Um terreno que não se sabe como foi parar nas mãos de um megainvestidor.
Uma comunidade que se formou como decorrência lógica de política habitacional tradicionalmente ineficiente.
Governos federal e estadual insensíveis às carências populares mais básicas, como o é a necessidade de moradia.
Uma "Justiça" que cumpre a lei ao pé da letra, quando no pólo passivo estão pessoas sem influência e pobres.
Uma Polícia que se revela valente e intransigente contra pessoas desesperadas, desarticuladas e temerosas de atos de truculência.
Tais ingredientes só poderiam levar a um desfecho desastroso, do ponto de vista do interesse social.
Partidos que se proclamam socialistas (PT e PSDB, o porimeiro com as rédeas da administração federal e o segundo com as rédeas do governo do Estado de SP), sem a menor sensibilidade para buscar uma solução para o drama de milhares de famílias, solução que passava por um mero decreto de desapropriação e a competente ação de indenização para compensar o proprietário do imóvel, desde que comprovada a legitimidade do mesmo para receber a reparação em tese devida.
VERGONHA nacional! Não há outra expressão para referir tais acontecimentos.
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Em entrevista à BBC Brasil, o arquiteto brasileiro Cláudio Acioly, coordenador do programa das Nações Unidas para o Direito à Habitação e chefe de política habitacional da ONU-Habitat, criticou a condução da operação e afirmou que, segundo a experiência internacional, remoções forçadas "criam mais problemas (que soluções) para a sociedade".
Durante os confrontos, carros foram incendiados e pelo menos três pessoas ficaram feridas.
O especialista questionou a atuação com base no Estatuto das Cidades e na Constituição, que veem "função social" e protegem propriedades menores de 250 m² que permaneçam ocupadas pacificamente por um período de cinco anos ou mais.
Tanto a Secretaria de Segurança Pública quanto o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo discordam da avaliação de Acioly (veja quadro).
Leia a seguir trechos da entrevista com Acioly, que também já atuou como consultor do Banco Mundial e do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento).
BBC Brasil – Na sua experiência internacional, quais são os efeitos das remoções forçadas nas cidades onde ocorrem?
Cláudio Acioly – O que a gente vê em outras cidades é que essas remoções criam mais problemas para sociedade e principalmente para as famílias diretamente afetadas. Nessas áreas vivem pessoas que trabalham, pagam aluguel, têm uma renda e vivem aí decentemente, por pura falta de opção. Para onde vai essa população depois do desalojo? Vai alugar casa mais caro em outro lugar, muitas vezes em situação de superpopulação, morando e vivendo uns em cima dos outros. Ou então vai promover ocupações irregulares em outros locais: embaixo da ponte, na rua, de maneira fragmentada. Recentemente encontramos uma figura morando em uma árvore no centro da cidade na Tanzânia.
BBC Brasil – O senhor crê que houve cuidados no caso do Pinheirinho para evitar isso? Por exemplo, só agora o governo começou a cadastrar as famílias afetadas.
Acioly – Houve uma série de erros graves no processo. Eu já trabalhei no Brasil com urbanização de favelas e programas de reassentamento em Brasília. A gente tinha como ponto de partida o cadastramento das famílias, a numeração das casas, a documentação dos moradores, havia um banco de dados. E havia uma data a partir da qual quem chegasse não teria direito a uma moradia alternativa. Brasília sempre foi notória pela maneira de realizar seus desalojos e reassentamentos, porque era uma cidade planejada.
BBC Brasil – Qual é a maneira correta de se fazer remoções?
Acioly – Eu queria deixar bem claro que a ONU não promove nem defende essas políticas. Nós reconhecemos a realização do direito à habitação adequada, tal qual definem os instrumentos internacionais. Mas se remoção for necessária e inevitável, é preciso seguir o devido processo: informar e comunicar suficiente e antecipadamente a população afetada; promover o envolvimento da comunidade; prover compensação e uma alternativa de habitação que elimine os prejuízos e o impacto físico, econômico e psicológico nas populações; e acompanhar as populações para que as pessoas não sejam colocadas em situação de pobreza por causa da realocação.
BBC Brasil – O senhor acredita que algum desses pontos foi respeitado no caso brasileiro?
Acioly – Você não pode simplesmente botar o trator e desrespeitar os direitos adquiridos a partir do princípio da função social da residência. A ocupação do Pinheirinho começou em 2004. Isso significa que cinco anos já se passaram e muitas pessoas que estão ali já estão estabelecidas. Pelo que tenho lido, está havendo uma violação clara do direito à habitação, que inclui o direito de não ser desalojado forçosamente. Está havendo uma violação drástica do princípio de habitação adequada.
Além disso, a ação de desalojo ocorreu no domingo – você não faz uma ação dessas no domingo, tem de haver uma participação da comunidade. Mesmo sendo uma decisão da Justiça, ela tem de ser aplicada de forma humana. O Estado tem um dever para com essas pessoas e deve reconhecer que possuem direitos como cidadãos brasileiros. Pelo que eu vi isto não está acontecendo.
BBC Brasil – Em abril de 2011, a relatora independente da ONU para o direito à habitação adequada, Raquel Rolnik, criticou formalmente o governo brasileiro pelas evidências que recolheu de “um padrão de falta de transparência, consulta, diálogo, negociação justa e participação das comunidades afetadas” nos processos de remoção relacionados às obras para a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016.
Acioly – Há organizações, como a Anistia Internacional, e a própria relatora independente da ONU alertando sobre desalojos no Brasil. Nós não temos como dizer que não pode haver reassentamentos. Mas não pode haver uma remoção forçada, em desrespeito ao princípio de que as pessoas não devem sair dali em situação pior que a que estavam. Se a autoridade olímpica acha que é melhor para a cidade e para a população que haja determinadas realocações, e há uma negociação, uma consulta e um entendimento, é uma situação em que todos ganham. Se não, temos um problema sério.
BBC Brasil – Se os governos agem em desacordo com esses direitos, há maneira de fazê-los prestar contas?
Acioly – A ONU não tem o poder de apontar o dedo para os governos e dizer o que e que eles têm de fazer. Quando temos um diálogo com o governo brasileiro sobre os seus programas, o que costumamos é relembrar esse princípio e os compromissos assumidos internacionalmente com eles. Além disso, a cada cinco anos os governos precisam fazer sua revisão periódica de políticas de direitos humanos no Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra. Agora, os países têm que prestar com a sua sociedade civil, porque eles firmaram esses convênios e tratados sobre os direitos dos seus cidadãos.
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Especialista da ONU vê 'violação drástica' de direitos em ação no Pinheirinho
Atualizado em 24 de janeiro, 2012 - 16:57 (Brasília) 18:57 GMT
O processo de remoção dos moradores da comunidade Pinheirinho, em São José dos Campos (SP), é uma "violação drástica" do princípio básico da moradia adequada, na avaliação de um alto especialista da ONU para o tema.
A polícia usou gás lacrimogêneo e balas de borracha para dispersar protestos dos moradores.
Durante os confrontos, carros foram incendiados e pelo menos três pessoas ficaram feridas.
O especialista questionou a atuação com base no Estatuto das Cidades e na Constituição, que veem "função social" e protegem propriedades menores de 250 m² que permaneçam ocupadas pacificamente por um período de cinco anos ou mais.
Tanto a Secretaria de Segurança Pública quanto o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo discordam da avaliação de Acioly (veja quadro).
Leia a seguir trechos da entrevista com Acioly, que também já atuou como consultor do Banco Mundial e do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento).
Outro lado
O juiz assessor da Presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo, Rodrigo Capez, acompanhou a reintegração de posse no Pinheirinho no domingo e na segunda-feira.
Segundo ele, apesar de muitos moradores ocuparem o terreno há mais de cinco anos, era impossível considerar judicialmente que eram proprietários por usucapião, porque a empresa reivindicou a posse do local continuamente desde o início da ocupação.
"A juíza Márcia Loureiro estava cumprindo o que a lei determina, que é que o proprietário tem o direito de reaver seu imóvel. Ela não pode, a despeito de que existe um problema social, deixar de cumprir a lei. A resolução do problema social é um encargo do poder Executivo e do Legistativo", disse à BBC Brasil.
Capez afirmou ainda que a operação policial foi planejada com antecedência e que não avisar aos moradores a data exata da reintegração era parte da estratégia para reduzir a resistência. "Foi exatamente a surpresa da operação que minimizou o risco de mortos e de feridos", disse.
De acordo com ele, estava previsto que os moradores fossem obrigados a deixar o local e que retornariam acompanhados pela polícia para recolher seus pertences, que foram marcados pela polícia. "Agora o Executivo, em todos os níveis, tem que atender a demanda da população por abrigo", concluiu.
Procurada pela BBC Brasil, a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo disse que o domingo foi escolhido como parte de um planejamento que buscava causar o menor dano possível aos moradores da comunidade.
A Secretaria nega ainda que tenha havido resistência ou choques com a polícia no momento da reintegração. Confrontos teriam sido registrados apenas em um momento posterior à ação.
Segundo ele, apesar de muitos moradores ocuparem o terreno há mais de cinco anos, era impossível considerar judicialmente que eram proprietários por usucapião, porque a empresa reivindicou a posse do local continuamente desde o início da ocupação.
"A juíza Márcia Loureiro estava cumprindo o que a lei determina, que é que o proprietário tem o direito de reaver seu imóvel. Ela não pode, a despeito de que existe um problema social, deixar de cumprir a lei. A resolução do problema social é um encargo do poder Executivo e do Legistativo", disse à BBC Brasil.
Capez afirmou ainda que a operação policial foi planejada com antecedência e que não avisar aos moradores a data exata da reintegração era parte da estratégia para reduzir a resistência. "Foi exatamente a surpresa da operação que minimizou o risco de mortos e de feridos", disse.
De acordo com ele, estava previsto que os moradores fossem obrigados a deixar o local e que retornariam acompanhados pela polícia para recolher seus pertences, que foram marcados pela polícia. "Agora o Executivo, em todos os níveis, tem que atender a demanda da população por abrigo", concluiu.
Procurada pela BBC Brasil, a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo disse que o domingo foi escolhido como parte de um planejamento que buscava causar o menor dano possível aos moradores da comunidade.
A Secretaria nega ainda que tenha havido resistência ou choques com a polícia no momento da reintegração. Confrontos teriam sido registrados apenas em um momento posterior à ação.
Cláudio Acioly – O que a gente vê em outras cidades é que essas remoções criam mais problemas para sociedade e principalmente para as famílias diretamente afetadas. Nessas áreas vivem pessoas que trabalham, pagam aluguel, têm uma renda e vivem aí decentemente, por pura falta de opção. Para onde vai essa população depois do desalojo? Vai alugar casa mais caro em outro lugar, muitas vezes em situação de superpopulação, morando e vivendo uns em cima dos outros. Ou então vai promover ocupações irregulares em outros locais: embaixo da ponte, na rua, de maneira fragmentada. Recentemente encontramos uma figura morando em uma árvore no centro da cidade na Tanzânia.
BBC Brasil – O senhor crê que houve cuidados no caso do Pinheirinho para evitar isso? Por exemplo, só agora o governo começou a cadastrar as famílias afetadas.
Acioly – Houve uma série de erros graves no processo. Eu já trabalhei no Brasil com urbanização de favelas e programas de reassentamento em Brasília. A gente tinha como ponto de partida o cadastramento das famílias, a numeração das casas, a documentação dos moradores, havia um banco de dados. E havia uma data a partir da qual quem chegasse não teria direito a uma moradia alternativa. Brasília sempre foi notória pela maneira de realizar seus desalojos e reassentamentos, porque era uma cidade planejada.
BBC Brasil – Qual é a maneira correta de se fazer remoções?
Acioly – Eu queria deixar bem claro que a ONU não promove nem defende essas políticas. Nós reconhecemos a realização do direito à habitação adequada, tal qual definem os instrumentos internacionais. Mas se remoção for necessária e inevitável, é preciso seguir o devido processo: informar e comunicar suficiente e antecipadamente a população afetada; promover o envolvimento da comunidade; prover compensação e uma alternativa de habitação que elimine os prejuízos e o impacto físico, econômico e psicológico nas populações; e acompanhar as populações para que as pessoas não sejam colocadas em situação de pobreza por causa da realocação.
BBC Brasil – O senhor acredita que algum desses pontos foi respeitado no caso brasileiro?
Além disso, a ação de desalojo ocorreu no domingo – você não faz uma ação dessas no domingo, tem de haver uma participação da comunidade. Mesmo sendo uma decisão da Justiça, ela tem de ser aplicada de forma humana. O Estado tem um dever para com essas pessoas e deve reconhecer que possuem direitos como cidadãos brasileiros. Pelo que eu vi isto não está acontecendo.
BBC Brasil – Em abril de 2011, a relatora independente da ONU para o direito à habitação adequada, Raquel Rolnik, criticou formalmente o governo brasileiro pelas evidências que recolheu de “um padrão de falta de transparência, consulta, diálogo, negociação justa e participação das comunidades afetadas” nos processos de remoção relacionados às obras para a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016.
Acioly – Há organizações, como a Anistia Internacional, e a própria relatora independente da ONU alertando sobre desalojos no Brasil. Nós não temos como dizer que não pode haver reassentamentos. Mas não pode haver uma remoção forçada, em desrespeito ao princípio de que as pessoas não devem sair dali em situação pior que a que estavam. Se a autoridade olímpica acha que é melhor para a cidade e para a população que haja determinadas realocações, e há uma negociação, uma consulta e um entendimento, é uma situação em que todos ganham. Se não, temos um problema sério.
Acioly – A ONU não tem o poder de apontar o dedo para os governos e dizer o que e que eles têm de fazer. Quando temos um diálogo com o governo brasileiro sobre os seus programas, o que costumamos é relembrar esse princípio e os compromissos assumidos internacionalmente com eles. Além disso, a cada cinco anos os governos precisam fazer sua revisão periódica de políticas de direitos humanos no Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra. Agora, os países têm que prestar com a sua sociedade civil, porque eles firmaram esses convênios e tratados sobre os direitos dos seus cidadãos.
Fonte: BBC
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