar as aulas ministradas às sextas-feiras, após às dezoito horas e aos sábados até às dezoito horas.

"§1º Para beneficiar-se do disposto neste artigo, o aluno apresentará ao estabelecimento de ensino declaração de congregação religiosa a que pertence, com firma reconhecida, atestando sua condição de membro da Igreja.

"2º Na hipótese prevista neste artigo, o estabelecimento exigirá do aluno a realização de tarefas alternativas que supram as faltas abonadas."

Prevê a legislação estadual que, os estabelecimentos de ensino abonem as faltas dos acadêmicos que, por crença religiosa, não possam frequentar as aulas ministradas no período compreendido entre as 18 horas de sexta-feira e as 18 horas de sábado, sendo-lhes facultado o direito de realizar tarefas alternativas parar suprir as faltas abonadas, dês que devidamente comprovado tratar-se o aluno de membro de congregação religiosa que observa tais rituais.

No caso sob análise, a agravante, membro da Igreja Adventista do Sétimo Dia, postula tão somente a justificação das faltas ocorridas nas aulas ministradas nas sextas-feiras, bem como a possibilidade de realizar provas em outro horário, em razão de sua crença religiosa recomendar dedicação exclusiva às atividades religiosas no horário em questão.

Ressalte-se que a apelante não invoca sua religião para eximir-se de obrigação legal a todos imposta. Ao contrário, somente postula o direito de cumprir prestação alternativa - atividades acadêmicas em outro horário - com o fito de ser aprovada na disciplina e não perder a matrícula do ano letivo seguinte, o que lhe fora obstado pelo togado de primeiro grau.

Aliás, nesse ínterim, vêm entendendo os Tribunais Pátrios, senão vejamos:

"LIBERDADE DE CRENÇA RELIGIOSA - Agravo em face de decisão liminar para garantir a reposição de aulas noutro dia que não aos sábados - Professor é Adventista do 7º dia - Constituição Federal, artigo 5o, inciso VI - Medida liminar mantida - Recurso improvido." (TJSP, Apelação Cível n° 990.10.006839-3, de Araraquara, Rel. Des. Antonio Carlos Malheiros, j. em 26/10/2010)

"REEXAME NECESSÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ENSINO. PEDIDO ADMINISTRATIVO PARA FREQUENTAR DISCIPLINAS EM HORÁRIO DIVERSO PRÁTICAS DE ATIVIDADES RELIGIOSAS NA IGREJA ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA LIBERDADE DE CRENÇA RELIGIOSA. POSSIBILIDADE EM OBTER ABONO DE FALTAS OU FORMA ALTERNATIVA DE ACESSO AOS CONTEÚDOS E AVALIAÇÕES. CONFIRMAÇÃO DA SENTENÇA DE PRIMEIRO GRAU EM SEDE DE REEXAME NECESSÁRIO.

"A pretensão do impetrante encontra respaldo nos incisos VI e VII do artigo 5º da Constituição Federal, que preserva e assegura o direito fundamental à liberdade de culto."(TJPR, Reexame Necessário n. 0479691-6, de Londrina, Sexta Câmara Cível, Rel. Des. Renato Braga Bettega; DJPR 24/10/2008; Pág. 70).

"ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. DIREITO DE PRESTAR PROVA EM HORÁRIO DIVERSO DO DETERMINADO. CRENÇA RELIGIOSA. POSSIBILIDADE.

"- A liberdade de culto, assegurada pela Constituição Federal, deve, sempre que possível, ser respeitada pelo Poder Público na prática de seus atos. Ela compreende, além da garantia de exteriorização da crença, a garantia de fidelidade aos hábitos e cultos, como no caso concreto, em que o sábado é considerado dia de guarda para a religião dos impetrantes." (TRF4, REO 15222, Rel. Juiz Luiz Carlos de Castro Lugon,, Terceira Turma, DJU 11/08/2004, p. 419).

Desta feita, há garantia fundamental (Art. 5º, inc. VI a VIII, da CF) assegurando constitucionalmente a liberdade de crença religiosa, bem assim, existe Lei Estadual específica (Lei n. 11.225/99) estabelecendo tratamento diferenciado aos alunos fiéis à religião Adventista no Estado de Santa Catarina.

Melhor dizendo, tais dispositivos legitimam a todos os estudantes de Santa Catarina, o dever de freqüentar as aulas regularmente e obter média suficiente nas provas realizadas para a devida aprovação, independentemente de qualquer convicção religiosa, até porque, como cediço, nosso Estado é laico.

Assim, devem os agravados abonar eventuais faltas da apelante no curso, no que toca às aulas ministradas no período compreendido entre as 18 horas de sexta-feira e as 18 horas de sábado, oportunizando a realização, em horário alternativos, de atividades e provas que lhe possibilitem obter média suficiente para a devida aprovação e, a fim de que, caso aprovada, a apelante possa efetuar matrícula para o semestre seguinte.

Diante do exposto, voto por conhecer do recurso e dar-lhe provimento, confirmando em definitivo o despacho de fls. 175/177.

DECISÃO

Nos termos do voto do Relator, decidiu a Terceira Câmara de Direito Público, à unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento.

O julgamento, realizado no dia 28 de junho de 2011, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Luiz Cézar Medeiros, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Pedro Manoel Abreu.

Florianópolis, 28 de junho de 2011

Carlos Adilson Silva

Relator

Nenhum comentário: