Channa Maayan - Coisas judaicas |
Há poucos meses, o Ministério da Saúde israelense deu a Channa Maayan, uma professora de pediatria da Universidade Hebraica, um prêmio pelo livro que ela co-escreveu sobre as doenças hereditárias comuns entre os judeus.
Por Ethan Bronner e Isabel Kershner*, no The New York Times
Para a cerimônia, Maayan vestiu uma blusa de manga longa e saia longa em respeito ao ministro da Saúde, Yakov Litzman, que é ultraortodoxo, e outras pessoas religiosas presentes. Mas isso não foi suficiente. Não apenas Maayan e seu marido tiveram que se sentar separadamente, porque homens e mulheres eram segregados no evento, como ela também foi instruída que um colega do sexo masculino teria que receber o prêmio em nome dela, porque não era permitida a presença de mulheres no palco.
Apesar de chocada por isso estar acontecendo em uma cerimônia do governo, Maayan se calou. Mas outros não e a história dela está entrando para o crescente rol de casos que geram revolta secular, enquanto prossegue a batalha em Israel pelo controle do espaço público entre os rigidamente religiosos e todos os demais.
Em um momento em que não há progresso da disputa palestina, os israelenses estão se voltando para si mesmos e descobrindo que um problema que vinham negligenciando – o lugar dos judeus ultraortodoxos – se transformou em uma crise.
E ela é centrada nas mulheres.
“Assim como o socialismo e o nacionalismo secular representavam um problema para o establishment religioso há um século, o problema atual é o feminismo”, disse Moshe Halbertal, um professor de filosofia da Universidade Hebraica. “Este é um desafio ideológico e moral imenso que toca na essência da vida e, assim como está afetando o mundo islâmico, é a principal questão com a qual os rabinos estão perdendo o sono.”
A lista de controvérsias cresce a cada semana: os organizadores de uma conferência na semana passada, sobre a saúde da mulher e a lei judaica, proibiram mulheres de falarem no palco, provocando o cancelamento da participação de pelo menos oito conferencistas; homens ultraortodoxos cuspiram em uma garota de 8 anos que consideravam vestida de modo imodesto; o rabino chefe da Força Aérea pediu a renúncia de seu posto, porque o Exército não isentou os soldados ultraortodoxos de participarem de eventos onde cantoras se apresentavam; manifestantes retrataram o chefe de polícia de Jerusalém como Hitler em cartazes, porque ele instruiu os ônibus públicos com assentos mistos a passarem por bairros ultraortodoxos; vândalos censuraram com tinta preta os rostos de mulheres em outdoors em Jerusalém.
Hadarat Nashim
O discurso público em Israel está repentinamente tomado por uma nova frase em hebraico, “hadarat nashim”, ou exclusão das mulheres. O termo está por toda parte nas últimas semanas, assim como a frase “chauvinismo masculino” despontou décadas atrás nos Estados Unidos.
Tudo isso parece anômalo para a maioria das pessoas em um país onde cinco mulheres jovens acabaram de se formar no prestigiado curso de pilotos da Força Aérea e onde uma mulher preside a Suprema Corte. Mas cada lado na disputa está realizando uma campanha pública vigorosa.
O Fundo Novo Israel, que defende a igualdade e democracia, organizou cantorias e concertos com mulheres em Jerusalém e espalhou cartazes com rostos de mulheres sob o slogan “As mulheres devem ser vistas e ouvidas”. A Associação Médica de Israel afirmou na semana passada que seus membros devem boicotar eventos que excluam as mulheres de falarem no palco.
As autoridades religiosas disseram que grupos liberais estão travando uma guerra de ódio contra o setor devoto, que deseja apenas ser deixado em paz.
Haredi
Esse setor, os ultraortodoxos vestidos de preto, é conhecido em Israel como haredi, ou temente a Deus. Ele abrange muitos grupos com abordagens distintas tanto à liturgia quanto ao tamanho do casaco, o estilo do chapéu, barba e tranças, assim como as formas diferentes de cobrir os cabelos das mulheres. Entre eles estão os hassídicos, de origem europeia, assim como dos países do Oriente Médio, que são representados pelo partido político Shas.
Coletivamente, os ultraortodoxos são, na melhor das hipóteses, ambivalentes em relação ao Estado israelense, que eles consideram insuficientemente religioso e prematuro em sua fundação, porque o Messias ainda não chegou. Ao longo das décadas, os haredim fizeram manifestações furiosas contra as práticas do Estado, como permitir o funcionamento dos ônibus aos sábados, e a maioria acredita que o Estado não sobreviverá.
O sentimento é mútuo. As comunidades haredim originais na Europa foram dizimadas pelo Holocausto e quando o primeiro-ministro fundador de Israel, David Ben-Gurion, ofereceu subsídios e dispensa do serviço militar aos poucos deles na época em Israel, ele achou que estava fornecendo um funeral digno ao grupo.
“A maioria dos israelenses presumiu na época que os haredim desapareceriam em uma geração”, disse Jonathan Rosenblum, um escritor haredi.
Em vez disso, eles se multiplicaram, se juntaram a coalizões de governo e conquistaram subsídios e isenções significativos para crianças, moradia e estudo do Torá.
Eles somam 1 milhão, uma comunidade em grande parte pobre em um país relativamente rico de 7,8 milhões. Em geral eles ficam de fora da política normal israelense de guerra e paz, frequentemente permanecendo neutros na questão palestina e concentrando seus acordos nas necessidades materiais e espirituais de seus eleitores. Politicamente, eles se inclinaram para a direita nos últimos anos.
Em outras palavras, apesar de rejeitarem o Estado, os ultraortodoxos sobrevivem fazendo acordos com ele. E apesar de desdenharem o grupo, governos sucessivos –tanto de esquerda quanto de direita – sobreviveram trocando subsídios pelos votos deles. Agora cada um precisa do outro e o atrito resultante é difícil de conter.
“A coexistência entre os dois está ruindo”, disse Arye Carmon, presidente do Instituto de Democracia de Israel, uma organização de pesquisa de Jerusalém. “É um risco extremo.”
Carmon comparou os judeus rigidamente religiosos de Israel aos radicais islâmicos no mundo árabe, dizendo que há uma dinâmica semelhante em curso no Egito, com as tensões crescendo entre as forças seculares que lideraram a revolução e os partidos islâmicos que agora estão ganhando proeminência.
“Hoje, não há uma cidade sem uma comunidade haredi”, disse o rabino Abraham Israel Gellis, um rabino haredi de Jerusalém de 10ª geração, sentado em sua casa, com uma enorme yeshivá na colina, do lado de fora de sua janela. “Eu tenho 38 netos e eles vivem espalhados por todo o país.”
Mas apesar da comunidade ter ganhado recentemente maior poderio econômico – há um crescente mercado atendendo suas necessidades – o que falta é produtividade econômica. A comunidade coloca o estudo do Torá acima de todos os outros valores e trabalha assiduamente para possibilitar que seus homens façam isso, em vez de trabalhar. Apesar das mulheres frequentemente trabalharem, é de 60% a taxa de desemprego entre os homens, que também costumam não servir no Exército.
É esta combinação – aceitação de subsídios do governo, recusa em prestar o serviço militar e recusa em trabalhar, ao mesmo tempo tendo de seis a oito filhos por família – que incomoda muitos israelenses, especialmente quando os cidadãos estão economicamente inseguros e sendo maltratados pelo governo.
“A questão haredi é uma força fluindo no subsolo, como lava, e pode explodir”, disse Shelly Yacimovich, uma parlamentar israelense e líder do Partido Trabalhista, em uma entrevista. “É por isso que precisa ser tratada sabiamente, os ajudando a ingressarem na sociedade moderna por meio do trabalho.”
Em outra era
Apesar de mudanças terem começado – milhares de homens haredim estão aprendendo profissões, mais deles estão arrumando emprego e um pequeno número ingressou no Exército israelense – a comunidade está em crise.
Muitos líderes ultraortodoxos se sentem ameaçados pela integração de seus seguidores na sociedade e estão buscando desesperadamente manter seu poder.
“Nós temos que ganhar a vida”, disse o rabino Shmuel Pappenheim, um líder haredi reformista da cidade de Beit Shemesh. “Nós somos um milhão de pessoas com um milhão de problemas. Os rabinos podem gritar um milhão de vezes contra isso, mas isso não vai ajudar. E assim temos extremismo – em ambos os lados.”
Dan Ben-David, diretor executivo do Centro Taub para Estudos de Políticas Sociais em Israel, disse que as taxas de fertilidade na comunidade haredi tornam a questão particularmente aguda – os judeus religiosos são o único grupo em Israel tendo mais filhos hoje do que há 30 anos.
“Eles correspondem a mais de 20% de todas as crianças nas escolas primárias”, ele disse. “Em 20 anos, há o risco de que teremos uma população de terceiro mundo aqui, que não sustentará uma economia e exército de primeiro mundo.”
E, acrescentou Ben-David, o que as crianças aprendem no sistema de ensino ultraortodoxo – em grande parte não regulamentado pelo Estado devido aos acordos políticos – é inadequado para o século 21, de modo que mesmo aqueles que desejam trabalhar estão tendo dificuldade em encontrar empregos.
“As escolas deles não lhes dão os conhecimentos para o trabalho em uma sociedade moderna e nenhum treinamento em direitos civis, direitos humanos ou democracia”, disse Ben-David. “Eles nem mesmo sabem do que estamos falando – o que queremos deles – quando falamos sobre discriminação contra as mulheres.”
A comunidade haredi considera isso uma grande incompreensão a respeito de seus pontos de vista.
O rabino Dror Moshe Cassouto, um hassídico de 33 anos, vive com sua esposa e quatro filhos no bairro de Mea Shearim, em Jerusalém, um dos centros da vida haredi em Israel. Ele nunca olha diretamente para uma mulher, fora sua esposa, e acredita que homens e mulheres têm papéis na natureza que as sociedades modernas inverteram, “porque vivemos nas trevas”.
Sua meta é disseminar a luz. “Deus tomará conta da nação judaica enquanto ela estudar o Torá”, ele disse.
Mesmo assim, a cusparada e a acusação de nazismo o horrorizaram. Ele diz que os linhas-duras prejudicam os haredim.
Ao ser perguntado sobre os recentes problemas, ele balançou a cabeça e disse: “Um idiota atira uma pedra no poço e mil sábios não conseguem removê-la”.
Fonte: COISAS JUDAICAS
*Ethan Bronner e Isabel Kershner são jornalistas
Tradutor: George El Khouri Andolfato
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