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sábado, 4 de setembro de 2010

Brasil - O mais Kardecista

Religião à brasileira

Temas ligados à doutrina espírita têm um público cativo no Brasil, o país mais kardecista do mundo, e atraem também por atenderem a um interesse natural do ser humano

Publicado em 04/09/2010 | Irinêo Baptista Netto

A estreia ontem do Nosso Lar nos cinemas é um acontecimento cultural revelador. O filme de Wagner de Assis custou R$ 20 milhões (valor recorde no cinema nacional), não usou leis de incentivo – uma proeza incrível para tal orçamento – e ganhou 435 cópias espalhadas pelo país. Ele é mais caro e tomou conta de mais salas do que produções de sucesso como a comédia Os Normais 2 e a cinebiografia Chico Xavier. Esta fala, justamente, do médium mineiro que escreveu o livro Nosso Lar.

Na televisão, as telenovelas A Viagem e Escrito nas Estrelas, ambas produzidas pela Rede Globo, também lidavam com o assunto. Assim como a minissérie A Cura, com Selton Mello, ainda em exibição todas as terças-feiras.

 / O ator Nelson Xavier personificou Chico Xavier na cinebiografia dirigida por Daniel Filho, que leva o nome do médium mineiro morto em 2002

O ator Nelson Xavier personificou Chico Xavier na cinebiografia dirigida por Daniel Filho, que leva o nome do médium mineiro morto em 2002

Peça kardecista é fenômeno de público

Desde o dia 22 de agosto de 2002, ou seja, há mais de oito anos, a peça Nosso Lar está em cartaz no Teatro Rodrigo d’Oli­­veira, em Curitiba. A versão dramática do texto de Chico Xa­­vier já foi apresentada mais de 600 vezes. Atualmente, a montagem segue em temporada permanente, encenada todo domingo, às 19 horas.

Médiuns psicografam obras de Balzac e Hugo

Em meio aos livros espíritas, além das obras psicografadas por médiuns célebres – Chico Xavier e Zíbia Gasparetto são dois deles –, há uma linha curiosa de livros. A dos romances que seriam ditados pelos espíritos de autores famosos.

A editora da Federação Espírita Brasileira (FEB) tem uma série voltada a títulos do “espírito” do escritor francês Victor Hugo (1802-1885), autor do clássico Os Miseráveis. São cinco volumes psicografados por Zilda Gama, com títulos como Almas Crucificadas e Do Calvário ao Infinito. A coleção tem uma identidade gráfica que destaca a foto e o nome em letras grandes de Hugo, enquanto uma frase em corpo menor informa: “Romance psicografado por Zilda Gama”, ou seja, Victor Hugo teria ditado para Zilda.

A editora Butterfly publicou Alma de Mulher em Corpo de Homem, escrito por Waldo Vieira e Afonso Moreira Junior. Os médiuns atribuem o texto ao “espírito” de outro autor francês, Honoré de Balzac (1799-1850), criador de A Mulher de Trinta Anos e Eugénie Grandet. Balzac teria ditado ainda Cristo Espera por Ti (Editares), psicografado também por Vieira.

Outro caso peculiar é o da autobiografia do escritor russo Leon Tolstói (1828-1910), de Guerra e Paz e Anna Kariênina. Escrito pela médium Célia Xavier de Camargo, o livro Leon Tolstói por Ele Mesmo (Petit) criaria o caso único de um romancista reconhecido narrando a sua “encarnação” na Terra.

“À primeira vista pode-se pensar que esta seja uma estratégia de marketing para dar maior valor às obras. No entanto, não creio que esta seria uma estratégia eficiente, ao contrário, talvez até contribua para uma ‘suspeita’ em relação às mesmas e a todas as outras obras psicografadas”, diz Simone de Oliveira, doutora em Ciências Sociais da Religião. “Os espíritas entendem como ‘fato real’ a comunicação entre espíritos en­­carnados e desencarnados (en­­quanto cientista da religião, eu considero que isto seja uma ‘questão de fé’), neste caso, em última instância, não importa se os autores das obras classificadas como psicografadas sejam ou não conhecidos e famosos, o que vai qualificá-las ou desqualificá-las enquanto tais é a crença nessa possibilidade de comunicação.”

A professora de História Angélica A. Silva de Almeida diz que esse tipo de livro ainda é pouco estudado no ambiente acadêmico, embora existam bons trabalhos desenvolvidos na Universidade de Campinas (Unicamp). “A literatura mediúnica é um fenômeno cultural extremamente interessante e relevante, especialmente em nossa sociedade, possuindo ampla disseminação, bem além do número de adeptos declarados do espiritismo”, diz Angélica.

Segundo o professor Marcos Silveira, não dá para separar o espiritismo como tema (de livros, filmes e novelas) da doutrina religiosa. “Os livros e filmes são ex­­pressões dessa religiosidade. São realizadas por pessoas que têm muita afinidade com o espiritismo”, diz. (IBN)

Os livros espíritas são um sucesso – vendem muito e por vários anos. Os autores se tornam referência e passam a ser procurados por uma legião fiel de leitores. Além de Chico Xavier, dá para citar a trajetória singular da escritora Zíbia Gasparetto.

Nos cinemas, na televisão e nas livrarias, a disposição de contar histórias ligadas à religião de Allan Kardec (1804-1869) reflete o apelo que o universo dos espíritos exerce sobre as pessoas e o fato de o Brasil ser o país mais kardecista do mundo – informação destacada pelo professor Marcos Silveira, do curso de Antropologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

O espiritismo – termo que surgiu em 1857 com a publicação na França de O Livro dos Espíritos, de Kardec – sempre esteve ligado à publicação de livros, inclusive pela proposta de aliar discussões religiosas e científicas, o material e o imaterial.

“A literatura kardecista é um fenômeno à parte do mercado editorial convencional. Os espíritos ditam os livros, eles [os médiuns] têm editoras próprias e os preços são baixos. Essa utilização da mídia faz parte dessa cultura religiosa. É comparável com o uso que fazem os evangélicos e uma série de religiões orientais, em países como a Índia e o Japão”, diz Silveira.

O kardecismo perdeu um tanto da força em seu país de origem, enquanto se fortaleceu no Brasil num caso sem igual. “Os espíritas brasileiros têm tido um papel preponderante na disseminação do espiritismo pelo mundo”, diz An­­gélica A. Silva de Almeida, professora de História no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia em Juiz de Fora (MG).

“Outro aspecto que se pode considerar é que o kardecismo prospera, historicamente, num contexto de classes médias urbanas, que são letradas e têm interesse na literatura e nos filmes. São pessoas para as quais a religiosidade parece precisar ser expressa dessa forma – um livro de orações em vez de rezas memorizadas oralmente, por exemplo. Enfim, é uma religiosidade que faz sentido em contextos modernizados e que acaba podendo ser percebida como uma modernização de cultos espíritas mais tradicionais”, explica Silveira.

Angélica conta que a influência do espiritismo em território nacional está relacionada à força que a cultura francesa tinha por aqui no início do século 19 e à espiritualidade marcante da cultura brasileira, construída a partir de manifestações ibéricas, ameríndias e africanas.

É o que Simone de Oliveira, doutora em Ciências Sociais da Religião, chamada de “ambiente propício” para a fixação do espiritismo: a crença na comunicação com os mortos e na existência de seres espirituais.

“Considero que a proposta do espiritismo de explicar as relações entre os vivos e o futuro post mortem, de apresentar a possibilidade de várias encarnações para uma superação de si mesmo e a transformação em seres melhores, a busca por significados para as experiências que vivenciamos – em especial aquelas ligadas ao sofrimento –, sejam elementos atrativos da doutrina espírita por si mesma”, diz Simone. “Na mesma linha, considero que o interesse pela literatura e/ou filmes sobre o tema também sejam pautados por essas questões, sendo uma forma de informação mais lúdica, esteticamente atraente e que não implica num comprometimento ou filiação propriamente dita ao espiritismo, a este ou aquele grupo.”

De certa forma, a relação com o transcendente, ou com uma dimensão não material da existência, é uma das características próprias do ser humano. “Tanto que grandes obras de arte da humanidade, sejam elas artísticas, musicais ou arquitetônicas (catedrais, pirâmides), tiveram ao longo da História a sua inspiração em ideias e sentimentos espirituais”, diz Angélica, que considera “natural” o interesse suscitado pelo espiritismo em filmes, livros e programas de tevê, algo que “sempre aconteceu”.

Em parte, foi essa curiosidade do público pelo plano espiritual que levou o cineasta Wagner de Assis a querer adaptar o livro Nosso Lar, de Chico Xavier. Para ele, as ideias espíritas são “poderosas”. “A fé [na vida após a morte] é uma maneira de procurar consolo, de saber que as pessoas foram embora, mas existem em algum lugar”, diz o diretor e roteirista.


Fonte: Gazeta do Povo (Pr)

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