As
circunstâncias políticas levaram o governador Teotônio Vilela Filho a
inscrever-se no PSDB – assim como muitos outros de seus companheiros de
geração. Quando o fizeram, o partido surgia como uma grande esperança de
centro-esquerda, animada, ainda, de proclamada intenção de saneamento
dos costumes políticos. Provavelmente, se seu pai não tivesse morrido
antes, ele, durante o governo do Sr. Fernando Henrique Cardoso, teria
mudado de legenda. O intrépido e arroubado patriota que foi Teotônio
Vilela pai teria identificado, nos paulistas que, desde então, controlam
o partido, os entreguistas que, na herança de Collor, desmantelaram o
Estado e venderam, a preços simbólicos, os bens nacionais estratégicos
aos empresários privados, muitos deles estrangeiros, e teria aconselhado
o filho a deixar aquele grupo.
O PSDB – e, com muito mais inquietação, a ala paulista do
partido - se assusta com a hipótese de que a abertura do contencioso das
privatizações, a partir das revelações do livro de Amaury Ribeiro
Júnior, venha a trazer a punição dos responsáveis, e trata de
defender-se. Seus dirigentes não parecem muito preocupados com as
vicissitudes de José Serra, que não defendem claramente, mas, sim, com a
provável devassa de uma Comissão Parlamentar de Inquérito – uma vez que
conseguiram que a primeira investigação se frustrasse.
O partido se vale, agora, do Instituto Teotônio Vilela, para
defender a entrega do patrimônio público, e isso constrange os que
conheceram de perto o grande alagoano e o seu entranhado patriotismo.
Ele, se não estivesse morto, iria exigir que retirassem seu nome da
instituição, que nada tem a ver com as suas idéias e a sua luta. Mas ele
não é o único morto que teria queixas nesse sentido. Como sabemos, os
“democratas” deram o nome de Tancredo ao seu instituto de estudos,
quando o grande mineiro sempre se pôs contra as oligarquias e sempre se
opôs à Ditadura. Só falta, agora, o Instituto Millenium adotar o nome de
Vargas.
A “Carta da Conjuntura”, do PSDB, datada de dezembro
último, não se limita a cantar loas a Fernando Collor e a Fernando
Henrique. Em redação ambígua, dá a entender que coube a Itamar iniciar o
processo de privatização da Vale do Rio Doce, consumada em 1997.
Vejamos como está redigido o trecho:
“A transferência paulatina de empresas públicas para o
capital privado tornou-se política de governo a partir da gestão
Fernando Collor, por meio da implantação do Programa Nacional de
Desestatização. Dezoito foram vendidas em sua curta passagem pelo
Planalto. O presidente Itamar Franco não retrocedeu e manteve a
marcha, privatizando mais 15 companhias. Nesta época, os principais
alvos foram as siderúrgicas, como a CSN, a Usiminas e a Cosipa, e as
mineradoras, como a então Companhia Vale do Rio Doce (hoje apenas Vale).
A Embraer também entrou na lista, no finzinho de 1994”.
Ora, é público e notório, para quem viveu aquele tempo –
não tão remoto assim – que Itamar reagiu com patriótica indignação
contra a privatização da Vale do Rio Doce. Reuniu, em
1997, vários nomes do nacionalismo brasileiro em seu escritório de Juiz
de Fora, quando foi redigido – e com minha participação pessoal – um
Manifesto contra a medida. Mais ainda: Itamar impediu, como governador
de Minas, a privatização da Cemig e de Furnas, como todos se recordam.
Os defensores da privatização usam argumentos que não
resistem a um exame combinado da ética com a lógica e a tecnologia. Eles
se referem à privatização da telefonia como “a jóia da coroa das
privatizações”. A telefonia era, sim, a jóia da coroa do interesse
estratégico nacional. E se referem ao aumento e barateamento das linhas
telefônicas e dos celulares. A universalização da telefonia e seu custo
relativamente baixo, hoje, se devem ao desenvolvimento tecnológico. Com o
aproveitamento maior do espectro das faixas de rádio-frequência, a
miniaturização dos componentes dos aparelhos portáteis e as fibras
óticas – para cuja adequação à telefonia nacional foi decisivo o
trabalho desenvolvido pelos técnicos brasileiros da CPQD da Telebrás.
Se assim não fosse, os nômades da Mongólia não estariam usando
celulares, nem os usariam os camponeses do vasto interior da China, como
tampouco os habitantes da savana africana. Como ocorreu no mundo
inteiro, o desenvolvimento técnico teria, sim, universalizado o seu uso
no Brasil, com a privatização e, principalmente, sem ela.
Tanto
é que estamos pagando as mais altas tarifas de telefonia celular e
banda larga do mundo, e uma das mais altas em TV a cabo, sem falar na
contínua remessa de lucros, que se contam em bilhões de euros, todos os
anos, enviadas para acionistas espanhóis, italianos, portugueses,
sangria que não existiria, com suas inevitáveis conseqüências para o
nosso balanço de pagamentos, se não fossem as privatizações.
Ao ler o texto, lembrei-me dos muitos encontros que tive com Teotônio Vilela, nos seus últimos meses de vida, em São Paulo, no Rio e em Belo Horizonte. Ele
lutava com bravura contra o câncer e contra a irresponsabilidade das
elites nacionais. A memória daquele homem em que a enfermidade não
reduzia a rijeza moral nem o amor ao Brasil – o Brasil dos vaqueiros e
dos jangadeiros do Nordeste, dos homens do campo e dos trabalhadores do
ABC - me confrange, ao ver seu nome batizando uma instituição capaz de
divulgar documentos como esse.
É necessário, sim, rever todo o processo de privatizações,
não só em seus aspectos éticos e contábeis, mas também em sua relação
com o sentimento nacionalista de nosso povo. Os arautos da entrega
alegam, no caso da Vale do Rio Doce, que a empresa tem hoje mais lucros e
recolhe mais impostos do que no passado, mas se esquecem de que isso
se faz na voraz exploração de nossas jazidas, que jamais serão
recuperadas, e sem que haja compensação justa aos municípios e estados
produtores.
E há mais: foi o dinheiro brasileiro que financiou a
privatização das telefônicas e vem financiando as empresas
“compradoras”, como se vê nos repetidos empréstimos do BNDES para sua
expansão e fusões, como no caso da Vivo, leia-se Telefônica de Espanha.
Fonte: Blog do MAURO SANTAYANA
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